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Entrevista

Oito jesuítas suspeitos de abusos. "Não é possível apurar o número de vítimas"

26 set, 2022 - 15:56 • Ana Catarina André

Sofia Marques, coordenadora do Serviço de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis da Companhia de Jesus, diz que há pouca informação sobre os casos. "Em alguns, não temos sequer conhecimento de quem são as vítimas. Noutros, não sabemos quem são os suspeitos."

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Oito jesuítas, todos já falecidos, são suspeitos de terem cometido abusos sexuais contra crianças e jovens, nos últimos 70 anos. De acordo com o levantamento, feito pela própria Companhia de Jesus, o caso mais recente remonta à década de 1990.

Os dados, referentes ao período entre 1950 e 2022, foram enviados no início de setembro à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Estudo dos abusos Sexuais Contra as crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.

Em entrevista à Renascença, Sofia Marques, Coordenadora do Serviço de Proteção e Cuidado de menores e adultos vulneráveis da Companhia de Jesus, sublinha o pedido de perdão às vítimas. Adianta que nenhuma das situações levou à abertura de processos civis ou canónicos e explica que “tendo como objetivo a verdade e transparência, decidimos dar este passo de reconhecimento público".

A Companhia de Jesus divulgou que, entre 1950 e 2022, oito jesuítas, todos já falecidos, terão cometido abusos sexuais contra menores em instituições e organizações da companhia. Que dados dispõem sobre os casos?

Do que temos conhecimento e do que conseguimos apurar, através de contactos diretos ou indiretos de vítimas ao Serviço de Escuta, as situações desconhecidas não deixam de ser relativamente pontuais, com poucas informações. Pesquisámos informação desde 1950 até à data.

A situação mais recente corresponde ao final dos anos 1980, início dos anos 1990. De facto, a informação que temos é pouca. Em alguns casos, não temos sequer conhecimento de quem são as vítimas. Noutros, não sabemos quem são os suspeitos. Mas conseguimos apurar, e podemos hoje reconhecer que houve seguramente abusos no âmbito da Companhia de Jesus.

De quantas vítimas estamos a falar?

O que tivemos conhecimento corresponde a oito suspeitos jesuítas, todos eles já falecidos, e alguns já há bastante tempo. Não é possível apurar o número de vítimas, porque em algumas situações o relato refere-se a contactos individuais, e nesses não conseguimos garantir, de forma séria, se houve ou não repetição destas mesmas condutas.

Noutras situações que ocorreram em contexto mais coletivo, mais de grupo, nomeadamente em contexto escolar, temos informação que poderá, de facto, ter havido mais vítimas, mas o conhecimento e as denúncias que chegaram até nós foram pontuais. Se há um abuso descrito em contexto de grupo, em que uma vítima reconhece e identifica outras possíveis vítimas, embora sem nomes e sem identificação, admitimos que esses abusos possam ter ocorrido em maior escala. Portanto, não conseguimos quantificar o número de casos.

Que informação apuraram sobre o caso mais recente que ocorreu na década de 1990?

A única coisa que podemos adiantar é que, na situação mais recente, como em todas as outras, o suspeito também já estava falecido. De resto, não sabemos grandes detalhes. Os casos eram descritos de forma muito genérica. Mesmo o conceito de abuso sexual não era o mesmo há 30, 40 ou 50 anos. Em muitos casos não temos conhecimento sobre quais foram os factos praticados. Uma vítima, independentemente da forma do abuso, merece da nossa parte a mesma credibilidade e reconhecimento.

Como é transmitido no comunicado [que a Companhia de Jesus divulgou esta segunda-feira], as informações que apurámos foram enviadas ao Grupo de Investigação Histórica, da Comissão Independente [para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica], para a elaboração do estudo que está a ser feito. Esta é a informação que temos até hoje. Nas fases seguintes, podemos vir a ter conhecimento de mais alguma situação que tenha sido reportada à Comissão Independente. Aí poderemos fazer de novo uma atualização da informação.

Estes dados agora reunidos foram também enviados ao Ministério Público?

Não enviámos nenhuma informação ao Ministério Público, porque não temos suspeitos vivos. Perante suspeitos falecidos, não há nenhuma razão que legitime o envio desta informação ao Ministério Público. São situações muito antigas. De facto, em termos criminais, todas estarão prescritas. Para efeitos de estudo, foi-nos solicitada esta informação, através do Grupo de Investigação Histórica, da Comissão Independente.

Uma informação que estava a ser já recolhida há algum tempo, para podermos fazer este trabalho interno de pesquisa dos nossos arquivos e recolha da informação. [Esses dados] foram tratados e integraram uma grelha de análise que nos foi pedido pela Comissão Independente. Enviamos [esse material] há duas semanas e, tendo como objetivo a verdade e transparência, decidimos dar este passo de reconhecimento público.

Algum destes casos terá motivado, na época em que ocorreram, a instauração de processos civis ou canónicos?

Das situações que tivemos conhecimento, não houve processos canónicos instaurados. Na maior parte, não houve sequer queixa à data dos factos. Estamos a ter conhecimento [das mesmas] agora. Outras foram denunciadas muitos anos depois. Em algumas, houve atuação interna, medidas de imediata suspensão do exercício dos vários ministérios, mas não houve abertura de processos canónicos. Estamos a falar de situações dos anos 50, 60. Não era esse o procedimento.

Neste momento, há vítimas que estão a ser acompanhadas através do Serviço de Escuta?

Não. Não temos, neste momento, esse número de sinalizações via Serviço de Escuta, o que também tem motivado a nossa reflexão. Queremos que a Companhia de Jesus seja merecedora de confiança, para que as vítimas sintam este acolhimento genuíno. Ninguém é obrigado a contactar e a vir ao Serviço de Escuta, mas é um desejo que temos, o de merecer esta confiança. Foi apresentado, individualmente, a uma das vítimas um pedido direto, e imediato, de perdão por parte da Companhia de Jesus, mas não foi identificada a necessidade de acompanhamento a outro nível e, portanto, não o fizemos, nem o impomos naturalmente.

No comunicado, divulgado esta segunda-feira, a Companhia de Jesus faz um pedido de perdão às vítimas.

Temos estudado bastante o assunto. Temos aprendido bastante com aquilo que se faz, quer no nosso país, quer a nível internacional. Temos acompanhado muitas investigações, sempre com este desejo de ir afinando aquilo que vamos fazendo. O desejo final é que as vítimas consigam sentir o nosso reconhecimento real e genuíno [pela sua] dor. Temos uma dor grande por sabermos que crianças e jovens entregues ao cuidado das nossas obras, podem não ter tido um espaço seguro para crescer, para se formar.

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