07 out, 2022 - 07:42 • Liliana Carona
Uma média de 400 utentes dependem mensalmente dos serviços de apoio da Cáritas diocesana de Viseu, seja para a alimentação, seja na loja social com aquisição de roupa e bens diversos. Mas se a zona da roupa está a abarrotar, o mesmo não se pode dizer da despensa.
O armazém de alimentos já esvaziou duas vezes este ano e os donativos recolhidos não são suficientes. É necessário ir às compras, mas o preço do leite está incomportável e os fornecedores recusam negociar valores com a Cáritas.
Assumiu funções há pouco mais de um ano como presidente da Cáritas diocesana de Viseu. Felisberto Figueiredo, de 73 anos, diz à Renascença que tinha conhecimento das dificuldades e do trabalho da equipa composta por 20 profissionais que tentam auxiliar bate à porta. “Já sabia pelo meu antecessor, Monteiro Marques, que as dificuldades eram imensas, mas foram agravadas pela pandemia e agora pela guerra”, lamenta o responsável, abrindo o armazém dos alimentos.
São várias as prateleiras quase vazias, ou mesmo vazias, como a do leite. Sem um único pacote de para distribuir, este responsável tenta negociar os preços com os fornecedores que lhe dão resposta negativa. “A despensa ficou praticamente vazia e nunca foi ninguém sem nada, mas havia escassez dos produtos essenciais, e a Cáritas fez uma encomenda no valor de doi mil euros com um fornecedor que fez preços mais favoráveis, mas mesmo ele teve dificuldades em nos fornecer leite, porque o preço é mau, fica acima do mercado e então disse-nos que nem nos fazia proposta”, conta.
Felisberto Figueiredo garante que a Cáritas tem consultado outras superfícies para poder comprar leite. “Consultámos alguns dos cash e carry, mas alguns nem resposta nos deram, entenderam que não têm preços, nem capacidade de resposta. Este ano é a segunda vez que temos de recorrer a esta situação, houve anos em que não houve necessidade de ir às compras, porque as campanhas de recolha eram suficientes.”
Nestas declarações revela que o número de pedidos subiu muito. Já tinha crescido com a pandemia da Covid-19, mas com a guerra da Ucrânia e o número de migrantes que vão chegando continuou a crescer. “Viseu atrai muita gente com esse título da ‘melhor cidade para viver’, já atendemos mais brasileiros que portugueses”, exemplifica.
Com a despensa praticamente vazia depois de terem sido entregues todos os bens doados em campanha, há que ir as compras. Mas o presidente da Cáritas de Viseu teme que mesmo assim não seja suficiente.
“Fizemos uma aquisição de quase dois mil euros de produtos, mas leite não comprámos, porque o fornecedor disse que não tinha preço vantajoso para nos oferecer. Se nos quiserem fazer chegar, podem entregar nas nossas instalações na Rua Alexandre Herculano. Qualquer família consome esse produto, sendo um bem necessário em qualquer despensa”, apela Felisberto Figueiredo, observando o crescimento dos pedidos de ajuda.
Há casos em que os números dos pedidos de ajuda duplicaram. Em janeiro deste ano, 778 pessoas pediram roupa e em maio este número subiu para 1.468.
Para este responsável trata-se de “aumentos exponenciais, pois os nossos PALOPs, os nossos brasileiros têm necessidade de se agasalhar, mas felizmente aí não falta, até temos em excesso, até precisávamos de ajuda na triagem”, diz em tom de desafio.
Ainda sobre a comunidade brasileira em Viseu, Felisberto Figueiredo denuncia o que considera ser exploração. “Mais de metade dos nossos utentes são brasileiros. Dá a sensação de que há aqui alguma organização e eles são apanhados descalços. Temos conhecimento de que as pessoas vivem muito mal, em apartamentos superlotados, onde os quartos são alugados a várias pessoas e transformam-se em fonte de rendimento, explorando os seus conterrâneos de forma pouco humana. Mas estamos a trabalhar com a autarquia, que contacta o SEF e a Polícia, para controlar esta situação”, conclui.
Felisberto Figueiredo anuncia um projeto de recuperação de quatro antigas casas vicentinas, construídas nos anos 40, localizadas na retaguarda do Seminário dos Combonianos.
São habitações construídas pela Conferência de São Vicente de Paulo, mas que ficaram sob a tutela da Fundação S. José. “Estavam degradadas e um dos elementos da Cáritas, que vive ali perto, pensou que seria um bom investimento, uma vez que pertence à diocese”.
Avança que vão fazer uma candidatura ao PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) para aumentar a capacidade de resposta refugiados, vítimas de violência doméstica, sem-abrigo.
“Já temos a proposta do gabinete de arquitetura, teremos capacidade para alojar ali 14 pessoas. Gostávamos de ter tudo pronto num ano, ano e meio, uma intervenção minimalista. São 4 casas, t2 e t3”, conclui.