23 dez, 2022 - 14:43 • Henrique Cunha
Depois de ter estado durante dez dias de visita à região de Cabo Delgado, Moçambique, o arcebispo de Braga mostra-se preocupado, em entrevista à Renascença, pelo facto de algumas comunidades locais estarem “a organizar internamente uma espécie de equipas de justiça popular”, o que “pode ser muito perigoso”.
D. José Cordeiro espera que “o bom senso, a paz, os sentidos plenos da vida falem mais alto e que em breve possamos ouvir as melhores notícias a partir daquela terra”.
Na origem do desassossego que está a levar a esta “organização popular” está uma espécie de indulto que o Presidente moçambicano concedeu a mais de 60 pessoas suspeitas de terrorismo.
Para o arcebispo de Braga “essa inquietação existe, sobretudo porque estamos a falar de alegados insurgentes que podem voltar a suas atividades terroristas”, mas sublinha o empenho das autoridades na promoção da paz e do perdão, porque “só o perdão é o caminho verdadeiro e autêntico para a paz”.
“É o que senti da parte das autoridades e nomeadamente da parte da diocese de Pemba, de ser também mediadora no diálogo, na relação, na paz, na reconciliação, na tentativa de ser parte da solução e ajudar a ultrapassar os conflitos e os problemas que só ‘in loco’ nos apercebemos bem da sua dimensão”, refere à Renascença.
Recorde-se que a concessão de indultos por parte do Presidente moçambicano tem sido algo de contestação. Por exemplo, a Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana, Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), acusou Filipe Nyusi, de "grave violação do princípio da separação de poderes", ao conceder "perdão" a supostos insurgentes.
Na ocasião, o Presidente da República, Filipe Nyusi pediu à população para “perdoar profundamente” os que abandonam as fileiras dos grupos armados em Cabo Delgado.
De acordo com o Arcebispo de Braga há cerca de um mês que se regista uma trégua e que são muito esporádicos os atos terroristas em Cabo Delgado.
Ainda assim, D. José Cordeiro refere que "em alguns lugares as pessoas ainda sentem um enorme medo", o que “dificulta por exemplo o trabalho dos missionários que se encontram no terreno”.
“Tudo isso leva algum tempo até se criarem laços de confiança e de relação”, lamenta o prelado.
O conflito na região de Cabo Delgado já dura há cinco anos e de acordo com os números mais recentes divulgados por algumas ONG, os ataques terroristas no Norte de Moçambique já provocaram cerca de um milhão de deslocados.
A arquidiocese de Braga e a diocese de Pemba, Moçambique, tem em vigor desde 2014 um protocolo de “cooperação missionária” para partilhar “bens materiais e experiências humanas.
No último verão, a presença em Portugal do Bispo de Pemba, D. António Juliasse, serviu para aprofundar a cooperação entre ambas as dioceses. A deslocação do arcebispo de Braga a Pemba, onde a arquidiocese tem a responsabilidade pastoral de uma paroquia, permitiu a D. José Cordeiro “um conhecimento mais profundo da realidade daquele povo martirizado”.
Serviu, por outro lado, também para “alinhavar a consolidação dessa cooperação”. “Estamos a sonhar a presença de uma comunidade religiosa feminina, a criação de uma escolinha até aos cinco anos, e depois pretendemos também desenvolver iniciativas relacionadas com a higiene, a educação, a saúde e a pastoral”, revelou.
Iniciativas a juntar às já existentes, pois, recorda D. José Cordeiro “estão aqui quatro seminaristas da diocese de Pemba, no nosso Seminário Maior arquidiocesano e prosseguimos com a formação de algumas religiosas de uma congregação diocesana de Pemba e também de alguns leigos”.
Entretanto, o arcebispo de Braga anunciou que está a ser trabalhada a possibilidade de dois jovens da paróquia de Ocua participarem na Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023.
“Muito gostaríamos de contar com dois jovens da paroquia de Ocua aqui em Braga e em Lisboa, e vamos trabalhar para esse sonho em articulação com D. António Juliasse, o bispo de Pemba”, revela.
D. Cordeiro refere que “ficou em aberto essa possibilidade” e que se espera que “nos próximos dias seja possível ter o nome e o apelido desses jovens para começarmos toda a parte burocrática para tornar possível esta partilha e este intercambio cultural espiritual e pastoral”.
O conflito na região de Cabo Delgado já dura há cinco anos e de acordo com os números mais recentes divulgados por algumas ONG, os ataques terroristas no Norte de Moçambique já provocaram cerca de um milhão de deslocados.