26 jul, 2022 - 00:58 • Ângela Roque , Aura Miguel (no Canadá)
A segunda paragem da visita do Papa ao Canadá foi a uma comunidade paroquial onde, nas palavras de Francisco, se pratica a inclusão, sem imposições e com respeito por todos. É a igreja do Sagrado Coração, em Edmonton, onde foi recebido em festa.
O Papa afirmou-se “feliz” por “rever os rostos de vários representantes indígenas” que há poucos meses o visitaram, no Vaticano, para o informar como foram oprimidos e mal tratados durante décadas, e no qual concluíram que o “processo de cura” requer “gestos concretos”.
“Alegra-me ver que nesta paróquia - para onde confluem pessoas das diferentes comunidades das Firts Nations, dos Métis e dos Inuit, juntamente com população não indígena da localidade e diversos irmãos e irmãs imigrantes - tal trabalho já começou. Eis uma casa para todos, aberta e inclusiva como deve ser a Igreja”, sublinhou Francisco.
“Não devemos esquecer que, também na Igreja, o joio se mistura com o trigo bom. Foi precisamente por causa desse joio que desejei fazer esta peregrinação penitencial e iniciá-la, esta manhã, recordando o mal sofrido pelas populações indígenas, da parte de tantos cristãos, e pedindo perdão”, reafirmou o Papa.
“Custa-me pensar que alguns católicos tenham contribuído para as políticas de assimilação que transmitiram um sentido de inferioridade, despojando comunidades e pessoas das suas identidades culturais e espirituais, cortando as suas raízes e alimentando atitudes preconceituosas e discriminatórias”, e que isso tenha acontecido “em nome de uma educação que se supunha cristã”, lamentou.
No primeiro encontro com as comunidades indígenas,(...)
Francisco fez um parêntesis no discurso para, de improviso, agradecer o empenho dos bispos do Canadá para que esta visita se concretizasse. “Quero agradecer, de modo especial, o trabalho que fizeram para garantir que podia vir aqui. Uma conferencia episcopal unida tem gestos grandes que dão muitos frutos". E aproveitou o encontro para falar da reconciliação que é necessária para sarar as “feridas dolorosas” do passado.
“Aqueles que sofreram tremendamente por causa de homens e mulheres que deviam dar testemunho de vida cristã, imagino a dificuldade que podem sentir em qualquer perspetiva de reconciliação”, mas, sublinhou, “é necessário recomeçar”.
“Se queremos reconciliar-nos entre nós e dentro de nós, reconciliar-nos com o passado, com as injustiças sofridas e a memória ferida, com vicissitudes traumatizantes que nenhuma consolação humana pode curar, há que elevar o olhar para Jesus crucificado”. Uma ajuda concreta que nunca poderá ser imposta, como já aconteceu no passado, quando tantos “impuseram o seu modelo cultural”.
“Parecer-nos-ia mais conveniente inculcar Deus nas pessoas, do que permitir que as pessoas se aproximem de Deus. Isto, porém, nunca funciona, porque o Senhor não age assim: não força, não sufoca, nem oprime; pelo contrário, sempre ama, liberta e deixa livres”.
“Não se pode anunciar Deus de modo contrário a Deus. E todavia, quantas vezes sucedeu na história! Enquanto Deus se limita humildemente a propor-Se, nós temos sempre a tentação de O impor e de nos impormos em seu nome”, afirmou, deixando um pedido: “que não se volte mais a proceder assim na Igreja. Que Jesus seja anunciado como Ele deseja, na liberdade e na caridade”.
O Papa lembrou que a Igreja é a casa onde todos se reúnem “para recomeçar e crescer juntos”, e que “este é o caminho: não decidir pelos outros, não encaixar todos dentro de esquemas pré-estabelecidos”, mas "colocar-se diante do Crucificado e dos irmãos para aprender a caminhar juntos. Isto é a Igreja, e assim deve ser: não um conjunto de ideias e preceitos a incutir nas pessoas, mas uma casa acolhedora para todos!”.
"Oxalá seja assim sempre. E ouvimos aqui os nossos irmãos dizerem que este é um templo com as portas sempre abertas, onde todos nós, templos vivos do Espírito, nos encontramos, servimos e nos reconciliamos", concluiu.
A partir de hoje e até sexta-feira, o Papa Francis(...)
O Papa foi recebido em festa na igreja do Sagrado Coração, em Edmonton, com cânticos tradicionais indígenas. O discurso de boas-vindas foi feito pelo pároco e por dois membros do conselho paroquial, que destacaram o pioneirismo desta comunidade no acolhimento e na ajuda aos mais carenciados.
Bill Perdue, presidente do comité financeiro desta paróquia católica indígena, lembrou que desde que foi construída, em 1913, ali foram acolhidos imigrantes de todo o mundo. “Italianos, portugueses, espanhóis, croatas e, mais recentemente, eritreus”, contou. Uma paróquia etnicamente diversificada, e onde “somos pobres em finanças, mas ricos na fé católica e na prática da misericórdia”, sublinhou.
Candida Shepherd, do conselho paroquial, afirmou que aquela é uma igreja onde tentam viver como “discípulos de Cristo”, ao serviço dos que mais sofrem, e onde ajudam os sobreviventes das chamadas ‘escolas residenciais’ a ultrapassarem os traumas, a reconciliarem-se e a preservarem e revitalizarem a língua, a arte e a música indígenas.
Aquela responsável agradeceu a visita do Papa, que considera vai reforçar a luta que têm tido em defesa dos direitos das crianças em ter família e a poderem manter a sua cultura “seja ou não indígena”.