28 mar, 2022 - 16:44 • Ângela Roque
O Papa Francisco começou a receber esta segunda-feira representantes dos povos indígenas canadianos. Duas delegações, uma dos Métis outra dos Inuit, acompanhadas por alguns bispos da Conferência Episcopal do Canadá, foram recebidas em audiências separadas na Biblioteca Apostólica, no Vaticano.
“Cada encontro durou cerca de uma hora e foi caraterizado pelo desejo do Papa de ouvir e dar espaço às dolorosas histórias trazidas pelos sobreviventes”, avança o comunicado de imprensa divulgado pelo Vaticano, que confirma que as reuniões irão prosseguir “nos próximos dias”. Está previsto que o Papa receba em audiência um terceiro grupo de representantes indígenas (o grupo ‘Primeiras Nações’), do realizando no final uma audiência para todos.
Ao todo estão no Vaticano 32 anciãos e jovens indígenas, num acontecimento que muitos consideram “histórico”. Nos encontros com o Papa está a falar-se do envolvimento da Igreja nas “escolas residenciais”, que funcionaram entre 1847 e 1996 no Canadá, para “reeducar” e converter as crianças indígenas, mas sempre à custa de abusos, num desrespeito total pela história e tradição dos povos autóctones, o que levou ao desaparecimento de algumas das suas línguas, da cultura e da sua espiritualidade.
Em 2020 a descoberta de uma vala comum numa dessas escolas - a Escola Residencial Indígena Kamloops, com 215 corpos - veio destapar um passado de crueldade naquelas instituições que foram financiadas pelo governo canadiano e administradas pela Igreja. A essa descoberta seguiram-se outras. Calcula-se que nestas escolas tenham morrido mais de 6000 crianças, pelas más condições em que viviam e pela forma violenta com que foram tratadas.
Em setembro de 2021 a Conferência Episcopal do Canadá publicou um “pedido inequívoco de desculpas”, sublinhando o seu “profundo remorso” pelo que se passou nos séculos XIX e XX. Em outubro, o Papa aceitou o convite dos bispos canadianos para visitar o país, mas a deslocação ainda não tem data marcada.
Os encontros que agora decorrem no Vaticano inserem-se no processo de “reconciliação” que começou a ser encetado com os povos indígenas. No dia 1 de abril, Francisco irá receber em audiência, na Sala Clementina, as várias delegações com quem se reuniu em separado, e a Conferência Episcopal do Canadá.
No final do encontro de hoje com o Papa, os representantes dos indígenas falaram aos jornalistas. O portal Vatican News cita Cassidy Caron, jovem presidente dos Métis, grupo que iniciou o "trabalho difícil, mas essencial" de ouvir e compreender as vítimas e suas famílias, e foi isso que hoje transmitiram ao Papa.
Cassidy começou por lembrar o “número incalculável de pessoas” que morreram “sem que a sua verdade jamais tivesse sido ouvida e a sua dor reconhecida”. Mas, acrescentou: “nunca é tarde demais para fazer a coisa certa”.
“Estamos orgulhosos de estar aqui, junto com os Inuit e as Primeiras Nações. Temos orgulho da nossa história e cultura”, garantiu, sublinhando que o Papa ouviu atentamente tudo o que transmitiram. “Senti dor nas suas reações quando se tratava de crianças. Os sobreviventes fizeram um trabalho incrível ao contar suas verdades. Foram muito corajosos”.
O Vatican News cita, ainda, o testemunho de Angie Crerar, de 85 anos, que falou ao Papa dos mais de dez anos que passou com as irmãs numa escola residencial, por volta de 1947. “Perdemos tudo, tudo, menos a língua. Levei mais de 45 anos para recuperar o que perdi”, contou. Esta idosa referiu, no entanto, que não quer ser “esmagada” pelas lembranças do passado. E falou do abraço que recebeu do Papa, "a pessoa mais dócil e gentil” que já conheceu. Um “amigo”.