28 abr, 2023 - 12:25 • Aura Miguel, enviada à Hungria , Olímpia Mairos
O Papa Francisco alertou, esta sexta-feira, para os perigos de uma Europa dividida e cada vez mais distante dos fundamentos que conduziram à sua criação, apelando ao empenho de todos no sentido de evitar conflitos.
No seu primeiro discurso na Hungria, Francisco apontou Budapeste como cidade de história, cidade de pontes e cidade de santos, cidade que não é apenas uma capital elegante e viva, mas também um lugar central na história, testemunha de significativas viragens ao longo dos séculos. "Esta cidade está chamada a ser protagonista do presente e do futuro."
Recordando que Budapeste surgiu em 1873, a partir da união de três cidades: Buda e Óbuda, a oeste do Danúbio, com Pest, localizada na margem oposta, o Santo Padre declarou que “o nascimento desta grande capital no coração do continente faz lembrar o caminho rumo à unidade empreendido pela Europa, onde a Hungria encontra o seu alvéolo vital”.
“No pós-guerra, a Europa constituiu, juntamente com as Nações Unidas, a grande esperança para o objetivo comum de um vínculo mais estreito entre as nações que evitasse novos conflitos. E todavia, no mundo em que vivemos, a paixão pela política comunitária e pelo multilateralismo parece não passar duma linda recordação do passado: parece-nos assistir ao triste ocaso do sonho coral de paz, enquanto avançam os solistas da guerra”, lamentou.
Segundo Francisco, em geral, parece ter-se “desintegrado o entusiasmo por edificar uma comunidade das nações pacífica e estável, enquanto se demarcam as zonas, sublinham as diferenças, voltam a rugir os nacionalismos e exasperam-se os juízos e tons de uns contra os outros”.
“A nível internacional, parece até que a política se proponha como efeito inflamar os ânimos em vez de resolver os problemas, esquecendo a maturidade alcançada depois dos horrores da guerra e regredindo para uma espécie de infantilismo bélico”, sinalizou.
Ora, na visão de Francisco, “a paz não virá jamais da prossecução dos próprios interesses estratégicos, mas de políticas capazes de olhar ao conjunto, ao desenvolvimento de todos: atentas às pessoas, aos pobres e ao amanhã; e não apenas ao poder, aos lucros e às oportunidades do presente”.
“Nesta conjuntura histórica, a Europa é fundamental”, defendeu Francisco, lembrando que graças à sua história, “representa a memória da humanidade” e, por isso, “está chamada a desempenhar o papel que lhe corresponde: unir os distantes, acolher no seu seio os povos e não deixar ninguém para sempre inimigo”.
Para isso, defendeu o Papa, “é essencial reencontrar a alma europeia: o entusiasmo e o sonho dos pais fundadores, estadistas que souberam olhar para além do seu tempo, das fronteiras nacionais e das necessidades imediatas, gerando diplomacias capazes de restabelecer a unidade, não de ampliar as ruturas”.
"Nesta fase histórica, os perigos são muitos; mas eu pergunto-me, pensando também na martirizada Ucrânia, onde estão os esforços criativos de paz?"
Partindo do exemplo das pontes de Budapeste, Francisco aproveitou para lembrar que “as pontes unem realidades diversas”, e apontou para a “importância duma unidade que não signifique uniformidade”.
“Também a Europa dos 27, construída para criar pontes entre as nações, precisa da contribuição de todos sem diminuir a singularidade de ninguém”, defendeu.
Citando um dos pais fundadores da Europa, que preconizava que esta ‘existirá e nada se perderá daquilo que fez a glória e a felicidade de cada nação’ e que ‘é precisamente numa sociedade mais ampla, numa harmonia mais forte, que o indivíduo se pode afirmar’, Francisco observou que “há necessidade desta harmonia: dum conjunto que não amachuque as partes, e de partes que se sintam bem integradas no conjunto”, valorizando o que a este respeito se afirma na Constituição húngara: ‘A liberdade individual só se pode desenvolver na colaboração com os outros’; e ainda: ‘consideramos que a nossa cultura nacional seja um rico contributo para a multicolorida unidade europeia’.
“Penso, pois, numa Europa que não seja refém das partes, tornando-se presa de populismos autorreferenciais, mas também que não se transforme numa realidade fluida, gasosa, numa espécie de supranacionalismo abstrato, alheio à vida dos povos”.
O Santo Padre abordou, depois, “o caminho nefasto das «colonizações ideológicas», que eliminam as diferenças, como no caso da chamada cultura do género, ou então antepõem à realidade da vida conceitos redutores de liberdade, quando, por exemplo, se alardeia como conquista um insensato «direito ao aborto», que é sempre uma trágica derrota”.
“Ao contrário, como é belo construir uma Europa centrada na pessoa e nos povos, onde haja políticas eficientes para a natalidade e a família, cuidadosamente implementadas neste país, onde nações diversas sejam uma família em que se preserva o crescimento e a singularidade de cada um”, disse Francisco.
E aqui o Papa deu como exemplo a ponte mais famosa de Budapeste – a das correntes – afirmando que ela “ajuda- nos a imaginar uma Europa parecida, formada por muitos e grandes anéis diferentes, cuja solidez depende da firmeza dos vínculos estabelecidos entre si”.
“Para isso muito contribui a fé cristã, podendo a Hungria servir de «construtora de pontes» graças ao seu específico carácter ecuménico: aqui convivem sem antagonismos diferentes Confissões, colaborando respeitosamente, com espírito construtivo”, disse.
Reportando-se ao testemunho de vida do primeiro rei da Hungria – Santo Estevão – que viveu numa época em que estavam em plena comunhão os cristãos na Europa, o Papa defendeu que “os valores cristãos não podem ser testemunhados com rigidez e isolamento, porque a verdade de Cristo inclui mansidão e gentileza segundo o espírito das Bem-aventuranças”.
“Aqui se radica aquela bondade popular húngara, subjacente a certas expressões da linguagem comum, tais como «jónak lenni jó [é bom ser bom]» e «jobb adni mint kapni [é melhor dar do que receber]»”, disse.
Depois de agradecer às autoridades “pela promoção das obras caritativas e educacionais inspiradas por tais valores e nas quais se empenha a comunidade católica local, bem como pelo apoio concreto a tantos cristãos provados no mundo, especialmente na Síria e no Líbano”, Francisco sinalizou que “uma profícua colaboração entre Estado e Igreja, para ser fecunda, necessita de salvaguardar bem as devidas distinções”.
“É importante que cada cristão se lembre disto, tendo como ponto de referência o Evangelho, para aderir às opções livres e libertadoras de Jesus e não se prestar a uma espécie de colateralidade às lógicas do poder”, disse.
“Deste ponto de vista, é boa uma sã laicidade, que não descaia naquele laicismo generalizado que se mostra alérgico a todo e qualquer aspeto sacro para depois se imolar nos altares do lucro. Quem se professa cristão, impelido pelo exemplo das testemunhas da fé, é chamado principalmente a dar testemunho e a caminhar com todos, cultivando um humanismo inspirado pelo Evangelho e que se orienta sobre duas linhas fundamentais: reconhecer-se filho amado do Pai e amar a cada um como irmão”, acrescentou.
E servindo-se mais uma vez do exemplo de Santo Estevão, que “deixou ao filho palavras de fraternidade extraordinárias, afirmando que «adorna o país» quem a ele chega com línguas e costumes diversos”, Francisco admitiu que “o acolhimento é um tema que suscita muitos debates” e “é, sem dúvida, complexo”.
“Todavia, para quem é cristão, a atitude de fundo não pode ser diferente daquela que Santo Estêvão transmitiu, depois de a ter aprendido de Jesus, que Se identificou com o estrangeiro carecido de acolhimento (cf. Mt 25, 35)”, disse o Papa.
“Vendo Cristo presente em tantos irmãos e irmãs desesperados que fogem de conflitos, pobreza e mudanças climáticas, é preciso enfrentar o problema sem desculpas e sem demora. É tema que deve ser enfrentado juntos, em comunidade, até porque, no contexto em que vivemos, mais cedo ou mais tarde as consequências repercutir-se-ão sobre todos”, alertou.
"Por isso é urgente, como Europa, trabalhar em vias seguras e legais, em mecanismos partilhados face a um desafio epocal que não se pode travar rejeitando-o, mas deve ser acolhido para preparar um futuro que, se não for de todos em conjunto, não existirá. Isto chama a intervir em primeira linha quem segue Jesus e quer imitar o exemplo das testemunhas do Evangelho".
A presidente da Hungris, Katalin Novák, dirigiu-se ao Papa "com dor e esperança".
"Nós, húngaros, quase podemos tocar a devastadora realidade da guerra. Estamos a fazer de tudo, no limite de nossas possibilidades, para ajudar o milhão e meio de pessoas que fogem da Ucrânia para aqui, vemos a dor de famílias dilaceradas, ouvimos o choro de mães em luto pelos seus filhos. Entre eles também os das mães húngaras da Transcarpática. Vemos injustiça. Queremos proteger os nossos valores e o nosso futuro comum. Mas nós, mães, queremos antes de tudo ganhar a paz, não a guerra", declarou a chefe de Estado.
"Os húngaros e milhões de pessoas em todo o mundo vêem em si um homem de paz. Esperam que possa falar. Falar com Kiev e Moscovo, com Washington, Bruxelas, Budapeste e com todos aqueles sem os quais não pode haver paz. Aqui em Budapeste, pedimos a benevolência de interceder pessoalmente por uma paz justa o mais rápido possível", apelou Novák.
Depois do encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomática da Hungria, no ex-Mosteiro Carmelita, Francisco termina o dia com um encontro com os bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, seminaristas e agentes da pastoral na Concatedral de Santo Estêvão.
No sábado, o Papa fará uma visita privada às crianças do Instituto "Beato László Batthyány-Strattmann", pelas 7h45.
Às 9h15, terá um encontro com os pobres e refugiados na igreja de Santa Elizabeth da Hungria. O país já recebeu um milhão de refugiado da guerra da Ucrânia.
Pelas 10h30, Francisco fará uma visita à Comunidade greco-católica, na Igreja "Proteção da Mãe de Deus". Já às 15h30, há um encontro com jovens húngaros na "Papp László Budapest Sportaréna".
O dia termina às 17h00, com um encontro privado com os membros da Companhia de Jesus na Nunciatura Apostólica.
Por fim, no domingo, o Papa estará presente na Santa Missa na Praça Kossuth Lajos, que começará pelas 8h30, e fará a homília.
Às 15h, haverá espaço para um último encontro na Faculdade de Informática e Ciências Biónicas da Universidade Católica "Péter Pázmány".
Francisco deverá abandonar Budapeste às 17h de domingo, e deverá regressar a Roma já perto das 19h00.