10 jan, 2022 - 13:20 • Ângela Roque
A luta contra a pandemia ainda requer de todos um “esforço considerável” e faz com que o novo ano se anuncie “desafiador”, começou por afirmar o Papa no tradicional discurso de Ano Novo aos embaixadores acreditados junto da Santa Sé.
Um dos desafios é o de confiar nas vacinas, que “não são instrumentos mágicos de cura”, mas constituem a “solução mais razoável”, lembrou Francisco, para quem nesta matéria a “firmeza na tomada de decisões” e a “clareza comunicativa” são fundamentais para evitar “confusão” e “desconfiança”.
O Papa voltou a apelar à responsabilidade social dos que mais têm para com os países mais pobres, onde as vacinas ou ainda não chegaram, ou não são suficientes.
“Constata-se, com mágoa, que em muitos locais do mundo o acesso universal à assistência sanitária ainda permanece uma miragem”, reiterando, “num momento tão grave para toda a humanidade”, um apelo para “que os governos, e as entidades privadas interessadas, mostrem sentido de responsabilidade, elaborando uma resposta coordenada a todos os níveis (local, nacional, regional, global), através de novos modelos de solidariedade e instrumentos aptos para reforçar as capacidades dos países mais pobres”, disse Francisco.
Nesta intervenção apelou várias vezes à união na luta contra problemas comuns, justificando com “a questão migratória, bem como a pandemia e as mudanças climáticas” que “mostram claramente que ninguém se pode salvar sozinho” e que “os grandes desafios do nosso tempo são todos globais”.
No caso das migrações, este não é um problema exclusivo da Europa – e o Papa lembrou que também atingem a fronteira do México com os Estados Unidos -, mas Francisco deixou um apelo concreto à União Europeia, para que “encontre a sua coesão interna na gestão das migrações, como a soube encontrar para enfrentar as consequências da pandemia”.
“É necessário criar um sistema coerente de gestão das políticas migratórias e de asilo, de modo que sejam compartilhadas as responsabilidades no acolhimento dos migrantes, na revisão dos pedidos de asilo, na redistribuição e integração de quantos podem ser aceites”, defendeu o Papa.
No discurso aos embaixadores, o Papa lembrou as visitas que conseguiu fazer em 2021 (Iraque, em março, Hungria e Eslováquia, em setembro, e Chipre e Grécia, em dezembro).
Perspetivando 2022, falou dos “conflitos intermináveis”, como o da Síria, mas também da crise em Myanmar e do processo de paz entre israelitas e palestinianos, lamentando que no ano passado não se tenham registado progressos nas relações entre os dois povos.
Falou também dos conflitos que são “esquecidos”, como o do Iémen, que classificou de “uma tragédia humana que de desenrola há anos em silêncio, longe dos holofotes da comunicação social”.
As alterações climáticas foram outro dos temas eleitos pelo Papa para esta intervenção, com Francisco a considerar que 2022 será um ano decisivo para encontrar respostas.
“Na recente COP26 em Glasgow, foram dados alguns passos que vão na direção certa, embora bastante débeis relativamente à consistência do problema a enfrentar”, afirmou, alertando que o tempo “é pouco” para se fazer cumprir os objetivos do Acordo de Paris.
“Ainda há muito a fazer, e por conseguinte 2022 será mais um ano fundamental para verificar como e quanto se pode reforçar o que foi decidido em Glasgow, tendo em vista a COP27 prevista para novembro próximo no Egito”, sublinhou Francisco.
O Papa lembrou aos embaixadores que para enfrentar as crises do século XIX, o fundamental é o “diálogo” e a “fraternidade”, e não as armas, porque quem as tem acaba sempre por usá-las.
“Naturalmente todos os conflitos são favorecidos pela abundância de armas à disposição e pela falta de escrúpulos de quantos se esforçam por espalhá-las. Às vezes, temos a ilusão de que os armamentos servem apenas para ter um papel dissuasor contra possíveis agressores. Mas a história e as notícias, também, ensinam-nos que não é assim. Quem possui armas acaba, mais cedo ou mais tarde, por usá-las, porque, como dizia São Paulo VI, ‘não se pode amar com armas ofensivas nas mãos’”, sublinhou.
Para o Papa é “possível” e “necessário” acabar com a ameaça nuclear, por isso “a Santa Sé continua firmemente a sustentar que as armas nucleares são instrumentos inadequados e impróprios para responder às ameaças à segurança no século XXI, e que a sua posse é imoral. É imoral!”, acentuou.
Por outro lado, considerou que o investimento em armas “desvia recursos” que deviam ser investidos no “desenvolvimento humano integral” – uma ideia que já tinha defendido na mensagem para o Dia Mundial da Paz, observando, para além disso, que o nuclear tem “consequências humanitárias e ambientais catastróficas” e “ameaça a própria existência da humanidade”.
Nesta audiência aos embaixadores o Papa recordou que a pandemia “pôs duramente à prova” a economia mundial, com graves repercussões nas famílias e trabalhadores, com a pobreza extrema a atingir cada vez mais pessoas. E recuperou algumas das ideias-chave da sua recente mensagem para o Dia Mundial da Paz, em que defende que se deve investir menos em armas e mais em educação e no “trabalho digno”.
Francisco lembrou que a Igreja católica sempre “valorizou o papel da educação para o crescimento espiritual, moral e social” dos jovens, e reafirmou o compromisso de combater o crime dos abusos de menores.
“É ainda mais doloroso para mim constatar como, em vários centros educativos – paróquias e escolas –, foram cometidos abusos sobre menores, com graves consequências psicológicas e espirituais para as pessoas que os sofreram”, relatou.
São “crimes, sobre os quais deve haver uma firme vontade de esclarecer, examinando os casos individuais para apurar as responsabilidades, fazer justiça às vítimas e impedir que se repitam no futuro semelhantes atrocidades”, defendeu.
O Papa terminou o seu discurso pedindo que não tenham medo de “abrir espaço para a paz” e de cultivar o “diálogo e a fraternidade”, porque “a paz é um bem contagioso”.