25 mar, 2022 - 06:00 • Teresa Paula Costa
O Papa Francisco celebra esta sexta-feira, às 17h00, no Vaticano, o Ato de Consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria. A celebração decorre em simultâneo, a partir das 16h00, no Santuário de Fátima, com a presença do cardeal Konrad Krajewski, esmoler pontifício.
Em entrevista à Renascença, o recém-empossado bispo da diocese de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, destaca que guerra é "uma barbárie contra tudo o mais elementar da Humanidade", pretendendo-se com este ato pedir "a presença de Deus nesta situação".
"Deus não entra com carros armados nos campos de batalha", aponta o prelado, sublinhando que se pretende "que os homens entendam a Sua voz e encontrem caminhos novos, de paz".
"A imagem de Maria, a mãe de Jesus, que também foi refugiada, perseguida e que esteve sempre ao lado do seu filho é a imagem de uma igreja que quer estar ao lado dos que sofrem as consequências negativas de uma história que se quer fazer e manipular", diz ainda D. José Ornelas.
Que importância tem este Ato de Consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria?
Antes de mais, é a continuação de uma das facetas da mensagem de Fátima, a propósito da situação vivida na altura das aparições. "Consagrar-se" significa pedir a presença de Deus nesta situação e, sobretudo, pedir pela paz. O facto de se juntar a Rússia e a Ucrânia na mesma oração pela paz significa, verdadeiramente, assumir que são os dois que estão neste momento em conflito, devido a uma posição claramente de invasão da Rússia. Por isso, é para os dois que se pede a bênção de Deus e uma visão diferente das coisas.
Querer impor aos outros a sua vontade estratégica à custa e em transgressão clara dos direitos internacionais, dos direitos humanos e do mais elementar humanismo, agredindo cidades inteiras e destruindo um país, é inaceitável. Não pode haver dúvidas sobre isto. Deus está sempre disposto a intervir, mas Ele não entra com carros armados nos campos de batalha, mas quer, sim, que os homens entendam a Sua voz e encontrem caminhos novos, de paz. Isto é uma barbárie contra tudo o mais elementar da Humanidade.
Sobretudo para quem não é crente, como se explica este momento?
Quem não é crente pode facilmente entender de outro modo: isto não é um direito simplesmente das maiorias. Os direitos humanos são direitos transversais. Os direitos políticos são direitos transversais. O direito à verdade e o direito ao respeito, à vida são para todos. Se alguém não é crente, há-de ser crente, no mínimo, na humanidade de cada um. Quando apelamos a Deus, apelamos precisamente a uma vontade e a uma realidade superior a nós, que nos une. Deus é aquele que, na sua figura paterna e de pai e criador, nos ensina a sermos irmãos.
É difícil falar de fraternidade se não temos um pai comum. O crente tem de ser uma pessoa que olha para o mundo como algo que está sob o olhar de Deus, sob o olhar paterno e compassivo de Deus e se sente mobilizado para ir ao encontro destas situações para repor legalidade e justiça, para repor paternidade e um comportamento diferente entre as pessoas.
Como bispo de Leiria-Fátima, como está a viver este momento?
Em conjunto com a Igreja toda e que se abra a toda a gente em todo o mundo, não só para esta situação, mas tantas outras de conflito e de destruição e desespero que a guerra coloca.
Há uma ligação entre os acontecimentos que estamos a viver e a própria mensagem de Fátima. Os cristãos ucranianos têm consciência disso?
A figura da Virgem Maria é muito querida em toda a tradição ortodoxa e cristã. Também em toda a Igreja, mas no oriente é particularmente acarinhada. Um dos ícones mais significativos é Maria mãe da ternura e, quando se passa por cima disto, da aflição de tantas mães neste momento a terem de deixar as suas casas, o seu país, deixar tudo para cuidar dos seus filhos, isto é uma imagem de que é inútil fazer figuras muito bonitas em termos espirituais quando depois se exerce a pior das operações e de terrorismo contra famílias deste jeito. Não pode ser.
A imagem de Maria, a mãe de Jesus, que também foi refugiada, perseguida e que esteve sempre ao lado do seu filho é a imagem de uma igreja que quer estar ao lado dos que sofrem as consequências negativas de uma história que se quer fazer e manipular.
Da população da Ucrânia o que se sabe é da afluência de pessoas e, para esta ocasião, apelamos à presença dos russos e ucranianos que desejem vir a Fátima. Todos os que vierem serão bem-vindos.
Relativamente à presença da imagem peregrina, já tem algum "feedback" da forma como as pessoas a receberam?
Tem havido muitas pessoas, dentro dos condicionalismos que a guerra impõe, mas é significativo que a imagem da Virgem esteja ali. Quando fui ordenado bispo em Setúbal, a imagem estava a chegar. Isso marcou-me muito. São sinais que se quer dar de promover a paz e o cuidar das vítimas de agressão.
A imagem pode ficar mais do que um mês?
Isso está a ser considerado, dentro da imponderabilidade que a situação política e militar apresenta. Mas essas coisas estão a ser tratadas diretamente com o Santuário.
Que mensagem gostaria de deixar?
Temos verificado não só aqui entre nós, mas em toda a Europa, no mundo inteiro, um grande movimento de solidariedade para com o povo da Ucrânia. Isso é algo de confortante no meio desta catástrofe e é expressão de algo que não se perdeu na humanidade, o sentido de justiça e de proximidade com quem é objeto de tamanha agressão, por isso mesmo a mim o importante é a continuação e persistência desta solidariedade, seja para com pessoas na Ucrânia seja para com as pessoas que são obrigadas a refugiarem-se noutros países e também aqui.
Neste sentido, estamos ativos e a procurar formas de colaborar. E é importante que haja articulação destas ajudas porque há um enquadramento legal importante e oficial de acesso a serviços públicos, que tem de ser acautelado.
É louvável a criatividade das pessoas a querem participar ativamente, mas não se privatize a ajuda em detrimento das pessoas que se quer ajudar.