15 nov, 2022 - 06:16 • Aura Miguel
A versão portuguesa de “A Vida de Jesus”, de Andrea Tornielli (Ed. D. Quixote), acaba de ser publicada, com prefácio do Papa Francisco.
O convite do autor e também do Papa é que o leitor pegue neste livro e se identifique com as cenas e episódios do Evangelho, como se lá estivesse.
A Renascença falou com Andrea Tornielli, antigo vaticanista e atual diretor editorial dos serviços de informação Vatican Media.
Andrea Tornielli, que livro é este?
Este livro é uma tentativa de acompanhar o leitor na vida de Jesus, considerando-a, do princípio ao fim, como uma biografia e combinando os quatro textos do Evangelho com breves comentários do Papa, inseridos na narrativa, e com partes que resultam da minha imaginação.
Mas é uma imaginação que não vai muito longe nem é fantasiosa, eu apenas juntei uns nomes, descrevi ambientes, cores, perfumes e tentei reconstruir as datas em que estes acontecimentos ocorreram. É como um auxílio para contar a biografia, a vida de Jesus. A ideia é ajudar a entender a importância do Evangelho e a entrar nas cenas do Evangelho.
Para entrar nos episódios do Evangelho e descer aos pequenos detalhes, é preciso ter imaginação fértil. É esta a sua novidade?
Eu recebi o dom da fé através da minha família, por isso, não sou um convertido. Sempre fui à missa, sempre li e ouvi ler o Evangelho, mas escrever este livro foi, para mim, uma experiência espiritual excecional, porque o facto de o escrever obrigou-me a fazer um esforço da imaginação, ou seja, a imaginar-me estar lá.
Para escrever o que escrevi, não comecei por fazer sessões de meditação. Estas coisas que imaginei surgiram enquanto escrevia e tentava identificar-me com a cena do Evangelho e isso foi muito importante para mim.
Porquê?
Porque é importante e belo encontrar Jesus hoje e perceber que o Evangelho é feito de olhares, de gestos, não só de palavras, mas sobretudo de encontros entre pessoas, e que a imaginação serve para se poder entrar e, ao lermos este texto, encontrar algo que tentamos ver com os próprios olhos.
Como surgiu a ideia de escrever o livro e de inserir as palavras do Papa nos comentários das passagens do Evangelho?
Digamos que o livro nasceu porque, durante a pandemia, um padre amigo disse-me que seria bom escrever sobre a vida de Jesus usando os comentários do Papa. Foi o que fiz, usando sobretudo as palavras das homilias da missa que celebrou em Santa Marta. Comentários simples que te levam para dentro do Evangelho e que eu inseri na narrativa.
Portanto, quem lê o livro consegue distinguir, do ponto de vista gráfico, o que é o meu texto, o que é o texto evangélico - que está em itálico - e quais são as palavras da autoridade do Papa, diferentes da minha imaginação. Neste livro, os breves comentários do Papa são reconhecidos graficamente, porque são os únicos que têm referências com notas de rodapé. E coloco as suas palavras porque elas ajudam a compreender melhor aquela determinada cena do Evangelho que, no momento, estamos a viver.
Sendo tão próximo do Papa Francisco, como foi o processo, falaram sobre o assunto, o Papa deu alguns conselhos?
Eu disse-lhe que estava a escrever este livro. E ele, como sempre faz com todas as pessoas que lhe submetem iniciativas, e como viu o meu entusiasmo, disse-me: “vai em frente, vai em frente, escreve”. Então, enviei-lhe alguns capítulos.
E o prefácio, como nasceu?
O prefácio resultou de um diálogo que tivemos para apresentar uma transmissão-vídeo que editei juntamente com Lucio Brunelli [diretor da TV2000, televisão católica do episcopado italiano], com o título “Faces of the Gospel” [“Rostos do Evangelho”]. O prefácio inclui, precisamente, as ideias do Papa e as suas palavras que ajudam muito a entrar no Evangelho.
É um percurso muito jesuíta…
Sim, esta tentativa de imaginar as cenas do Evangelho, ou seja, de nos identificarmos com elas como se estivéssemos lá, como testemunhas que olhavam para Jesus, o ouviam falar e o viam, é algo relacionado com a espiritualidade de Santo Inácio de Loyola.
De facto, muitas vezes as homilias do Papa seguem este método, detêm-se no olhar, entram na descrição do Evangelho, imaginando as relações. Quase sempre, quando lemos o Evangelho, tentamos imediatamente tirar conclusões para a vida, conclusões morais ou conceitos doutrinários. Mas estamos pouco habituados a entrar lá dentro e a comover-nos com o acontecimento cristão. Mas os encontros com Jesus eram deste tipo, aconteciam de forma avassaladora no meio da rua e no modo como Ele olhava para as pessoas, como se deixava comover pela realidade que encontrava, pelas feridas que encontrava. É isso que se pretende.
O que diria aos que dão por adquirido já conhecer a vida de Jesus e olharem para este livro como mais um sobre o mesmo tema. Que novidade traz?
Diria que a novidade não é o livro, a novidade é o Evangelho. Podemos ler uma coisa três ou quatro vezes e conhecê-la e, no entanto, ao ler uma quinta vez, a mesma passagem diz-nos algo de novo. Pode tocar-nos o coração e mexer connosco.
Acredito que a razão para aprofundar a vida de Jesus com um novo livro implica regressar ao Evangelho e relê-lo de uma forma, não diria mais fácil, mas que pode ser seguida mais facilmente, do princípio ao fim, mesmo que já conheçamos a história.
Tem havido reações?
O livro saiu em Itália, a 27 de setembro, e eu tenho tido vários encontros e recebido impressionantes testemunhos, sobretudo, quando as pessoas se detêm nas cenas da vida de Jesus. E tive também reações muito positivas dos que já conhecem o conteúdo do Evangelho. No fundo, é como se cada episódio "re-acontecesse" de novo.