09 jan, 2023 - 10:59 • Aura Miguel
O Papa Francisco disse, esta segunda-feira, que "a posse de armas atómicas é imoral”.
No seu habitual discurso de início de ano aos embaixadores acreditado na Santa Sé, Francisco lamentou que a ameaça nuclear continue a “precipitar o mundo no medo e na angústia”, sublinhando que “sob a ameaça de armas nucleares, todos somos sempre perdedores”
O Papa condenou "a terceira guerra mundial em curso", nomeadamente na Ucrânia, “onde os conflitos diretamente afetam apenas algumas regiões da terra, mas substancialmente envolvem-nos a todos”.
Francisco deu o exemplo do rasto de morte e destruição que se verifica “com os ataques a infraestruturas civis, em que as pessoas acabam por perder a vida devido não só às bombas e violências, mas também à fome e ao frio”.
Sua Santidade renovou, uma vez mais mais, o seu apelo “para que se faça cessar imediatamente este conflito insensato, cujos efeitos afetam regiões inteiras, mesmo fora da Europa pelas repercussões que tem no campo energético e no domínio da produção alimentar, sobretudo na África e no Médio Oriente.”
Neste discurso, Francisco pediu ainda a abolição da pena de morte, que ainda se continua a praticar, “como está a acontecer nestes dias no Irão, na sequência das recentes manifestações que pedem maior respeito pela dignidade das mulheres”.
Para o Papa, a pena de morte “não pode ser utilizada por uma pretensa justiça de Estado, pois não constitui uma dissuasão nem oferece justiça às vítimas, mas alimenta apenas a sede de vingança”. E deixou um apelo “para que a pena de morte - sempre inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa - seja abolida nas legislações de todos os países da terra. Nunca se esqueçam que uma pessoa pode, até ao último momento, converter-se e mudar.”
“Os medos encontram alimento na ignorância e no preconceito para depois degenerarem facilmente em conflitos. A educação é o seu antídoto”, alertou, noutro passo da sua intervenção, o Papa, acrescentando que é por isso que a Santa Sé promove uma visão integral da educação, no “respeito integral da pessoa e da sua fisionomia natural, evitando a imposição duma visão nova e confusa do ser humano”.
A pessoa deve “libertar-se das múltiplas formas de escravidão e afirmar-se na sociedade de forma livre e responsável. Neste sentido, é inaceitável que parte da população possa ser excluída da educação, como está a acontecer às mulheres afegãs.”
A paz exige também que se reconheça universalmente a liberdade religiosa. “É preocupante que haja pessoas perseguidas apenas porque professam publicamente a sua fé; e são muitos os países onde a liberdade religiosa é limitada. Cerca de um terço da população mundial vive nesta condição”, disse Francisco.
O Papa elogiou a decisão do Parlamento de Timor-Leste que aprovou por unanimidade o Documento sobre a Fraternidade Humana, assinado pelo Papa pelo Grande Imã de Al-Azhar em 2019. Documento passou a ser incluindo nos programas das instituições académicas e culturais nacionais daquele país.
Neste contexto, Francisco recordou as recentes viagens ao Cazaquistão e ao Bahrein reafirmando que “as religiões não são problema, mas parte da solução para uma convivência mais harmoniosa.”
“O conflito atual na Ucrânia tornou mais evidente a crise que, há muito, afeta o sistema multilateral”, disse Francisco, pedindo que se reconsidere o assunto e se responda “de forma adequada, aos desafios do nosso tempo”.
O Papa também pede “uma reforma dos órgãos que possibilitam o seu funcionamento, a fim de serem verdadeiramente representativos das necessidades e sensibilidades de todos os povos, evitando mecanismos que dêem maior peso a uns em detrimento de outros”.
Para Francisco “não se trata de criar blocos de alianças, mas de criar oportunidades para que todos possam dialogar”.
Contra os vários fóruns internacionais que geram "crescentes polarizações e tentativas de impor um pensamento único, que impede o diálogo e marginaliza aqueles que pensam de modo diferente”, Francisco alerta para ”o risco de uma deriva, que assume cada vez mais a fisionomia dum totalitarismo ideológico, que promove a intolerância contra quem não adere a pretensas posições de ‘progresso’, que na realidade parecem antes conduzir a uma regressão geral da humanidade, com violação da liberdade de pensamento e de consciência”.
Não menos grave é o aumento de recursos “para impor, especialmente aos países mais pobres, formas de colonização ideológica, chegando-se aliás a criar um nexo direto entre a atribuição de ajuda económica e a aceitação de tais ideologias”.
A atenção ao drama das migrações, o respeito por uma economia economia mais humana e equitativa o cuidado da nossa casa comum são três dimensões sublinhadas pelo Papa, que considera urgente “uma maior solidariedade” e interligação entre povos.
Os exemplos referidos pelo Santo Padre apontam para as devastações no Paquistão “nas zonas afetadas pelas inundações onde continuam a aumentar os surtos de doenças transmitidas pelas águas estagnadas”; para as vastas áreas do Oceano Pacífico, "onde o aquecimento global provoca inúmeros prejuízos à pesca, base da vida quotidiana de populações inteiras”; e para a Somália e todo o Corno de África, "onde a seca está a causar uma grave carestia”.
Francisco preocupa-se também com o "enfraquecimento, em muitas partes do mundo, da democracia e da possibilidade de liberdade que ela consente”, pois em cada comunidade não pode prevalecer a cultura da opressão e da agressão, “que leva a olhar o próximo como um inimigo a combater e não como um irmão a acolher e abraçar”.
O Papa deu alguns exemplos onde se verifica esta falta de liberdade, como acontece em diversos países do continente americano. Francisco referiu-se apenas aos casos do Perú, de Haiti e acrescentou, improvisando, “e, nestas últimas horas, no Brasil”.