25 fev, 2022 - 05:55 • Rosário Silva
À média luz, a Igreja da Graça, em Évora, vai recebendo, no horário previsto, as várias dezenas de ucranianos que residem e trabalham na cidade. Chegam em silêncio, alguns de lágrimas nos olhos e a pedir que se respeite o momento que é de tristeza.
Olga está há 15 anos em Portugal. A capital do Alentejo central é, precisamente, onde vive e trabalha exaustivamente, para ajudar a família que se encontra na Ucrânia e com quem está agora muito preocupada.
“Estou muito preocupada pois a situação está muito má na Ucrânia, onde temos as nossas famílias, mãe, pais, miúdos, netos e é a nossa terra. Nós estamos em Portugal para as ajudar e esta situação de guerra, preocupa-nos muito”, confessa à reportagem da Renascença.
A família vive em Ternopil, uma cidade no Oeste da Ucrânia, a cerca de 400 quilómetros da capital, Kiev. Estão todos bem, mas em sobressalto e preparados para fugir se for mesmo necessário.
“Estão em casa e preocupados. Tem uma mala preparada, com roupa e documentos, se precisarem de fugir”, conta-nos.
Esta noite, Olga é uma de várias dezenas de ucranianos que se juntaram para rezar, numa celebração católica, mas do rito oriental bizantino (“Akathistos”), “para pedir a Deus que ajude a nossa terra e a nossa família e fique tudo bem”.
A iniciativa partiu do padre Ivan Hutz que tem duas irmãs na Ucrânia, mas desde 2002 que é pároco na arquidiocese de Évora, ao mesmo tempo que apoia e celebra para a comunidade ucraniana espalhada pelo Alentejo.
Do seu país natal chegaram-lhe relatos de medo, “um sentimento normal” para “um povo pacífico”, habituado a trabalhar e não a guerras. O dia 24 de fevereiro vai ficar para sempre marcado na sua memória.
“Para ser sincero, sinto-me vazio. Ligaram-me às três e meia da manhã a dizer que começou a guerra. Guerra? Sim, guerra, destruições e pânico, pois as pessoas não sabem o que se passa. E, para ser politicamente correto, digo apenas que o diabo começou a atacar”, começa por dizer.
Visivelmente abatido, o padre Ivan ainda se questionou sobre como poderia ser “mais útil”: se na Ucrânia, a lutar ao lado dos seus compatriotas ou em Portugal. “São pensamentos muito humanos”, desabafa, para logo depois reconhecer que a sua missão, neste momento, é confortar, através da fé, os corações esmagados pela dor de quem, por causa da distância, nada pode fazer pelos seus.
De resto, quem podia fazer alguma coisa, não o faz, deixa escapar o sacerdote, que demonstra um sentimento de verdadeira deceção para com os países ocidentais.
“Quando no centro da Europa se começa uma guerra brutal, porque uns vivem melhor que outros e não querem ser dependentes, nós ficamos sem máscaras ou pelo menos devíamos ficar sem máscaras”, menciona.
“Se hoje em dia, o mundo não vestir a pele dos ucranianos, amanhã este diabo fica aqui”, alerta o sacerdote.
“Temos apoio moral, todos nos dizem “estamos convosco”, vamos dar sanções e mais não sei o quê, mas depois começam a dividir-se, há interesses, há politiquices e acabam por dizer que, afinal, ainda não é a altura, vamos ver se ele se arrepende. Mas ele não se arrepende, não se arrepende”, acentua Ivan Hutz.
Apesar do desalento, os participantes nesta celebração levaram para casa palavras de esperança: “Somos cristãos e se Deus está connosco, quem pode estar contra nós?”, argumentou.
No Alentejo, repartidos pelas dioceses de Beja e Évora, há cerca de cinco mil ucranianos. O maior núcleo, cerca de 1.500, concentra-se na cidade de Évora.
Por estar ausente, D. Francisco Senra Coelho não participou na celebração, mas, em comunicado enviado à Renascença, reafirma que a arquidiocese de Évora “une-se ao Santo Padre, o Papa Francisco, à Conferência Episcopal Portuguesa, em comunhão com as Conferências Episcopais da Europa, numa condenação veemente à guerra na Ucrânia”.
O prelado propõe “a todas as pessoas, comunidades e instituições da Igreja” que se juntem “no dia 2 de março, quarta-feira de cinzas, na Igreja do Carmo, pelas 18h00, em Évora, para iniciarmos a Quaresma 2022, numa oração unânime pela paz na Ucrânia”.
Aos párocos é pedido que organizem, nesse dia, “uma celebração eucarística ou outro momento de oração”, fazendo também tudo o que estiver ao seu alcance para que as comunidades “rezem diariamente o Terço do Rosário, implorando a paz para a Ucrânia e para o mundo”.
A proposta do arcebispo passa ainda por um dia de jejum, “uma privação de alimentos”, para “criar em nós espaço para Deus, para a escuta da nossa consciência e dos outros e para os gritos que nos chegam da Terra e dos pobres”.
“Cheios de nós não necessitamos de Deus, nem de nos escutarmos, nem de ouvir os outros. Eis um caminho para a intolerância violenta e para a guerra”, lê-se na missiva.
“A guerra é louca, é cega e diabólica!”, escreve, ainda, D. Francisco Senra Coelho, acrescentando que “só no amor de Deus seremos capazes de reconstruir a paz” e pedindo a Nossa Senhora que “interceda por nós, nesta hora dramática de retrocesso civilizacional para a Europa e para o mundo”.