14 jan, 2022 - 16:51 • Rosário Silva
As instituições do setor social da arquidiocese de Évora estão “sufocadas financeiramente” e vivem “momentos dramáticos”.
O alerta é deixado na Renascença pelo presidente da Caritas arquidiocesana, Luis Oliveira Rodrigues, que atribui a situação, entre outros aspetos, à pandemia, ao aumento do custo de vida e, em particular, “às despesas com o pessoal”.
“Tudo aumenta e a receita mantém-se ou até sofre reduções porque os utentes têm baixos rendimentos”, lamenta o responsável, que em conferência de imprensa, recordou que a maioria das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) sobrevive, apenas, com as comparticipações do utente, da sua família e o valor fixo pago pelo Estado.
Conhecedor da realidade destas instituições, o presidente da Caritas eborense questiona o papel do Estado “parceiro”, mas que se “comporta mais como uma tutela exigente e muitas vezes castigadora”.
“Onde está o Estado social que tanto apregoa as suas intenções de valorizar a área social e tão pouco faz por isso?”, pergunta.
Oliveira Rodrigues vai mais longe e alude a um “Estado que lança programas de milhões de ajuda às instituições”, sem que se veja “na prática, onde estão esses milhões”.
É disso exemplo, o Programa de Alargamento da Rede de equipamentos Sociais (PARES 3), lançado em 2020, sem que, até hoje, se conheçam quais as candidaturas aprovadas.
Também o novo Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, assinado em dezembro entre o Governo e o chamado “terceiro setor”, levanta dúvidas.
“Parece-me que é mais um pacto de intenções, cujos resultados não se vislumbram a curto prazo”, sendo que “as instituições continuam, à espera, definhando”, adverte o presidente da Caritas de Évora.
No mesmo sentido, vai a posição do presidente da União Distrital das Instituições Particulares de Solidariedade Social de Évora ( UDIPSS), Tiago Abalroado.
“A lógica base deste pacto agora assinado, deve ser a lógica da partilha em que estado assegure 50%, e as instituições os outros 50%”, defende, Tiago Abalroado, alertando para o atual “subfinanciamento” das IPSS.
“Num centro de dia, o Estado comparticipa por um utente, por mês, pouco mais de 100 euros. Um utente em centro de dia custa, no mínimo, entre 700 e 800 euros”, exemplifica.
O “equilíbrio de forças” há muito que está previsto e é reconhecido pelo Estado, mas “chegados a 2022, ainda não atingimos esse objetivo”, afirma.
Para o presidente da UDIPSS, “é urgente dar seguimento a estas intenções e importante que passemos à prática, para que seja atingido o patamar do que é justo”, acrescenta.
Tiago Abalroado lembra que “a causa social deve ser encarada como a causa de todos nós”, já que as IPSS são, também um agente económico dos territórios onde se inserem.
“Estas instituições tem uma taxa de empregabilidade, sobretudo no interior do país, elevadíssima, pois são, normalmente, o segundo e o terceiro maior empregador dos concelhos, e não podemos encarar o setor, como tendo importância menor ou como sendo o setor da caridadezinha”, observa.
“Há uma coresponsabilidade em que o Estado assume função de parceiro”, mas estas instituições, declara o responsável “não querem ter excedentes com o apoio do Estado”, mas tão somente “que seja coberto aquilo que gastam para promover as respostas sociais”.
São muitos os desafios que se colocam às IPSS, condicionadas por inúmeras limitações para poderem realizar o seu trabalho, “altamente exigente e de grande impacto social”, e que é, muitas vezes “subalternizado”.
Situação que leva a própria sociedade a não reconhecer, nestas instituições, a sua verdadeira missão, criando-se em torno do setor uma imagem que não corresponde à realidade.
“Isso afasta as pessoas, afasta o interesse dos políticos e afasta o interesse da sociedade”, admite.
O também membro da direção da Caritas eborense, alerta para o facto de se estar a atravessar “um dos períodos mais críticos em termos de empregabilidade do setor solidário em Portugal”, com muitas dificuldades em recrutar pessoas e que não se fica a dever a baixos salários.
“Isso é um mito” e a situação “deve preocupar-nos e mobilizar”, pois “deve-se ao desprestigio do setor”.
Só “com o envolvimento de todos os agentes comunitários” será possível “convergir os recursos necessários”, financeiros e outros”, para que “o trabalho possa ser prestado com qualidade, maximizando o bem-estar junto dos utentes que apoia”.
Quando o país é, de novo, chamado às urnas, está é uma reflexão que urge fazer, mais ainda quando estas instituições desenvolvem um trabalho essencial para regiões como o Alentejo, caraterizada pela sua população envelhecida e com baixos rendimentos.
“Como têm sobrevivido as instituições nestas condições tão dramáticas?”, pergunta o cónego Silvestre Marques, respondendo logo a seguir: “Com a ação dos voluntários, a quem agradecemos publicamente, e com a ajuda de instituições com maior poder económico, como, por exemplo, a Fundação Eugénio de Almeida que nos ajuda a manter algumas necessidades das famílias”.
O diretor do Departamento Sócio Caritativo da arquidiocese de Évora, sublinha que “é graças à sociedade civil que ainda não desaparecemos”, já que os cidadãos, “em momentos dramáticos, sabem reagir e têm reagido, só assim nos foi possível manter a ação durante a pandemia”.
O responsável classifica a situação de “verdadeiramente crítica” e pede à sociedade que “reflita” e pense naquilo que “queremos para o futuro”, lembrando que “muitas vezes o que está em questão”, mesmo no âmbito social, “é o atendado à dignidade humana”.
O futuro que, em Portugal, passa pelas eleições de 30 de janeiro. O sacerdote diz que “não tem autoridade” para dar recados ao Governo, mas lembra que já viu “políticos” a comentar as exortações apostólicas do Papa, por isso pede que ouçam e respondam às “solicitações de Francisco”, pois “de certeza absoluta que o mundo seria muito melhor do que aquilo que é”.
O diretor do Departamento Sócio-Caritativo da arquidiocese alude também à Conferência Episcopal Portuguesa que, nos últimos dias, pediu “honestidade” aos partidos.
Os partidos políticos, pessoalmente, devem dizer ao que vêm, o que querem e o que pretendem”, pois “muitas vezes não estão presentes nas campanhas eleitorais muitas das coisas que depois aparecem na Assembleia da República.
Para o cónego Silvestre Marques, isso “é uma altíssima desonestidade, e um atentado contra a dignidade dos cidadãos”.
É necessário, acrescenta, “um pouco mais de honestidade, verdade e autenticidade da parte dos políticos em geral, para poderem dizer o que querem, e perante a clareza daquilo que afirmam querer fazer, nós estamos em condições de fazer escolhas mais acertadas e de acordo com a nossa própria consciência”, conclui.