28 abr, 2023 - 17:10 • Aura Miguel (enviada especial à Hungria) , Ângela Roque
O Papa Francisco encontrou-se esta sexta-feira com os representantes da Igreja Católica na Hungria, a quem pediu empenho para enfrentar os desafios pastorais que hoje se colocam.
No discurso aos bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados, seminaristas e agentes pastorais que o escutavam na catedral de Santo Estevão, Francisco falou das “tentações” das quais se devem sempre defender: uma, “a leitura catastrófica da história atual, alimentada pelo derrotismo de quem repete que tudo está perdido, que já não existem os valores de outrora” e que “não se sabe onde iremos parar”; outra, “a leitura ingénua do próprio tempo”, que se baseia “na comodidade do conformismo”, que faz crer que “está tudo bem, que o mundo mudou” e que têm de se adaptar.
“Contra o derrotismo catastrófico e o conformismo mundano, o Evangelho dá-nos olhos novos, dá-nos a graça do discernimento para nos embrenharmos no nosso tempo com uma atitude acolhedora, mas também com um espírito profético, ou seja, com acolhimento profético”, afirmou.
Para o Papa é preciso estar atento e “aprender a reconhecer os sinais da presença de Deus na realidade”, mesmo quando não apareça “marcada explicitamente pelo espírito cristão” e surja como “desafio” ou “interpelação”. E é preciso dar testemunho. “Trata-se de interpretar tudo à luz do Evangelho sem se mundanizar, mas como arautos e testemunhas da profecia cristã”, afirmou.
Na Hungria, onde a “tradição da fé permanece bem enraizada”, também se assiste “à difusão do secularismo”, que ameaça sobretudo “a integridade e a beleza da família”, e expõe os jovens “a modelos de vida caraterizados pelo materialismo e o hedonismo”. Mas, para o Papa, o importante é a Igreja não se fechar, porque as dificuldades também ajudam a abrir novos caminhos.
“Aquelas realidades podem representar oportunidades para nós, cristãos, porque estimulam a fé e o aprofundamento de alguns temas, convidam a interrogar-nos como podem tais desafios entrar em diálogo com o Evangelho, a procurar novos caminhos, instrumentos e linguagens. Neste sentido, Bento XVI afirmava que as diversas épocas de secularização vieram em auxílio da Igreja, porque ‘contribuíram de modo essencial para a sua purificação e reforma interior’ “.
O Papa deixou, ainda, um veemente apelo à união na Igreja, que não se deve deixar contaminar pela ideologia. “É triste quando nos dividimos, porque, em vez de jogar em equipa, faz-se o jogo do inimigo: o diabo é que divide, é um artista a fazer sito, é a sua especialidade. E vemos os bispos desunidos entre si, os padres em tensão com o bispo, os padres idosos em conflito com os mais jovens, os diocesanos com os religiosos, os presbíteros com os leigos, os latinos com os gregos!".
Francisco lembrou que há polarização "em questões que dizem respeito à vida da Igreja, mas também em aspetos políticos e sociais, refugiando-se em posições ideológicas". E pediu: "não deixem entrar a ideologia! A vida de fé não se pode reduzir à ideologia. Isso é do diabo. Por favor, não façam isso. O primeiro trabalho pastoral é dar testemunho de comunhão, porque Deus é comunhão e está presente onde há caridade fraterna”.
Aos padres em particular pediu que sejam próximos e não julguem. "Proximidade, compaixão e ternura, é o estilo de Deus. Seguimos este estilo? Sou próximo das pessoas, ajudo? Tenho compaixão, ou condeno tudo? Isto exige-se a todos, mas em particular aos sacerdotes: um olhar misericordioso, um coração compassivo, que perdoa sempre, sempre! Que ajuda a recomeçar, que acolhe e não julga, encoraja e não critica, serve e não murmura”.
“Sede acolhedores, sede testemunhas da profecia do Evangelho, mas sobretudo sede mulheres e homens de oração, porque a história e o futuro dependem disto”, afirmou.
No final do discurso, muito aplaudido. Francisco elogiou a força da fé dos húngaros, que resistiram a todas as perseguições. "Tantos tantos bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos martirizados durante a perseguição ateia; eles dão testemunho a fé grande e granítica dos húngaros. Vocês têm uma fé granítica, e agradecemos a Deus por isso!"
Padre há 66 anos, József Brenner testemunhou perante o Papa a dureza das perseguições durante a II Guerra Mundial. “Sempre fomos fiéis à Igreja. Tivemos que fugir e sofremos as perseguições do comunismo durante décadas”, afirmou. “Três de nós tornámo-nos sacerdotes na minha família. Eu sou o terceiro na ordem. O meu segundo irmão foi brutalmente assassinado aos 26 anos pelo regime ateu. Vossa Santidade incluiu-o nas fileiras dos Beatos em 2018”, contou, comovido, sob fortes aplausos, fora e dentro da catedral.
Uma jovem religiosa dominicana e uma leiga catequista também deram os seus testemunhos. E o padre Sándor Kondás, de rito greco-católico, relatou que, após sete anos de casado, adoptou, juntamente com a sua mulher, uma criança e que, mais tarde, tiveram quatro filhos, sendo o último portador do síndrome de Down. “O Senhor também nos ajudou a aceitar as suas debilidades e condições de saúde, de acordo com o plano divino”, afirmou referindo-se ao seu último filho.
Segundo as autoridades, 1100 participantes reuniram-se dentro da Catedral e 4.000 fiéis acompanharam a celebração no exterior.