Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Abusos. "O que a Igreja anunciou é poucochinho"

03 mar, 2023 - 20:32 • Ângela Roque , Miguel Coelho com Redação

Signatários da carta aos bispos, que pediu medidas concretas, consideram que a Igreja já devia ter uma estratégia de atuação mais clara, que "não sabe comunicar” e que a nova comissão anunciada devia ser autónoma. “Daria maior confiança”.

A+ / A-

Veja também:

Dossiê Abusos na Igreja. Quebrando o silêncio
Vítima de abuso. “Estive 22 anos em silêncio. Sentia-me culpada, passei muitas noites a chorar”
Quais são os casos públicos de abusos sexuais de menores na Igreja?
Como os Papas lidaram com os abusos sexuais na Igreja
Todas as notícias sobre Abusos na Igreja


Alfreda Fonseca, uma das promotoras da carta enviada quinta-feira aos bispos, a pedir medidas concretas contra os abusos na Igreja, considera que o que foi anunciado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), em Fátima, foi insuficiente e que a comunicação falhou.

“A CEP não sabe comunicar nem com os católicos, nem com o povo em geral. A conferência de imprensa foi confusa, com uma leitura que seria reprovada", diz à Renascença, numa critica direta ao porta-voz da CEP, padre Manuel Barbosa - que leu um comunicado com as conclusões da reunião -, mas também ao presidente daquele organismo.

"As respostas de D. José Ornelas foram atrapalhadas, repetitivas. O documento, do que me apercebi, é poucochinho", insiste Alfreda Fonseca, para quem as medidas anunciadas revelam que a CEP não sabe comunicar, e esta “não é só uma questão de forma, é também uma questão de passar, ou não, uma mensagem clara”.

Para esta responsável, que integra o movimento ‘Nós Somos igreja’, e o Metanoia – Movimento Católico de Profissionais, um dos pontos que ficou por esclarecer foi a questão da suspensão, ou não, dos padres suspeitos que ainda continuam no ativo, e cuja lista foi entregue esta quinta-feira à CEP e ao Ministério Público.

“Não sabemos o que é que, perante a lista de abusadores, vai acontecer. Sabemos que foi entregue a cada uma das dioceses, ora cada bispo pode decidir de maneira diferente e as interpretações que cada um pode fazer da gravidade dos casos não é uniforme”.

“Sabemos que há padres e leigos envolvidos, que passam de diocese em diocese... se isto fica ao nível diocesano e clerical, parece-me pouco uniforme, pouco claro, e não tenho a certeza que funcione”, sublinha, lamentando que isso não tenha ficado já hoje esclarecido.

"Aquela conversa de D. José Ornelas pareceu-me embrulhada... por um lado dizia que sim [à suspensão], por outro dizia que não, que era preciso ver caso a caso. Mas, isso é o que se faz sempre, até nos processos civis fazem-se averiguações!”.

Mas, Alfreda Fonseca não tem só criticas a fazer. “Há uma coisa que me parece importante e positiva, que é acentuar a tolerância zero, e que as vítimas estão em primeiro lugar e devem ser cuidadas. Isso é evangélico e prioritário”, afirma.

Quanto à nova comissão que irá ser criada, lembra que era “uma exigência óbvia, feita pela comissão anterior e que a nossa carta também fez, de haver uma nova comissão independente para continuar este processo. Isto parece-me igualmente positivo”.

“Senti que se caminhou, mas ainda estamos a meio da ponte”

Eugénio Fonseca, outro dos subscritores da carta que foi enviada aos bispos, acha que a Igreja já devia ter definido uma estratégia de atuação mais clara, e que há ainda muito a fazer. Em declarações à Renascença o antigo presidente da Cáritas - e atual responsável da Federação Portuguesa de Voluntariado - diz que tem dúvidas sobre a eficácia da nova comissão que os bispos se comprometem a criar, por ir ficar dependente da que coordena a nível nacional as comissões diocesanas de proteção de menores.

“Não me parece que seja uma boa solução. Preferia que fosse mesmo autónoma, porque julgo que daria maior confiança, não só a quem venha a apresentar as suas situações, como até, em termos de transparência, ao país em geral”, refere, lembrando que as comissões diocesanas já vão ter muito a fazer ao nível da formação.

“Vão ter uma tarefa muito exigente, que é a tarefa de preparar as pessoas que lidam com crianças, jovens e pessoas vulneráveis, na prevenção destas situações e em ações de formação.

Este trabalho vai demorar algum tempo e tem que ser um trabalho contínuo e portanto tem que haver um empenhamento desde já”.

Entre os pontos positivos destaca o compromisso, reiterado pelos bispos, de “tolerância zero” para com os abusos, e o pedido de perdão e o memorial às vítimas. “A questão do memorial é significativa. Vamos ver o que é que acontece em abril, não sabemos ainda, mas que seja uma celebração com expressão nacional. Portanto, há aqui medidas que ainda vamos ver o que é que vai acontecer, mas há compromissos que são muito importantes: a afirmação da tolerância zero, a afirmação de que é preciso rever a formação dos futuros sacerdotes”.

Sobre a carta enviada aos bispos, e que também assinou, garante que o objetivo foi o de ajudar a Igreja a recuperar a sua credibilidade. “Não foi um documento reivindicativo nem um caderno de encargos. Não foi. Foi um documento para dizer aos bispos ‘nós queremos ser parte da solução, queremos ajudar-vos’, para que haja realmente uma solução para este problema que aflige toda a Igreja. E com certeza que estaremos todos disponíveis para colaborar com os bispos, para que a nossa Igreja tenha a credibilidade que a sua missão exige”.

Agora, sublinha, o importante é prosseguir o trabalho. “Não podemos parar. Como digo, fiquei com a sensação que se caminhou, mas que está agora no meio da ponte. É preciso continuar esta travessia”.


Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:

- Serviço de Escuta dos Jesuítas , um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.

Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa

- Rede Care , projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.

Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.

Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt

- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores . São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.

São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.

Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.

Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:

- Projeto Cuidar , do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica

Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt

Saiba Mais
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+