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Entrevista Renascença

Jesuíta Hans Zollner. “Igreja tem a responsabilidade de enfrentar o passado com tudo o que aconteceu”

10 mai, 2022 - 07:08 • Aura Miguel

É um dos maiores especialistas no campo da proteção contra o abuso sexual, especialmente na Igreja Católica. Membro da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores desde a sua criação, em 2014, e nomeado pelo Papa para presidente do Centro de Proteção de Menores, o jesuíta Hans Zollner vem em Portugal e falou com a Renascença.

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Convidado pela Comissão Independente para o Estudos dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja, Hans Zollner participa na conferência sobre o tema, que se realiza na Fundação Gulbenkian nesta terça-feira. Em entrevista à Renascença, antecipa-nos o que vem dizer.

“A minha mensagem central é dizer que, enquanto Igreja Católica, temos a responsabilidade de enfrentar o passado com tudo o que aconteceu em termos de abuso e de encobrimento de abuso. Falo de abuso sexual de menores, mas falo também de outros tipos de abuso como o físico ou o abuso espiritual, não só contra crianças ou adolescentes, mas também contra pessoas vulneráveis ou pessoas em risco”, afirma.

“E temos toda a responsabilidade para que hoje, partindo da experiência das vítimas de abuso, façamos tudo o que é possível para deter o abuso dentro da Igreja e dentro das nossas instituições e também na sociedade”, acrescenta.

O presidente do Centro de Proteção de Menores elogia a iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa e lembra que “muitas vítimas não querem falar”. Para Hans Zollner, a Igreja tem de enfrentar o passado e responder às vítimas com “respeito, acolhimento e caridade”. E perceber que cada vítima é especial.

A sua missão é acompanhar este problema em todo o universo da Igreja Católica. Concretamente, como é que vê o trabalho desta comissão independente e o trabalho dos bispos em Portugal?

Vou agora saber o que têm estado a fazer. Estou contente com o convite, tenho falado várias vezes com o Pedro Strecht e também com outros membros da comissão, via internet. Penso que os bispos, a Conferência Episcopal foi corajosa, portanto, admiro este passo que deram ao criar esta comissão e também em deixá-la trabalhar de forma independente, porque só assim se pode assegurar a credibilidade dos resultados.

E quanto às feridas do passado?

Quanto ao resto, devemos enfrentar com coragem e humildade o que não correu bem nas últimas décadas; devemos pedir perdão onde for possível e necessário e também devemos melhorar a nossa resposta.

Esteve em Portugal há um ano. Nessa altura, os casos ainda eram poucos, mas à medida que se abriram as investigações, aumentaram. Acontece o mesmo nos outros países?

Sim. É um dos fenómenos mais frequentes. Quando a sociedade e a Igreja se dão conta do que aconteceu e da necessidade de pôr o assunto em cima da mesa, quando há menos tabu e menos vergonha por parte das vítimas em falar disso, incluindo por parte das próprias famílias das vítimas e das instituições onde se deram os abusos, obviamente, aumenta o número dos que querem comunicar o que lhes aconteceu.

No entanto, estamos conscientes de que muitas vítimas não querem falar, nunca, do abuso sofrido e nunca farão qualquer denúncia junto da Igreja, nem junto do Estado, porque encontraram o seu modo de viver com esta ferida, uns melhores que outros.

Mas o ponto é que, em todos os países, a capacidade e a disponibilidade de falar sobre este tema aumentou ao longo dos anos. É o que temos visto não só em Portugal, mas também noutros países.

Que papel deve ter a Igreja no acompanhamento das vítimas? No fundo, a sua ação verifica-se em duas frentes: acolher as denúncias e acompanhar as vítimas.

A atitude deve ser de respeito, de acolhimento e de caridade. Não de forma paternalista, mas como um verdadeiro encontro com pessoas que devem ser respeitadas na sua dignidade e na sua dignidade ferida.

A Igreja deve reconhecer que, através de sacerdotes ou de outros funcionários, leigos ou leigas, religiosos ou religiosas, foram cometidos graves crimes. Por isso, estas pessoas devem ser acolhidas e acompanhadas e é importante perceber que cada pessoa ferida, cada vítima tem exigências próprias. Não há uma vítima igual a outra.

Não é possível homologá-las…

Sim, portanto, temos de as escutar. Para algumas vítimas, basta um encontro para se sentirem escutadas. Outras, pedem um acompanhamento durante muito tempo, do tipo psicológico ou espiritual. Por isso, os encarregados do acolhimento das vítimas devem ter este cuidado, deve ficar claro para as vítimas sentirem-se acolhidas e devem ser acompanhadas segundo as expectativas justas das pessoas feridas.

Trabalha diretamente com o Papa Francisco sobre este assunto. Falou com ele sobre os abusos na Igreja em Portugal? No “ranking” dos países, qual é a nossa classificação?

Claro que o Papa se interessa muito sobre esta questão. Ele tem presente a situação em Portugal, tal como em Espanha e em Itália, países onde, nos últimos meses, tem havido movimentações sobre esta questão. Não posso fazer nenhum “ranking”, porque não sou a pessoa competente para um elenco deste tipo.

Posso, sim, dizer que este é e tem sido um dos assuntos que o Papa desencadeou ao longo do seu pontificado, sobretudo, nos últimos oito anos, desde a criação da comissão pontifícia para a tutela de menores e depois na alteração de algumas leis. É um percurso contínuo, que pode levar anos e que não está concluído, como diz o próprio Papa.

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