06 mar, 2023 - 17:06 • Pedro Mesquita com redação
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O psiquiatra Daniel Sampaio, membro da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja, afirma que a Igreja tem "muitos elementos" sobre os alegados abusadores de crianças para poder avançar com medidas.
Na última sexta-feira, durante a conferência de imprensa da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas afirmou que a CEP recebeu apenas uma "lista de nomes", sem acusações.
"Só temos nomes, é muito difícil. Para se dar andamento é evidente que precisamos de ter dados e essa lista que nós recebemos só tem nomes", disse o presidente da CEP.
Questionado pela Renascença sobre estas declarações, Daniel Sampaio nega que a lista tenha chegado aos bispos sem mais dados. "Há informação que foi dada, em devido tempo, a cada um dos senhores bispos", garante o psiquiatra.
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Afinal que lista é esta que entregaram aos bispos? É uma lista apenas de nomes?
É uma lista de nomes que é do conhecimento prévio dos senhores bispos. Não há surpresa nenhuma nessa lista de nomes. Tudo isso é uma grande confusão. Vou-lhe explicar: essa lista de nomes resulta da junção dos nomes dos alegados abusadores que nos foram fornecidos pelas vítimas, mais os alegados abusadores que foram descobertos na pesquisa dos arquivos pelo grupo de investigação histórica, que trabalhou connosco.
Portanto, essa lista é uma compilação das duas fontes que eu acabei de citar. Mas há uma informação muito importante - é que o grupo de investigação histórica, coordenado pelo professor Francisco Azevedo Mendes, deslocou-se a cada uma das dioceses do continente, e das regiões autónomas, e trabalhou com os respetivos bispos essa lista de nomes, chamando a atenção para os nomes que eram fornecidos pelas vítimas, através da Comissão independente, e para os nomes que eles próprios descobriram dos arquivos.
Portanto, houve um trabalho de esclarecimento dos senhores bispos acerca desses nomes. E portanto, é verdade que é uma lista de nomes, mas há informação que foi dada, em devido tempo, a cada um dos senhores bispos... e já alguns bispos a trabalhar nesse sentido.
Ou seja, existe matéria para que a Igreja possa avançar...
A Igreja tem muitos elementos para que possa avançar. Depois, o que vai fazer, isso compete à Igreja decidir. Mas há suficiente informação junto de cada um dos senhores bispos para poderem trabalhar em relação aos alegados abusadores.
E no seu entender, há matéria suficiente para, eventualmente, poder haver suspensões ou é preciso mais provas?
Vou falar-lhe agora como psiquiatra e professor de psiquiatria. Nós sabemos que o comportamento abusador é um comportamento que se repete. A possibilidade do comportamento se repetir é muito grande. Portanto, do ponto de vista da perturbação de personalidade que têm os abusadores, é importante que fiquem rapidamente afastados do contato com crianças e jovens. E depois que se organize um processo. Isso já não é comigo, agora é preciso perceber que, do ponto de vista do risco em relação a crianças e jovens, é muito grande a repetição desse comportamento doentio.
Mas está-me a dizer que não faz sentido a preocupação da presunção da inocência até que existam provas suficientes.
Não. Eu acho que todas as pessoas têm essa presunção de inocência. Mas o que eu acho que se deve fazer é cada bispo chamar as pessoas que constam dessa lista, falar com elas e verificar o que se passa, se há motivo para suspensão, ou não. Isso é um caso que tem que ser decidido individualmente e com todo o critério.
Portanto, nós não lançamos nenhum nome para o ar, justamente por isso, porque é um trabalho que tem que ser feito em sigilo do senhor Bispo, confrontando os dados que têm com o alegado abusador. Há matéria para iniciar o mais depressa possível esse trabalho, porque em muitos casos a suspensão, com certeza, é a medida correta.
Ficou preocupado com aquilo que foi ouvindo, então?
O que eu fiquei mais dececionado foi que a conferência de imprensa não foi centrada nas vítimas. Foi centrada na preocupação em proteger a Igreja. Isso dececionou-me muito, porque a prioridade máxima, neste momento, é o tratamento psicológico e psiquiátrico das vítimas - as que já falaram e aquelas, muitas, que ainda não falaram. Essas pessoas estão em risco psicopatológico, portanto, a Igreja deve rapidamente organizar a resposta terapêutica de apoio psicológico e psiquiátrico a essas pessoas. Tive ocasião de dizer que há um serviço de psiquiatria em cada um dos distritos. Portanto, a Igreja tem que criar prioridades de atendimento essas pessoas ou, no caso de estas pessoas estarem a ser tratadas em privado, deve suportar os custos desse tratamento.
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Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:
- Serviço de Escuta dos Jesuítas , um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.
Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa
- Rede Care , projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.
Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.
Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt
- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores . São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.
São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.
Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.
Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:
- Projeto Cuidar , do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica
Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt