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Muçulmanos e evangélicos

JMJ vai permitir desmistificar e falar com outras religiões

24 jul, 2023 - 13:08 • João Pedro Quesado

A Jornada Mundial da Juventude anunciou-se aberta às confissões religiosas não católicas. Mas como é possível esse diálogo num evento que celebra a fé católica?

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Um evento com o potencial de levar a uma cidade um milhão de jovens de uma só religião poderia antagonizar as comunidades de outras religiões. Mas não é isso que está a acontecer com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa.

Fundada em 1968, a Comunidade Islâmica de Lisboa está habituada ao convívio com uma sociedade maioritariamente católica. É com tranquilidade, por isso, que o sheik David Munir vê o aproximar da Jornada Mundial da Juventude.

“Quero desejar as boas-vindas ao Santo Papa. É uma pessoa humilde, uma pessoa do povo. A Comunidade Islâmica vê com bom agrado a vinda de uma figura carismática, religiosa, espiritual para os católicos ao nosso país”, diz o imã da Mesquita Central de Lisboa, para quem os jovens devem “aproveitar ao máximo” a oportunidade e “criar uma espiritualidade”.

Mais antiga, já centenária, a Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) partilha do sentimento, e não fica indiferente ao evento. Congregadora de quase todas as igrejas evangélicas em Portugal, não tem uma “natureza eclesiástica” - ou seja, não “tutela” as várias igrejas, que formam “os seus próprios corpos” com autonomia, explica Timóteo Cavaco.

Talvez por isso, afirma o presidente da direção da Aliança, “não foi propriamente pedido um envolvimento direto” da organização na JMJ, apenas a “representação” da mesma em alguns eventos. Compete a cada “igreja, a cada organização, avaliar a sua participação ou não” no evento que decorre entre 1 e 6 de agosto.

Apesar de saber que algumas igrejas e organizações membros da AEP têm sido contactadas e vão participar na JMJ, Timóteo Cavaco não consegue ainda quantificar essa participação por parte do movimento evangélico.

Dialogar durante um evento

O padre Peter Stilwell - responsável, na organização da JMJ, por coordenar as iniciativas abertas a outras confissões religiosas -, esclarece que “não se pode dizer que tenha havido convite às comunidades em sentido próprio”, porque o convite do Papa é para os jovens.

“Naturalmente, alguns dos jovens que se sentem mobilizados - por eles ou pelo seu grupo de colegas - são de outras tradições religiosas”, o que resulta das relações “muito boas” atualmente existentes entre comunidades religiosas em Portugal, declara o também diretor do departamento para relações ecuménicas e o diálogo interreligioso do Patriarcado de Lisboa.

As comunidades, por sua vez, demonstram ter “todo o interesse em que os seus jovens respirem o entusiasmo com a experiência religiosa em ambiente de Jornada Mundial”, conta o padre Peter Stilwell, exemplificando com os bispos anglicanos que se vão deslocar a Lisboa para acompanhar grupos de jovens da sua confissão cristã.

São seis os eventos que, durante a semana da JMJ, vão envolver outras confissões religiosas, desde uma oração pela Unidade e pela Paz na Igreja de São Domingos à plantação de seis árvores no Jardim Botânico Tropical – uma árvore para cada uma das “grandes famílias religiosas”: o Taoísmo, o Hinduísmo, o Budismo, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islão.

Entre estas iniciativas está também a proposta aos jovens católicos de visitarem os lugares de culto das comunidades judaica, islâmica, ismaili e hindu, assim como “igrejas associadas aos encontros e desencontros entre religiões e culturas”: a Sé de Lisboa e as igrejas de São Domingos e de São Roque.

A Comunidade Islâmica já tinha recebido, até à penúltima semana antes da JMJ, mais de 60 pedidos de marcação de visitas à Mesquita Central de Lisboa. Receber visitas não é nada estranho para o sheik Munir, que o faz “há 38 anos”, e a abordagem durante a JMJ vai ser a mesma que é aplicada em visitas de escolas e instituições no resto do ano.

Entre a desmistificação e a hospitalidade

“Tentamos explicar o que é o Islão. Tentamos desmistificar algumas ideias que as pessoas têm sobre o Islão. Damos tempo às perguntas. Nós somos transparentes, mostramos tudo”, conta o imã, salientando que também é possível assistir a orações, se quiserem.

A Mesquita Central também vai acolher 50 peregrinos católicos nas suas instalações, depois de uma articulação com a Junta de Freguesia de Campolide. A intenção não é receber para “islamizar”, mas sim conversar e mostrar que a hospitalidade também é um valor do Islão.

São estas ocasiões que fazem da JMJ uma oportunidade quer para todo o diálogo interreligioso, como para o diálogo ecuménico entre as várias confissões cristãs.

“Qualquer iniciativa em que se promova o conhecimento do outro é importante, quer do outro religioso, quer do outro ideológico”, considera Timóteo Cavaco, para quem “o diálogo é sempre importante”. Mas o presidente da Aliança Evangélica diz que “não é nos grandes eventos”, nem nas “grandes proclamações”, que são construídas “mais pontes”.

Não pondo de lado que a JMJ possa ser uma oportunidade para o fazer, Timóteo Cavaco, que lidera a AEP há pouco mais de um ano, aponta o diálogo “entre pessoas, entre famílias” e às “pequenas iniciativas locais” que vão construindo “o conhecimento do outro”.

À margem da Jornada, o Papa Francisco terá um momento para se encontrar com dirigentes das outras comunidades religiosas – algo que faz parte de uma programação “fora dos grandes eventos mediáticos”.

A abertura mostrada em setembro de 2022 pode, assim, dar frutos e estender o diálogo entre várias religiões aos mais jovens.

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