24 mai, 2022 - 20:54 • Rosário Silva
Os constantes desafios que se colocam à comunicação social nos dias de hoje, levaram, esta terça-feira, o arcebispo de Évora a frisar a importância da credibilidade enquanto “arma” essencial, para restaurar a confiança que se tem vindo a perder nalguma opinião pública.
“A credibilidade é uma arma muito importante para o sucesso empresarial da comunicação social e sem credibilidade, esta esvazia-se e perde o seu espaço na sociedade”, referiu, D. Francisco Senra Coelho, no decorrer da apresentação da mensagem do Papa, para o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais (DMCS), que se celebra a 29 de maio.
“Escutar com o ouvido do coração” é o titulo da mensagem do Santo Padre que alerta para o facto de se estar “a perder a capacidade de ouvir a pessoa que temos à nossa frente”, quando a escuta é, precisamente, “o primeiro e indispensável ingrediente do diálogo e da boa comunicação”.
“A escuta é uma virtude, exige trabalho, resiliência, prática, pois não é espontânea”, lembra o arcebispo, para sublinhar que a pandemia, por exemplo, tornou mais evidente a importância dos meios de comunicação social, neste processo de “escutar a sociedade”.
“Gerou-se uma grande desconfiança, pelo excesso de informação, pelas noticias incorretas ou falsas que inundaram as redes sociais, o que levou ao descrédito e desprestigio de alguma comunicação social”, apesar, ressalva o prelado, “do papel fundamental de informação” que os ‘media’ tiveram durante o confinamento.
No encontro com os jornalistas, D. Francisco destacou também a parte da mensagem que o Papa dedica ao complexo problema que é a “realidade das migrações forçadas”, incentivando os jornalistas a contar a história destas pessoas.
“Neste momento vivemos um contexto muito doloroso. Ontem mesmo, a ONU comunicou que chegamos a 100 milhões de refugiados, uma população equivalente à quarta população mundial que é o Egipto. Isto faz pensar”, apontou.
A comunicação social tem um papel essencial para ajudar a “superar os preconceitos acerca dos migrantes”, mesmo tendo consciência “que não é um assunto fácil”, “mas é algo que deve estar sobre a mesa para que a sociedade amadureça e não permitamos que aconteça o gesto covarde de fechar os olhos”, salientou o arcebispo.
Para D. Francisco Senra Coelho, é preciso aprender a “ouvir o outro, tentar perceber o seu angulo de vista, falar com verdade”, pois só “com a verdade se pode construir a riqueza da diferença, algo de novo e que seja capaz de ir ao encontro do mundo que espera verdade, transparência e acolhimento”.
A guerra na Ucrânia foi também ponto de reflexão neste encontro, tanto mais que colocou aos meios de comunicação novos desafios.
Fazendo uso do ditado popular “Em tempo de guerra, mentira como terra”, o arcebispo de Évora reconhece a importância dos ‘media’ na “nobre missão” de informar, mas destaca alguns aspetos menos positivos.
“Primeiro, há imagens, realidades que fazem parte da crueldade de uma guerra que sendo repetidas à exaustão, quase obsessivamente, faz com que entremos numa dimensão de mentalização. A repetição faz a mentalização e a certa altura já não temos defesas, a nossa capacidade critica perde a sua reação e absorvemos pacificamente”, diz.
Mas, se na base dessa imagem, “estiver um critério ideológico, uma intencionalidade”, então “há uma manipulação da opinião publica, para a levar para um determinado angulo que previamente se pretende”, acrescenta, dizendo-se preocupado com esta situação.
Um outro aspeto, prende-se com o que se pode chamar de banalização da vida.
“Ficamos tão habituados a ver matar, destruir, com uma crueldade aberrante, que a certa altura se perde a capacidade do horror, passa a ser tudo normal. Há uma desinformação neste ato e percebemos quão deturpada sai a valorização da pessoa humana. É uma espécie de filme de horror que passa, mas que é verdade e não é ficção”, menciona.
Preocupante é também o ter-se chegado ao ponto “de não saber o que é verdade”, dada a manipulação que existe.
“Estamos aqui, exatamente, a bater no fundo daquilo que é a dignidade da comunicação social, a sua isenção que gera, de facto, a sua dignificação. Isenção não quer dizer que a pessoa que está a produzir a noticia não tem o seu pensamento próprio, mas aquilo que ele procura no momento é a objetividade e isso tornou-se difícil para o jornalista”, lembra.
Ter como ponto de partida “a desconfiança e não a confiança” é, para o responsável máximo da arquidiocese, “mau para a própria paz, porque fragiliza”.
“A certa altura”, prossegue, “a opinião publica que se sente manipulada, defende-se, evitando o noticiário, não querendo ler os jornais e corta radicalmente, o que é muito grave, pois a opinião publica é fundamental para se fazer a paz”.
D. Francisco Senra Coelho considera que é preciso estarmos “centrados” na Ucrânia, mas pede para que não se esqueçam outros focos de violência no mundo.
“Ao mesmo tempo que está a acontecer a guerra na Ucrânia, estão a chegar gritos de Cabo Delgado, de Moçambique. continuamos com problemas na Etiópia, com problemas muito sérios na Síria, o Daesch continua a fazer ameaças, e isto passa tudo para um plano de esquecimento. Nós chegamos ao ponto de perguntar, se quando se colocam os holofotes todos num aspeto que vende, e a monstruosidade chama a atenção, se não se está a contribuir também para o esquecimento de outra realidades”, questiona.
“Só uma comunicação social credível vai resistir aos tempos, sempre com nome e qualidade”, conclui o arcebispo de Évora.