08 abr, 2024 - 11:00 • Aura Miguel
Um novo documento do Vaticano, intitulado “Dignitas Infinita” e publicado esta segunda-feira pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, condena a teoria do género, a maternidade de substituição e outras violações da dignidade humana.
O documento pretende esclarecer o “conceito imprescindível da dignidade da pessoa humana no seio da antropologia cristã”. Demorou cinco anos a ser preparado e inclui ensinamentos do magistério do Papa proferidos os últimos anos.
O elenco das preocupações do Papa é longo, mas não exaustivo, e não esquece as questões bioéticas. O documento inclui, entre as violações da dignidade humana, além do aborto e da eutanásia, a maternidade de substituição, a guerra, o drama da pobreza e dos migrantes, o tráfico de pessoas, a teoria de género e a violência digital.
O objetivo do texto é ajudar a superar a dicotomia que existe entre os que se concentram mais na defesa da vida, esquecendo muitos outros atentados contra a dignidade humana e, vive-versa, os que só se interessam pela defesa dos pobres e migrantes, esquecendo que a vida deve ser defendida desde a concepção até à morte natural.
O texto opõe à dignidade humana “tudo aquilo que é contrário à própria vida, como toda espécie de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário” e que também atentam contra a dignidade e integridade da pessoa “as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e à mente, as constrições psicológicas”.
As condições de vida sub-humana, os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, as ignominiosas condições de trabalho com as quais os trabalhadores são tratados como simples instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis, integram também a lista.
O documento condena ainda a pena de morte e a tortura e pede maior dignidade aos que se encontram encarcerados, muitas vezes obrigados a viver em condições indignas.
A aceitação do aborto nos costumes e na lei “é sinal eloquente de uma perigosa crise do sentido moral, que se torna sempre mais incapaz de distinguir entre o bem e o mal, mesmo quando está em jogo o direito fundamental à vida”.
Neste contexto, o documento pede “a coragem de encarar a verdade e de chamar as coisas pelo seu nome, sem ceder a compromissos de comodidade ou à tentação do auto-engano".
O Vaticano lamenta “a difusão de uma terminologia ambígua, como aquela de ‘interrupção da gravidez’, que tende a esconder sua verdadeira natureza e a atenuar sua gravidade na opinião pública".
"Talvez este próprio fenómeno linguístico seja sintoma de um mal-estar das consciências”, aponta.
A maternidade de substituição “afronta totalmente a dignidade fundamental de todo ser humano e o seu direito de ser sempre reconhecido por si mesmo e não como instrumento para outros fins”. Trata-se de uma decisão que "viola, antes de tudo, a dignidade da criança” e também “viola a dignidade da mulher que se submete a tal prática”.
O texto do Dicastério para a Doutrina da Fé diz que o Papa considera “deplorável esta prática que lesa gravemente a dignidade da mulher e do filho”, uma vez que “uma criança é sempre um dom e nunca objeto de um contrato” e pede maior empenho à comunidade internacional para proibir a nível universal tal prática”.
No caso da eutanásia e do suicídio assistido, “a violação da dignidade humana é mais silenciosa, mas está a ganhar muito terreno”, alerta o Vaticano.
No fundo, utiliza-se “um conceito errado de dignidade humana” para atacar a própria vida. “Por exemplo, as leis que reconhecem a possibilidade da eutanásia ou do suicídio assistido designam-se às vezes como ‘leis da morte digna’, mas deve-se reafirmar com força que o sofrimento não faz perder ao doente aquela dignidade humana que lhe é própria de modo intrínseco e inalienável."
Neste caso, os cuidados paliativos são decisivos e é fundamental reafirmar que “a vida é um direito, não a morte, a qual precisa ser acolhida, não aplicada”. Acrescenta-se: "Este princípio ético se refere a todos, não só aos cristãos ou aos que têm fé."
O documento do Dicastério para a Doutrina da Fé reafirma que as pessoas homossexuais não podem ser discriminadas nem alvo de violência e condena os locais onde “estas pessoas são presas e torturadas, devido à sua orientação sexual”. No entanto, o texto critica a teoria do género “que é perigosíssima porque cancela as diferenças na pretensão de tornar todos iguais”.
A teoria do género “tenta negar a maior das diferenças possíveis entre os seres vivos: a diferença sexual. Tal diferença é não só a maior, mas a mais bela e a mais potente: na dualidade homem-mulher, ela alcança a mais admirável reciprocidade e é assim a fonte daquele milagre, que não deixa de surpreender-nos, qual é a chegada de novos seres humanos ao mundo”, esclarece o texto.
Por isso, “devem-se rejeitar todas as tentativas de obscurecer a referência à insuprimível diferença sexual entre homem e mulher: Não podemos separar o que é masculino e feminino da obra criada por Deus, que é anterior a todas as nossas decisões e experiências e onde existem elementos biológicos que não podem ser ignorados”.
O documento acrescenta que “qualquer intervenção de mudança de sexo normalmente se arrisca a ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da concepção". Isto não significa excluir a possibilidade que uma pessoa portadora de anomalias nos genitais, “já evidentes desde o nascimento ou que se manifestem sucessivamente, possa decidir-se por receber assistência médica com o fim de resolver tais anomalias”.
Outra das preocupações manifestada no “Dignitas Infinita” é a da manipulação, exploração e violência na web e nos meios de comunicação digitais, que “podem expor-nos ao risco de dependência, de isolamento e de progressiva perda de contacto com a realidade concreta e até impedir o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas.
“Novas formas de violência difundem-se através das redes sociais, por exemplo o cyberbullying; a web é também um canal de difusão da pornografia e de exploração das pessoas para fins sexuais ou através dos jogos de azar”, lamenta a Santa Sé.
“Dilui-se o respeito pelo outro e assim, ao mesmo tempo em que o apago, ignoro e mantenho à distância, posso invadir a sua vida, sem nenhum pudor, até ao extremo. Tais tendências representam um lado obscuro do progresso digital. Nesta perspectiva, a tecnologia deve servir à dignidade humana, e não causar-lhe dano."