03 abr, 2022 - 14:48 • Henrique Cunha
Esta linha de investigação vai debruçar-se sobre o contributo da sociedade civil no fomento da paz. O primeiro projeto tem a Região de Cabo Delgado como alvo da investigação.
Em entrevista à Renascença, Monica Dias, Professora Associada e Coordenadora do Programa de Doutoramento no Instituto de Estudos Políticos (IEP) da Universidade Católica Portuguesa, explica a iniciativa e revela algumas das estratégias “para uma paz mais sustentável”.
De acordo com a informação disponibilizada à Renascença pela coordenadora da iniciativa “esta linha de investigação vai debruçar-se sobre o contributo da sociedade civil no fomento da paz - mas também inversamente, sobre a importância de uma paz justa para o desenvolvimento e a consolidação de uma sociedade civil livre e plural. Sobretudo num tempo de novas conflitualidades e de ameaças às sociedades abertas, é importante analisar e pensar estratégias para uma paz mais sustentável, quer no quadro das missões de peacekeeping e peacebuilding da ONU, quer noutras iniciativas em situação de conflito e pós-conflito”.
Neste contexto, o trabalho terá um foco particular na “nossa análise e investigação particularmente na dinâmica das iniciativas locais e muito concretas no terreno (mas com ligação a redes nacionais e internacionais), a partir da qual será possível estudar e debater, assim, diversas estratégias para uma paz sustentável na complexa ordem mundial do início do século XXI”.
Como surgiu a ideia de que avançar esta investigação?
Nós temos uma linha de investigação no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica precisamente sobre Estudos de Paz e Democracia. E o nosso objetivo é entender a importância de uma paz justa para o desenvolvimento e a consolidação de uma sociedade civil livre, plural, mas também perceber qual é o contributo de uma sociedade civil no fomento da paz. E, portanto,
queremos olhar precisamente para as condições de construção da paz, da consolidação da paz e antes disso da transição para a paz.
Tem uma data para a construção do edifício, entenda-se a conclusão dos trabalhos. E já agora a escolha do Cabo Delgado decorre do sentimento de proximidade ou de um momento de guerra que também a região ainda vive?
Cabo Delgado é precisamente o primeiro projeto local. Temos colegas que trabalham por exemplo mais na área das instituições, outros na área dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, outros na condição das mulheres. Isto é um nível mais geral e agora juntamos todos os nossos esforços e conhecimentos e olhamos concretamente para Cabo Delgado com dois grandes objetivos: Primeiro para estudar as condições neste território porque é que a paz não funciona, o que é que falta, quais são as condições porque é que surge o conflito? E por outro lado também numa tentativa de auxiliar estas populações, de pensarmos o que é que nós podemos fazer em concreto.
Cabo Delgado é para nós muito especial porque temos uma ligação histórica a Cabo Delgado, mas também temos muitos laços de afinidades. Temos laços de afinidade da nossa Universidade que é a Universidade Católica Portuguesa e temos muitos projetos de colaboração com a Universidade Católica de Moçambique e, pois, obviamente temos contacto com muitas pessoais que estão a trabalhar em projetos justamente para ajudar as populações de Cabo Delgado para acorrer a esta missão que surgiu destes ataques terroristas de facto inaudíveis, com todas as consequências, bem visíveis nos campos de refugiados, etc. Portanto temos obviamente esta ligação e que passa sempre obviamente também pela ação da Igreja Católica que muitas vezes não é conhecida, mas que tem em Cabo Delgado um trabalho excecional e incansável.
E serão interlocutores privilegiados para o vosso trabalho?
Sim, através da Cáritas mas também através de muitas organizações como por exemplo a Helpo, ou outras instituições e também órgãos de instituições públicas portuguesas, do Governo português através do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Como é que julga que irá ser possível essa ajuda porque o grande objetivo é ajudar aquela população muito fragilizada?
Em primeiro lugar queremos produzir ciência, queremos precisamente trazer a Lisboa uma conferência com vários protagonistas, várias pessoas que testemunharam e conhecem a situação no terreno. Portanto, queremos falar e publicar os resultados desta conferência num livro para que possamos dar a conhecer o que realmente aconteceu e também apontar para pontes verdadeiras que possam fazer e ser solução para este conflito. Portanto, um projeto de esperança ligado à ciência e à publicação porque é isso que fazemos na Universidade e é isso que sabemos fazer melhor. Por outro lado, também ajuda a chamar a atenção para quem está no terreno a fazer o apoio nomeadamente nos centros de refugiados, e por fim dar apoio concreto na formação. Tentar concretizar um curso de formação em Cabo Delgado para que precisamente por exemplo grupos de mulheres possam voltar a estudar não só a estudar ao nível da escola primária que é importante, mas também ligados ao ensino profissional, à construção de pequenas empresas, ao desenvolvimento da área em que trabalham e que mais impulsiona todo este território de Cabo Delgado.
E tem datas, prazos para a execução desses trabalhos?
Temos. Primeiro começamos com a parte científica que conta já com colaboradores também no terreno que estão connosco e dão o seu contributo científico.
Vamos ter no Estoril political fórum que se realiza já nos últimos dias de junho - dia 27 ao dia 29 de junho- vamos ter o curso de verão do nosso Instituto de Estudos Políticos que é a conferência anual que é o Estoril Political Fórum. Aí vamos ter um primeiro painel com protagonistas também de Cabo Delgado e investigadores nossos, jornalistas que vão precisamente falar sobre esta questão da possibilidade de paz e de novas estratégias para a paz em Cabo Delgado. A partir daí partimos para uma publicação e simultaneamente estamos já no terreno a tentar auxiliar e perceber, fazer levantamento no terreno das possibilidades de construção de um curso de formação em Cabo Delgado.
O objetivo é também transportar o vosso trabalho para o momento presente e para aquilo que nos absorve diariamente que é a guerra na Ucrânia?
Sim é esse o nosso objetivo. Dizia a Madre Teresa de Calcutá que a paz começa com um sorriso e parece-me que há algo de universal nesta expressão que parece tão simples e nada profunda. Na verdade, há uma enorme profundidade nesta expressão simples. Há muita sabedoria e também muita experiência nesta sabedoria. O que eu quero dizer com isto é que as condições de construção da paz são universais. A tentativa de conciliar, de criar pontes de reconstrução sobretudo em terrenos pós conflitos são sempre os mesmos; os grandes pilares da construção da paz.
Agora obviamente que cada localidade, cada cultura, cada história tem condições depois muito próprias da paz, mas também essas são estudadas e obviamente que iremos também olhar para a Ucrânia. Vai ser um trabalho muito longo, mas recordo que a paz ainda está muito longe aqui uma vez que a guerra nem sequer terminou.
Temos neste momento negociações para a paz, mas este processo é longo. Temos que nos preparar ainda para muitos meses de conflito e de facto a construção da paz faz-se através das negociações e da diplomacia e de ajuda já durante a guerra. Mas de facto o verdadeiro trabalho começa depois das armas todas não só se terem calado, mas também de terem sido recolhidas. E aí sim começa depois o trabalho verdadeiro da Paz que será ainda mais longo porque na verdade nunca teve fim.