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Abusos na Igreja

Abusos. Segredo da confissão deve ser levantado, defendem Strecht e Laborinho Lúcio

02 mai, 2023 - 16:38 • Henrique Cunha com redação

Membros da antiga comissão independente para o estudo dos abusos foram interrogados pelos deputados sobre a eventual necessidade de se alterar a Concordata, referindo que “essa é uma decisão interna da Igreja”. Cardeal Patriarca diz que, sem segredo da confissão, muitas vítimas não revelariam abusos.

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Deputados do PSD, do PAN e do Livre que integeram a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias lançaram esta terça-feira a questão sobre o levantamento do segredo da confissão em casos de abusos de menores na Igreja.

Durante a audiência de membros da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Menores na Igreja, Paula Cardoso (PSD) perguntou se “acham que uma maior intrusão do direito nesses segredos poderia ser uma forma de proteger as crianças”. Já Inês Sousa Real, do PAN, aludiu à eventual necessidade de se rever a Concordata “para o levantamento do segredo de confissão”.

Na mesma linha, Rui Tavares do Livre perguntou aos membros da comissão “como veem, em relação à confissão, que haja uma resistência em relação à denúncia de crimes que são conhecidos no âmbito da confissão, mas por outro lado também haja crimes cometidos no próprio âmbito da confissão também”.

"Não há aí qualquer coisa que, ao não bater certa, tenha de ser mudada pela Igreja para sentirmos mais confiança no diálogo entre autoridades civis e eclesiásticas?”, questionou Tavares.

Na resposta, o coordenador da antiga CI também aludiu “à importância de alterar o segredo da confissão, porque ela também prevista noutras estruturais profissionais, incluindo a dos próprios médicos quando há questões que se sobrepõem a tudo isto”.

Por sua vez, Laborinho Lúcio também se manifestou favorável à alteração do segredo da confissão, mas lembrou que “há obstáculos enormes do ponto de vista do direito canónico” e referiu que “essa é uma decisão interna da Igreja”.

Cardeal Patriarca rejeita abrir exceção

D. Manuel Clemente rejeita que se abra uma exceção no segredo de confissão para a denúncia de casos de abuso sexual e afirma que é por causa desse mesmo segredo que muitas pessoas acabam por revelar o que lhes aconteceu.

“O segredo da confissão é para nós absoluto. O Papa Francisco nisto é determinante. Aliás, devo dizer-vos que é por causa do segredo da confissão que muitas pessoas desabafam, exatamente porque sabem, que é segredo”, afirmou perante os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde foi igualmente ouvido esta tarde.

O cardeal patriarca garantiu, por outro lado, que o sacerdote, quando ouve “alguma coisa destas em segredo de confissão", tem "a obrigação de dizer às pessoas que se está a confessar, agora o senhor ou a senhora vai à autoridade competente dizer o que aconteceu porque isto é um crime público”.

“Isto acontece na confissão e não aconteceria fora da confissão se as pessoas não contassem com o segredo da confissão.”

O cardeal patriarca deixou ainda claro que, atualmente na Igreja, sempre que um caso de abuso é conhecido é de imediato comunicado às autoridades.

D. Manuel Clemente reforçou que, quando “as pessoas se abeiram de nós para falar de coisas da vida, e dizem: 'Eu venho falar consigo, mas isto é como se fosse em confissão', temos a certeza que é exatamente porque as pessoas contam com isso (segredo) que muitos desses casos começam a ser tratados, porque depois, muitas vezes, as pessoas saem dali e com a nossa indicação dirigem-se à autoridade policial e apresentam a situação”.

“Mais do que isso nós não podemos fazer. Nós não podemos levar à polícia, mas dizemos que há esse dever”, acrescentou, antes de sublinhar que "é absolutamente impensável que alguém na Igreja saiba de uma situação destas (abuso) e a cale".

O que diz a nova lei do Vaticano

Numa nota de enquadramento desta questão, a Agência Ecclesia escreve que a nova lei do Vaticano para a proteção de menores e pessoas vulneráveis determina a obrigatoriedade de denúncia de casos de abusos, excetuando as situações ligadas, precisamente, ao “sigilo sacramental”.

O confessor que violar diretamente esse sigilo incorre, de forma automática, em pena de excomunhão, de acordo com o Direito Canónico; a mesma pena é reservada a quem captar por meios técnicos o que for dito entre penitente e confessor.

A 1 de julho de 2019, o Vaticano publicou um novo documento sobre o chamado “segredo de Confissão”, a que está obrigado qualquer membro do clero católico, considerando que este sigilo não pode ser anulado por pressões políticas ou jurídicas.

A nota do Tribunal da Penitenciaria Apostólica (Santa Sé) considerava que “qualquer ação política ou iniciativa legislativa que vise forçar a inviolabilidade do sigilo sacramental “constituiria uma “ofensa inaceitável” contra a liberdade da Igreja e “uma violação da liberdade religiosa”, incluindo a liberdade de consciência dos cidadãos em causa, tanto penitentes como confessores.

O Vaticano acrescenta que não pode aceitar como condição de absolvição a obrigação de alguém se denunciar à justiça civil, em virtude do princípio ‘nemo tenetur se detegere’ (o direito de não produzir prova contra si mesmo).

CI já tinha sugerido revisão

Recorde-se que no seu relatório, apresentado em fevereiro, a CI já tinha sugerido a revisão da “imposição de sigilo de confissão em matéria de crimes sexuais contra crianças por membros da Igreja Católica”.

Esta terça-feira, na resposta aos deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Pedro Strecht lembrou que, “no nosso estudo, só 4% dos testemunhos deram origem a ação judicial" e que “a maior parte das crianças partem derrotadas quando olham para a expectativa de serem reconhecidas pela Justiça”.

O coordenador da antiga CI disse ainda ter “as maiores dúvidas sobre se a Igreja se coloca ao lado das vítimas, ainda que tenha havido evolução”.

Clemente responde a acusações de "ambivalência" da Igreja

Noutro plano, o cardeal patriarca deixou claro que, “no que diz respeito às posições que nós tomamos no Plenário da Assembleia Plenária da CEP e que depois a Presidência da Conferência Episcopal leva por diante, em relação a isso não há ambivalência".

D. Manuel Clemente respondia ao deputado André Ventura do Chega, que citou o coordenador da antiga Comissão Independente para o Estudo dos Abusos na Igreja que, também hoje, tinha sugerido perante a mesma comissão parlamentar que “a reação dos bispos ao relatório foi ambivalente”.

O prelado referiu que se Pedro Strecht “se estava a referir a que nem todos agimos e reagimos da mesma maneira, que não temos a mesma sensibilidade e a mesma estratégia em relação aos casos, isso é humano e isso também aconteceria nesta sala em relação ao que quer que fosse”.

“Mas no que diz respeito às posições que nós tomamos no plenário da assembleia da CEP e que depois a Presidência da Conferencia Episcopal leva por diante, em relação a isso meus amigos não há ambivalência”.

“Podemos discutir, podemos caso a caso perguntar se esta é a melhor maneira, mas em relação às decisões da Assembleia Plenária não há ambivalência possível. E se houvesse não seria significativa porque a coisa andava por diante”, reforçou.

Indemnizações poderiam ser "insultosas"? Cardeal esclarece

Entretanto, D. Manuel Clemente esclareceu ainda as polémicas afirmações, quando disse, na Sé de Lisboa, que as indemnizações às vítimas poderiam ser insultuosas, garantindo que a nenhuma vítima faltará apoio.

“Quando eu disse que poderia parecer insultuoso ligar a questão do dinheiro e das indeminizações à questão das vítimas fiz apenas eco daquilo que o dr. Pedro Strecht nos tinha dito na Conferência Episcopal”, começou por explicar.

O cardeal patriarca sublinhou que Strecht tinha dito que “nenhum dos queixosos pediu ou falou de indeminização”.

“Ligar a questão a indeminização pecuniária à atitude que as pessoas tiveram de desabafar poderia ser insultuoso por causa de elas não terem querido ligar. Foi apenas isso que eu quis dizer. Não sei se o adjetivo foi o melhor, mas era a isso que me estava a referir”, prosseguiu, deixando contudo muito claro que “nada disto quer dizer de maneira nenhuma que seja restringido qualquer tipo de apoio a qualquer vítima que seja”.

[atualizado às 18h58]

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