14 set, 2022 - 06:20 • Aura Miguel, enviada especial ao Cazaquistão , enviada ao Cazaquistão, com André Rodrigues
O Papa Francisco renovou o pedido para que a Humanidade se empenhe na busca da paz, não através das armas ou das ameaças, mas "com os únicos meios abençoados pelo Céu e dignos do homem: o encontro, o diálogo, as negociações pacientes, que se levam por diante a pensar particularmente nas crianças e nas jovens gerações” que encarnam a esperança de uma paz que seja promovida através da educação.
“Invistamos, por favor, nisto! Não nos armamentos, mas na instrução”, apelou o Papa no discurso que proferiu esta quarta-feira, na abertura do 7.º Congresso de Líderes Religiosos Mundiais e Tradicionais, no Palácio da Independência, em Nursultan.
Francisco lembrou que não há justificação para a violência, muito menos por razões religiosas: “Não permitamos que o sagrado seja instrumentalizado por aquilo que é profano. O sagrado não seja suporte do poder e o poder não se valha de suportes de sacralidade! Deus é paz, e sempre conduz à paz, nunca à guerra”.
Este congresso, que se realiza a cada três anos, foi inspirado na visita de João Paulo II ao Cazaquistão, em setembro de 2001, poucos dias depois do ataque às torres gémeas de Nova Iorque. Vinte e um anos depois, Francisco regressou à memória dos trágicos atentados e pediu às lideranças religiosas que se libertem do que classificou como “conceções redutoras e ruinosas que ofendem o nome de Deus com rigidez, extremismos e fundamentalismos, e o profanam por meio do ódio, do fanatismo e do terrorismo, desfigurando inclusive a imagem do homem”.
Perante mais de 100 delegações de líderes religiosos de 60 países, reunidas para dialogar sobre o papel das religiões no desenvolvimento espiritual e social da humanidade após a pandemia, Francisco classificou a liberdade religiosa como “um direito fundamental, primário e inalienável, que é preciso promover em todos os lugares e que não se pode limitar apenas à liberdade de culto”.
Para o Papa, o desprezo pela religião por parte de alguns estados, e que está documentado nos livros de História, é algo que deve pertencer ao passado.
“As religiões não são problema, mas parte da solução para uma convivência mais harmoniosa. Precisamos da religião para responder à sede de paz do mundo e à sede de infinito que habita o coração de cada homem. Por isso, condição essencial para um desenvolvimento verdadeiramente humano e integral é a liberdade religiosa”, lembrou Francisco.
No seu discurso, o Papa propôs, ainda, a fraternidade por oposição aos egoísmos: “só crescemos com os outros e graças aos outros”. E, logo de seguida, recordou o Cazaquistão como ponto de passagem e de encontro de povos e de culturas, onde, ao longo dos tempos, se entrelaçaram histórias, ideias, crenças e esperanças.
“Possa o Cazaquistão continuar a ser uma terra de encontro entre quem está distante. Possa abrir uma nova rota de encontro, centrada sobre as relações humanas: no respeito, na honestidade do diálogo, no valor imprescindível de cada um, na colaboração; uma rota fraterna para caminhar juntos rumo à paz”, exortou.
Para o Papa Francisco, a pandemia é um dos grandes desafios globais que convoca as religiões.
“A Covid-19 colocou-nos a todos no mesmo plano”, sublinhou Francisco que, contudo, avisou que “agora não podemos delapidar aquela necessidade de solidariedade que sentíamos, prosseguindo como se nada tivesse acontecido, sem nos deixarmos interpelar pela exigência de enfrentar juntos as urgências que a todos dizem respeito. A isto, não devem ficar indiferentes as religiões: são chamadas a estar na vanguarda, a ser promotoras de unidade face às provas que arriscam a família humana a dividir-se ainda mais”.
No contexto pós-pandémico, o Papa lembrou ainda que o cuidado dos crentes só será pleno se começar na “escuta dos mais vulneráveis”, dando “voz aos mais frágeis”, fazendo “eco de uma solidariedade global que diga respeito em primeiro lugar a eles, aos pobres, aos necessitados que mais sofreram com a pandemia, tendo esta posto prepotentemente a descoberto a iniquidade das desigualdades no planeta”.
Exemplo disso, prosseguiu Francisco, é a desigualdade no acesso às vacinas: “O maior fator de risco do nosso tempo continua a ser a pobreza”, concluiu.
Associada à pobreza, a problemática dos migrantes e dos refugiados também mereceu a atenção do Papa.
Francisco desafiou todos os representantes religiosos para que promovam o “acolhimento fraterno” por oposição à “grande fadiga para aceitar o ser humano”.
O Papa lembrou que “todos os dias são descartados nascituros e crianças, migrantes e idosos. Muitos irmãos e irmãs morrem sacrificados no altar do lucro” perante a indiferença da sociedade.
Perante o êxodo de zonas do globo mais desfavorecidas para lugares com promessas de uma vida melhor, Francisco pede “soluções partilhadas e clarividentes”.
“É mais fácil suspeitar do estrangeiro, acusá-lo e condená-lo do que conhecê-lo e compreendê-lo. Mas é nosso dever lembrar que o Criador, que vela sobre os passos cada criatura, nos exorta a ter um olhar semelhante ao d’Ele, um olhar que reconheça o rosto do irmão”. A língua cazaque convida a este olhar acolhedor: nela, o termo ‘amar’ significa, literalmente, ter um olhar bom sobre alguém”, rematou.
Francisco falou, ainda, do desafio de se preservar a natureza - o cuidar da Casa Comum -, perante a inevitabilidade das alterações climáticas. "É preciso protegê-la, para que não fique sujeita às lógicas do lucro, mas seja preservada para as gerações futuras, em louvor do Criador”.
Após este discurso na abertura do 7.º Congresso de Líderes Religiosos Mundiais e Tradicionais, esta quarta-feira a agenda do Papa inclui, ainda, encontros privados com líderes religiosos, no Palácio da Independência, em Nursultan.
Ao final da manhã, em Portugal – 16h45 no Cazaquistão – Francisco vai celebrar uma missa na Praça Expo.