16 jan, 2023 - 14:40 • Ângela Roque
“Não há ecumenismo sem o conhecimento do outro”, sublinha à Renascença João Luís Fontes, que elogia o papel que o Papa Francisco tem tido na aproximação entre as várias religiões cristãs.
Entre as iniciativas conjuntas que têm marcado o caminho ecuménico em Portugal, destaca a Plataforma criada em torno do projeto ‘Eco Igrejas’, e revela que um dos objetivos para 2023, no pós JMJ Lisboa, é organizar um encontro nacional de jovens das várias igrejas e denominações cristãs.
Historiador e docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, João Luís Fontes é o representante da Igreja Católica no ‘Fórum Ecuménico Jovem’, faz parte do Departamento das Relações Ecuménicas e do Diálogo Inter-Religioso do Patriarcado de Lisboa e integra também a Rede ‘Cuidar da Casa Comum’.
Vai decorrer de 18 a 25 de janeiro a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, este ano com o tema ‘Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça’. Como é que esta semana vai ser assinalada em Portugal?
Normalmente é assinalada por um conjunto de iniciativas promovidas pelas diversas igrejas e confissões cristãs, uma parte no diálogo entre a Conferência Episcopal Portuguesa e o Conselho Português das Igrejas Cristãs (COPIC), com uma celebração nacional, e em termos locais também com um conjunto de celebrações, que vão ocorrer em Lisboa, na região centro e no Porto. Aqui há mesmo um itinerário de iniciativas para todo o oitavário, no sentido de convidar os cristãos a conhecerem as realidades das diversas comunidades presentes nessa região.
Uma das iniciativas que marca sempre esta semana é a vigília ecuménica?
Exatamente. No caso de Lisboa será no dia 20 de janeiro, na igreja do Campo Grande, e pega na proposta internacional, adaptando-a um pouco à realidade juvenil, convidando todos a participar e a refletir sobre o tema que é proposto (‘Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça’), que anda em torno da questão da reconciliação entre os cristãos, a procura da unidade e a luta por um mundo mais justo e fraterno.
É um tema que, de alguma forma, relembra a urgência de se fazer o caminho conjunto pelo bem comum. Esse caminho tem sido trilhado em Portugal entre as várias igrejas cristãs? Em que ponto é que se encontra o ecumenismo?
O ecumenismo, por um lado, tem um conjunto de iniciativas e de organizações que continuam a trabalhar regularmente, têm-se também começado a organizar, em termos diocesanos, departamentos para acompanhar esta realidade e promover iniciativas concretas. E depois nasce, sobretudo em termos locais, o reconhecimento dos espaços e dos caminhos que possam permitir um trabalho em conjunto, não apenas celebrativo, de diálogo e conhecimento entre as pessoas - que é muito importante, porque não há ecumenismo sem o conhecimento do outro - , mas também a procura de realidades onde as igrejas possam intervir em conjunto, em favor dos restantes.
São exemplo disso as áreas da ecologia integral, que tem sido uma preocupação comum das várias igrejas cristãs em Portugal, e também a área social e caritativa?
Sim. No caso da procura da ecologia integral e do cuidado pela Criação, a própria Rede ‘Cuidar da Casa Comum’ nasce como uma proposta que pretende alargar-se não apenas aos cristãos católicos romanos, mas a todos os cristãos empenhados nesta questão, e mesmo àqueles de outras religiões e não crentes, desde que sejam sensíveis a esta realidade.
Já há mais de um ano que se estabeleceu uma Plataforma em torno do projeto ‘Eco Igrejas’, que reúne um grupo ainda grande de confissões cristãs, juntamente com a Conferência Episcopal Portuguesa e a rede ‘Cuidar da Casa Comum’, liderado pela Fundação 'A Rocha', de origem evangélica, precisamente para refletir como avançar em conjunto nesta questão do cuidado pela Criação, na preparação de um instrumento concreto que será o ‘eco diagnóstico’, para ajudar as comunidades a avaliar a forma como lidam com esta questão do cuidado pela Criação, e lançando pistas concretas para crescerem neste domínio.
Em termos sociais, acaba por haver muitas iniciativas locais de acolhimento ao nível dos refugiados, dos sem abrigo, e de várias propostas sociais em que as igrejas já colaboram entre si.
Integra também o Fórum Ecuménico Jovem. Ao nível das gerações mais novas, como é que está e se vive o ecumenismo?
Apesar de estarmos agora num contexto em que, na realidade portuguesa, as igrejas – e sobretudo a Igreja Católica Romana, acaba por estar muito mobilizada pela preparação da Jornada Mundial da Juventude, há uma reflexão a acontecer, por um lado, sobre a importância da própria JMJ refletir também esta abertura e diálogo ecuménico, que faz parte também do nosso caminho enquanto Igreja, e procurámos avançar neste contexto para a proposta de um encontro nacional, que possivelmente fará sentido acontecer já depois da JMJ, já que as igrejas, sobretudo a católica está muito envolvida, empenhada e a canalizar os seus recursos para a preparação da Jornada, e as próprias igrejas a refletir sobre a forma como poderão participar e ajudar a sinalizar este caminho de reconciliação e unidade.
Esse encontro poderá acontecer ainda este ano, ou só em 2024?
Penso que ainda poderá ser este ano, no último trimestre, depois da Jornada Mundial da Juventude.
Do ponto de vista mais global, o diálogo entre as várias confissões religiosas tem crescido, tem-se fortalecido? Como é que vê o contributo do Papa Francisco para esse diálogo?
Penso que tem crescido e o contributo do Papa tem sido muito importante, sobretudo pelo modo como ele insiste em sinalizar, ele próprio, essa vontade de ir ao encontro dos outros cristãos e de fazer sentir junto das diversas igrejas e comunidades, essa urgência do diálogo e da reconciliação.
Aliás, foi muito forte o gesto do Papa no contexto dos 500 anos da Reforma, quando não enviou ninguém mas foi, ele próprio, às comemorações, sinalizando o empenho da Igreja Católica neste processo. E têm-se repetido, sempre que possível, as iniciativas de chamar o Patriarca de Constantinopla, o arcebispo de Cantuária e os elementos de outras igrejas, para sinalizar momentos importantes e dizer cada vez mais que este caminho só faz sentido quando o fazemos em conjunto.
A guerra na Ucrânia tem evidenciado grandes diferenças na Igreja Ortodoxa. Isso prejudicou de alguma forma o diálogo ecuménico?
De facto, o contexto da guerra na Ucrânia e a questão das relações com o Patriarcado de Moscovo, têm sido complicadas, sobretudo pela colagem do próprio Patriarcado às posições de Vladimir Putin, que têm, como percebemos - apesar das tentativas, inclusivé do próprio Papa Francisco, de que as igrejas fossem um espaço e um instrumento para a reconciliação e para a paz.
Esse caminho tem sido particularmente difícil e percebemos as apropriações políticas de um lado e de outro, em relação às respetivas igrejas, para firmar posições, o que torna este contexto um pouco difícil, apesar da quase repetição diária, por parte do Papa Francisco, da urgência da reconciliação e da paz, e de procurar outros caminhos para a resolução dos problemas, sem ser o conflito armado.
Mas isso, penso eu, não invalida a firme consciência de que as religiões podem e devem ser um instrumento fundamental para a paz. E que no fundo, no coração das religiões, e na verdade do caminho religioso, está sempre esta procura de sentido, de unidade e de um encontro profundo, num significado para a própria condição humana e para a dignificação do mundo.
Quer deixar algum convite aos cristãos para a Semana de Oração que se aproxima?
Convido a todos que vejam, dentro da região onde moram, as propostas que irão acontecer dentro desta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que nos desafia, de facto, a abandonar uma religião que se auto satisfaz nas suas liturgias e ritos, para perceber que a religião e o cristianismo supõe um caminho de conversão pessoal que nos obriga a ir ao encontro do outro, e empenhar-nos na construção de um mundo mais justo e mais fraterno.
E, se calhar, um desafio até prévio a isto, que é a nossa disponibilidade para conhecermos e encontrarmos outros cristãos nos locais onde moramos, porque este é sempre o primeiro passo: ir ao encontro do outro e conhecer, para depois podermos encetar com mais profundidade um caminho de encontro, reconciliação e unidade.
Porque há mais coisas a unir do que a separar os cristãos?
Isso sem dúvida. Mesmo na pluralidade, nas formas como celebramos e, em alguns aspetos, vivemos o ser cristão, o essencial que é a pessoa de Cristo, a sua Palavra e, em muitos casos, também a própria celebração da vida sacramental, já nos permitem fazer muitas coisas em conjunto e caminharmos por aí.
Mesmo que haja depois, a outros níveis, diálogos teológicos - que também são importantes e que nos ajudam a ultrapassar mal entendidos do passado -, este caminho conjunto ajuda-nos já a perceber que temos muito em comum e que mesmo a diversidade não tem de ser um mal, mas pode ser uma riqueza, porque percebemos as riquezas e as potencialidades de outras formas de ser cristão, sem termos que renunciar em nada àquilo que somos e à tradição onde crescemos e aprendemos a ser cristãos.