27 jan, 2022 - 15:41 • Henrique Cunha
Jorge Cunha, professor de Teologia Moral na Universidade Católica do Porto, lamenta que, mais uma vez, os partidos não tenham discutido em campanha eleitoral “a questão da laicidade e do bem comum”.
Em entrevista à Renascença, este professor de questões Éticas e Sociais Contemporâneas afirma que faltou também debater o inverno demográfico, porque “nós precisamos de deixar entrar imigrantes”, e também não foi tema de campanha “a questão do trabalho”.
Lembrando que o seu ponto de vista “é o ponto de vista da doutrina social da Igreja”, Jorge Cunha declara-se muito preocupado, porque “continuamos a pensar a política de uma maneira que ignora o papel da cultura portuguesa, em que o Estado continua a excluir todo o conteúdo espiritual da nossa vida comum”, o que “tem repercussões muito importantes, por exemplo, na educação”.
“Nós gastamos uma grande parte do nosso produto a educar as pessoas, mas depois a educação não é eficaz porque nós não temos em conta a definição espiritual do ser humano, a sua característica maior de abertura à transcendência”, sublinha.
Para este especialista em Ética e Teologia Moral, “temos de começar a dar lugar às correntes espirituais, à discussão desse aspeto, porque a laicidade não pode continuar a ser uma coisa vazia”, e nesta campanha “não se discutiu como vamos planear a nossa vida comum, tendo em conta aquilo que nós somos, a nossa cultura, a nossa religião, a nossa índole, até a nossa história ou a nossa memória”.
“Esses aspetos nunca são discutidos e, por isso, continuamos a gastar imenso dinheiro mal gasto”, reforça.
Na sua análise à campanha eleitoral, Jorge Cunha destaca um segundo aspeto que “tem a ver com o anterior – ou se quisermos é complementar” – e que “é a discussão acerca do papel da instituição estatal na promoção do bem comum”. O professor de Teologia Moral diz que “o Estado não é responsável e não é competente na questão do bem comum” e alerta para a necessidade de “sermos muito rigorosos, e pensar muito bem em que é que gastamos o nosso dinheiro”.
O especialista em Ética defende que “não foram discutidas convenientemente a questão da população e da imigração”. Jorge Cunha acredita que “precisamos de desenvolver e de nos entender sobre uma política de imigração para que o nosso país possa continuar a ser o que é”.
O professor não tem dúvida de que “precisamos de deixar entrar imigrantes” e o assunto “apareceu muito pouco” na campanha, o que é “muito negativo, porque na atual situação a questão populacional vai levar ao fim do nosso país”.
Em último lugar, “há um assunto que foi discutido pela margem e que é a questão do trabalho”, que “está a chegar a ponto extremo”. Jorge Cunha entende a necessidade de se discutir a atualização do salário mínimo, mas defende ser necessário colocar “à discussão porque é que o produto do trabalho das pessoas não se reflete no salário”.
O professor afirma que “este é um problema que está a chegar a um ponto extremo”, lembrando que, de acordo “com o que dizem os economistas, nós trabalhamos sete meses para as finalidades comuns”.
Jorge Cunha diz que é importante “saber quem administra o produto do nosso trabalho: se são as pessoas, se são os organismos públicos que fazem o que entendem com o produto do nosso trabalho”.
“Continuamos a ser uma sociedade com um certo tipo de violência de uns contra os outros, porque o produto do nosso trabalho não vem para nós e é administrado como calha”, defende.
O especialista em Ética e Moral considera decisivo, no futuro, discutir “porque é que grupos muito poderosos se apropriam do produto do trabalho das pessoas e fazem com ele o que entendem, sem que seja referendado pela vontade comum que se discute na eleição”.