15 set, 2023 - 22:27 • Ana Catarina André
O cardeal D. José Tolentino Mendonça considera que a chegada das relíquias de São Vicente a Lisboa, a 15 de setembro de 1173, faz este ano 850 anos, representou “a cristianização definitiva da cidade”. Na conferência que proferiu esta sexta-feira ao fim da tarde, nos Paços do Concelho, em Lisboa, a propósito da efeméride associada ao padroeiro do patriarcado e da cidade, o prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação afirmou que este momento colocou Lisboa no “mapa das grandes cidades europeias”.
Segundo Tolentino Mendonça, trata-se de um acontecimento que nos desafia a “a assumir o risco de estender o olhar para lá do imediatismo e confrontar-nos com aquilo de que somos herdeiros”.
O cardeal destacou, também, o papel das relíquias na atualidade, dizendo “que emitem uma palavra de verdade, capaz de oferecer um sustento espiritual e ético à ideia de cidade”.
“A relíquia do mártir é capaz de acordar o coração do ser humano para desejos maiores, para metas que não sejam apenas as imediatas e obvias”, sublinhou.
Tratando-se de um “venerando objeto de devoção”, não se limita a esta função, referiu. “Inaugura uma escola da convivência humana, desdobra um código de valores” e tem “a força de relativizar o relativo e abraçar o quinhão de absoluto.”
Numa reflexão centrada em três questões (O que aconteceu na cidade de Lisboa naquele setembro de 1173? A que serviu? Para que nos serve hoje?), o cardeal considerou que predomina nas novas gerações “o sentimento de que não são confirmadas pelas anteriores”.
“Olham para trás e não identificam testemunhas, transmissores, mediadores para a passagem que devem fazer de uma margem a outra”, disse, explicando que “integrar o ser humano numa história, é dizer-lhe: ‘Tu és isto, tu és parte de um passado, ou de um futuro, tu és coprotagonista de uma história comum”.
“Hoje todos corremos, mas sem passarmos o testemunho, sem dizermos ao outro que lhe cabe correr por nós e em nosso nome, sem investi-lo desse capital de confiança que lhe permitirá ser. Mergulhamos assim culturalmente numa crise de transmissão, e temos de reconhecer que, como indivíduos e sociedade, ficamos mais desprovidos e desorientados”, frisou.
D. Tolentino Mendonça citou, ainda, o discurso do Papa Francisco, no Centro Cultural de Belém, a 2 de agosto, em que “responsabiliza Lisboa” como “cidade do encontro”, “cidade do Oceano”, “capital mais ocidental da Europa” e “capital do futuro”.
No final da conferência organizada pelo Cabido da Sé e pela Câmara Municipal, D. Rui Valério, patriarca de Lisboa, disse à Renascença que o ano jubilar vicentino, que agora se inicia, numa fase pós Jornada Mundial da Juventude, “é um momento de grande atualidade”, “um projeto de missão” e um desafio a “fazermo-nos ao largo”.
“Quando as relíquias chegaram a Lisboa há 850 anos foi um momento de um recomeço, de uma esperança, da certeza de que uma nova vida estava a ser inaugurada e eu gostaria de fazer um paralelismo com este que momento que estamos a viver no rescaldo da JMJ”, disse.
Trata-se, segundo D. Rui Valério, de uma ocasião a "assinalar, também por esta acutilância que nos traz, no sentido de os jovens de hoje – como para os de outrora – verem em São Vicente um companheiro de viagem, um desafio a ir, a sair”.