02 ago, 2023 - 16:49 • João Pedro Quesado
No dia da chegada, o primeiro discurso do Papa Francisco, perante as autoridades civis e religiosas no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, era aguardado para perceber os temas da visita de Estado e peregrinação à Jornada Mundial da Juventude (JMJ). O alerta para a cultura do descarte, teorizada por Francisco desde o início do pontificado, apareceu resumido numa palavra: eutanásia.
“Paradoxalmente, tornou-se prioritário defender a vida humana, posta em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam”, declarou Francisco, antes de referir o aborto – as “crianças não-nascidas” - e os idosos abandonados a si mesmos.
Apontando à “dificuldade de acolher, proteger, promover e integrar quem vem de longe e bate às nossas portas, no desamparo em que são deixadas muitas famílias com dificuldade para trazer ao mundo e fazer crescer os filhos”, o Papa questionou para onde navega a Europa e o Ocidente, com “o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios”.
“Para onde ides”, interrogou o Santo Padre, “se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cómoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar?”
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A cultura do descarte é um tema recorrente do pontificado de Francisco, presente em discursos, exortações apostólicas e encíclicas pelo menos desde 2015, quando lançou a famosa Laudato Si’, em que também fala do conceito da ecologia integral.
O que é essa cultura? É algo que afeta “tanto os seres humanos excluídos como as coisas que se convertem rapidamente em lixo”, e que se manifesta no sistema industrial que, ao contrário dos ecossistemas naturais, “não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos”.
Mas é, também, uma cultura que age “sobre a vida das pessoas”, e que se reflete no “crescimento desmedido e descontrolado” de cidades, na “privatização dos espaços”, nos efeitos laborais de inovações tecnológicas, e nas dinâmicas da comunicação social, explicou Francisco na encíclica Laudato Si.
Foi depois de alertar, no discurso no Centro Cultural de Belém, para as “leis sofisticadas sobre a eutanásia”, que o Papa começou a falar dos jovens, motivo para “esperar”.
Com jovens oriundos de todo o mundo, “que cultivam anseios de unidade, paz e fraternidade” e desafiam as autoridades “a realizar os seus sonhos bons”, a Jornada Mundial da Juventude é “uma ocasião para construir juntos”, apesar do “clima de protesto e insatisfação, terreno fértil para populismos e conspirações”.
Para Francisco, o evento “reaviva o desejo de criar coisas novas, fazer-se ao largo e navegar juntos rumo ao futuro”, com os três estaleiros de “construção da esperança” onde é possível trabalhar: o ambiente, o futuro, a fraternidade.
Os jovens, presentes nos três estaleiros – são eles o futuro, diz o Papa -, são quem serve de exemplo para a fraternidade.
Francisco referiu em específico o projeto Missão País, uma iniciativa “que leva milhares de jovens a viver no espírito do Evangelho experiências de solidariedade missionária em zonas periféricas, sobretudo nas aldeias do interior”, reduzindo a solidão sentida pelos idosos.
São os jovens - com “o seu grito de paz e ânsia de vida”, como diz o primeiro peregrino da JMJ - que levam os líderes “a derrubar as rígidas divisórias de pertença erguidas em nome de opiniões e crenças diversas”.