12 mar, 2022 - 08:30 • Henrique Cunha
Portugal já acolheu mais de cinco mil refugiados da guerra e a comunidade ucraniana em Portugal poderá duplicar, passando para mais de 60 mil.
A estimativa é feita em entrevista à Renascença pelo coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados, André Costa Jorge.
O também diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) defende a necessidade de haver "uma triagem das ofertas de emprego", de modo a que "o talento de quem chega seja aproveitado”, evitando erros como os cometidos em Odemira, que desaguaram em casos de manifesta exploração de trabalhadores.
André Costa Jorge nota que Portugal está a acolher sobretudo mulheres e crianças que vão exigir cuidados especiais, em particular o apoio escolar, e diz que a prioridade nesta altura passa pela “resposta às necessidades das pessoas que se encontram em fuga”.
Tem uma ideia de quantas pessoas já chegaram a Portugal oriundas da Ucrânia?
Segundo aquilo que vai sendo transmitido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e pelo Governo, neste momento aproxima-se das cinco mil pessoas. Serão, eventualmente, mais, porque é possível saber detalhadamente as pessoas que chegam por via aérea, mas é mais difícil contabilizar as que chegam por via terrestre. É bem provável que este número seja crescente.
Qual é a grande prioridade no apoio aos refugiados?
Há duas dimensões. A primeira é a dimensão dos refugiados que estão em trânsito e que estão em trânsito ainda dentro da Ucrânia e em direção à fronteira de países que fazem fronteira com a Ucrânia. Aí há uma resposta dada por estes países e por organizações que lá. O que pode feito pela sociedade civil portuguesa e pelo governo português é apoiar quem está no terreno e quem conhece melhor a realidade. Nós estamos a fazê-lo, através da rede do SJR e de outras organizações com quem trabalhamos há muitos anos e que estão no terreno.
No que diz respeito à segunda dimensão, que é a dimensão do acolhimento em Portugal, a articulação deve ser feita e o que estamos a fazer é no sentido de apoiarmos o acolhimento. Não só na vertente imediata, isto é, do acolhimento de emergência porque as pessoas chegam com muito pouca coisa, praticamente apenas com a roupa do corpo e pouco mais. O que estamos a fazer é mapear as situações de vulnerabilidade social, ajudar as pessoas no processo de transmissão dessa vulnerabilidade, apoiar necessidades especificais, com vista ao alojamento, mas também na segunda etapa, centrada nas pessoas que permanecerão em Portugal e que aqui desejam ficar.
Temos assistido à preocupação de um acolhimento digno, com o pensamento também na inserção destes refugiados no mercado de trabalho. O último número apontava para a existência de 18 mil ofertas de emprego e sabemos que as necessidades de mão-de-obra não se deverão ficar por aqui.
O que é que devemos fazer para que não voltarmos a cometer os erros de Odemira?
Essa preocupação deve estar sempre presente, naturalmente. Aquilo que temos feito no SJR é proceder uma triagem das ofertas e procuramos fazer uma adequação entre aquilo que é o perfil das pessoas que chegam e aquilo que são as ofertas de trabalho. O ideal é sempre que o talento seja aproveitado e que as pessoas possam trabalhar na área para a qual estão qualificadas. A nossa expetativa é que haja uma boa adequação entre a oferta de trabalho, as condições de trabalho e a mão-de-obra que ficará disponível. É preciso lembrar que o perfil que hoje estamos a acolher em Portugal são sobretudo mulheres e crianças.
O dr. António Vitorino disse, numa entrevista à Renascença, que esta guerra poderá levar a um número de deslocados da ordem dos cinco milhões. Podemos ter uma previsão do número de refugiados que possam vir para o nosso país?
Se nós tivermos em conta que existe uma comunidade de emigrantes ucranianos em Portugal estabelecida há muito tempo, na ordem das 30 mil pessoas... E são aqueles que estão identificados como tal, porque há cidadãos ucranianos que já são cidadãos portugueses e, provavelmente, já saíram dessa contagem. É bem provável que o número duplique. Isto, claro, sou eu a especular um pouco com base neste pensamento em que todos sabemos que as migrações se fazem muito também por atração. Havendo pessoas, havendo comunidade que acolha aqui da mesma língua, da mesma cultura isso favorece muito as chegadas de mais pessoas.