Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Meeting Lisboa 2023

"Não quero uma guerra em meu nome", diz cofundadora da associação russa Memorial

12 nov, 2023 - 21:47 • Alexandre Abrantes Neves

Criada nos anos 1980, a associação Memorial quer homenagear os prisioneiros dos campos de concentração sovéticos. Sobre a guerra na Ucrânia, Elena Zhemkova diz ainda ter esperança para o fim da invasão russa.

A+ / A-

“Fico indignada por estarem a fazer uma guerra em meu nome. Não quero." As palavras são de Elena Zhemkova, matemática russa e cofundadora da Associação Memorial, organização oriunda da Rússia dedicada à defesa dos direitos humanos e que venceu o Prémio Nobel da Paz em 2022.

Na sessão de encerramento do Meeting Lisboa 2023, esta tarde na Gare Marítima de Alcântara, Elena defendeu que o desrespeito pelos direitos humanos “não é uma situação nova na Rússia” – e recordou o “horror” vivido nos gulags, campos de concentração soviéticos, que levaram à fundação da Memorial.

“Quando eu descobri o que se passava nos gulags, senti-me envergonhada. Como é que eu, pessoa de sucesso aos 26 anos, não sabia da verdade de milhões de pessoas? Senti logo que tinha de fazer alguma coisa por aquelas pessoas”, explicou.

"Temos de dar rosto a cada uma das vítimas"

E assim, no final dos anos 1980 e ainda antes do colapso da União Soviética, começou a associação Memorial, com o objetivo de “encontrar dados rigorosos sobre o Estalinismo e que, até aquele momento, não existiam por causa do medo, da censura e da autocensura”.

Foi precisamente a partir dos arquivos desta associação que se montou a exposição “Homens, apesar de tudo”, o grande destaque da edição deste ano do Meeting Lisboa. Contou com relatos das vidas de prisioneiros e com fotografias de alguns dos seus objetos – exemplo de “coragem” e que Elena classifica como “uma lição”.

“Quanto mais eu leio estas histórias, mais me espanto como é que eles se puderam salvar. Por isso, é que é tão importante termos testemunhos concretos na exposição. Os números e os milhões importam, mas cada pessoa é uma unidade de história. Temos de dar rosto a cada uma das vítimas."

Esperança, apesar da guerra

Já Marta dell’Asta, da Fundação Rússia Cristã e também oradora na sessão de encerramento do Meeting Lisboa 2023, destacou a “busca pela verdade” feita pela Memorial e confessa que, apesar da União Soviética já ser um país “longínquo”, vê na exposição ainda “alguns pedaços daquilo que nós somos atualmente”.

Apesar de o arquivo estar recheado de histórias de “mal e violência”, Marta diz que a exposição não se tornou num “museu de horrores”, mas sim numa forma de “procurar a semente do bem, em homenagem a todos os prisioneiros”.

E foi exatamente em honra de todos os que sofrem com a guerra na Ucrânia que a associação Memorial se posicionou contra a invasão pelas tropas russas – opinião que levou a que as autoridades do Kremlin extinguissem a organização em dezembro de 2021. Ainda que se tenha mudado para Berlim, para fugir à opressão no seu próprio país, Elena continua a olhar para o futuro com esperança.

"Esta exposição é um milagre porque, a partir dos testemunhos destas pessoas, se consegue subverter a lógica do mal"

A minha esperança reside nas pessoas, inclusivamente nas pessoas que não conheço – por exemplo, toda a gente que montou este evento. Tenho também muita esperança em todos os meus amigos e na vontade que todos temos para fazer ainda mais do que aquilo que já fizemos com o Memorial. E, por fim, na minha família, que está espalhada por Moscovo, Odessa e até Varsóvia”, esclarece.

Sobre a esperança, Marta dell’Asta acrescenta que este sentimento não significa que o “mal espalhado pelo mundo” vai acabar definitivamente.

“Esta exposição é um milagre porque, a partir dos testemunhos destas pessoas, se consegue subverter a lógica do mal. Mas isso não significa que o ser humano vá parar de errar – simplesmente tem o poder de recomeçar sempre depois de um erro. De questionar tudo e começar do zero”, remata.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+