21 mar, 2024 - 23:30 • Ana Catarina André
O cardeal D. Manuel Clemente considera que na década de 1970 “o mundo estava feito demais entre ideologias sólidas que davam azo a regimes sólidos”. “Hoje as coisas não estão assim”, disse o patriarca emérito de Lisboa, à margem da apresentação do livro “Cristianismo e Marxismo em debate dos anos 70”, que decorreu esta quinta-feira, na Capela do Rato, em Lisboa.
A obra, coordenada pelo jornalista José Pedro Castanheira, recupera um colóquio organizado pela Juventude Universitária Católica (JUC) a 19 de janeiro de 1974, entre o padre João Resina Rodrigues, um dos assistentes religiosos da JUC, e o filósofo Mário Sottomayor Cardia, mais tarde ministro da Educação. Duas figuras que D. Manuel Clemente descreve como “espíritos abertos”, pessoas “capazes de ouvir e perceber o que outro queria dizer” “num ambiente de crispação marcado pela situação política” do país.
O patriarca emérito de Lisboa lembra, ainda, que "ao contrário do Marxismo que teve a sua principal concretização na União Soviética, mas acabou; o Cristianismo mantém-se hoje”.
Além de D. Manuel Clemente, a apresentação, moderada pela historiadora Ângela Barreto Xavier, contou com a participação de Francisco Louçã, fundador e antigo líder do Bloco de Esquerda.
Sublinhando a importância do debate entre o padre João Resina e Sottomayor Cardia, Louçã lembrou que o contexto de então era marcado pela guerra colonial que “marcava a reflexão de cristãos e marxistas e, em geral, da esquerda portuguesa e dos democratas”.
“O padre João Resina criticava os bispos portugueses e fê-lo muito acesamente, sobretudo pela cumplicidade com a ditadura. Queria encontrar uma Igreja que tivesse um sentido mais próximo da palavra”, disse Francisco Louçã, considerando que o diálogo continua hoje e dando como exemplo o debate recente entre cristãos e marxistas organizado sob a égide do Papa Francisco.
O livro editado pela UCP Editora nasceu durante a pandemia, quando o jornalista José Pedro Castanheira decidiu organizar o seu arquivo pessoal, construído ao longo de 50 anos de atividade profissional.
“Encontrei uma pasta com uma série de transcrições de colóquios organizados pela JUC, nos primeiros meses de 1974, portanto, antes do 25 de Abril, e abri-a com imensa curiosidade”, recorda, contando que fez parte da JUC a partir de 1970/1971.
“Eram três colóquios que nós da JUC tínhamos gravado. Um deles, realizado em janeiro de 1974, era sobre as relações entre cristianismo e marxismo. Poderá um católico ser marxista? Será que um católico pode militar em partidos socialistas e em partidos comunistas? Era um debate interessantíssimo que acho que ainda mantém alguma atualidade e seguramente muito interesse”, sublinha José Pedro Castanheira.