20 jun, 2024 - 00:46 • Ana Catarina André
D. José Tolentino Mendonça considera que “não podemos simplesmente delegar o futuro nas mãos de um processador de algoritmos”. Na cerimónia em que recebeu o Prémio Pessoa 2023, o prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação, defendeu a necessidade de as sociedades dependerem “das convicções e dos sonhos de comunidades sensatas e não de um pilotamento automático”.
“A inteligência artificial para estar realmente ao serviço das pessoas deve ser associada a uma inteligência que não é a das máquinas, mas é a multímoda inteligência humana que torna, por exemplo, possível em nós o espanto e a poesia; a gratidão e o perdão; a alegria, a compaixão ou o amor”, disse o cardeal português, acrescentando que, como escreveu Alberto Caeiro, “o amor é uma companhia”.
No discurso, o cardeal e poeta considerou que “a ampliação da esperança de vida” é “talvez a construção mais extraordinária do nosso tempo”. “Pela primeira vez na história tornou-se habitual que contemporaneamente convivam seis gerações e isso representa um património imenso de que tardamos a ganhar consciência”, referiu, dizendo que “não basta alongar a esperança de vida”.
De acordo com D. José Tolentino Mendonça, “precisamos de trabalhar num projeto de sociedade que privilegie a ativação da esperança e a deseje fraternamente repartida, acessível a todos, protagonizada por todos”. “Estou convencido de que tal acontecerá na medida em que ganharmos consciência do papel crucial que representa a comunidade, cujo lugar deve ser reabilitado. Comunidade que, por sua vez, é feita de uma constelação de comunidades, saudavelmente diversas, mas com competências para estabelecer interseções justas, diálogos abertos e colaborativos, possibilidades e práticas de reconhecimento e de encontro”, adiantou.
Na cerimónia na Culturgest, em Lisboa, em que recebeu o Prémio Pessoa, D. José Tolentino Mendonça foi ainda condecorado pelo Presidente da República com a grã-cruz da Ordem Sant'Iago da Espada.
“A singularidade de José Tolentino Mendonça está na dependência daquilo a que designaria como um princípio poético. Não me refiro apenas à sua poesia publicada que fez dele um dos poetas maiores da sua geração e do Portugal contemporâneo. Estou a pensar num certo propósito, num certo tom, num certo afeto ou afeição que encontramos nas crónicas como nas homilias, nos diálogos como nos discursos, nas entrevistas como nos ensaios bíblicos, ou nas meditações, o princípio de um humanismo transfigurado, atento aos detalhes e aos enigmas da vida concreta de todos – mas mesmo todos – e entrevendo sempre a hipótese, o desejo ou a certeza do Divino”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.
Antes da cerimónia, em declarações aos jornalistas, D. José Tolentino Mendonça sublinhou a importância de “tudo aquilo que seja possível fazer para estimular o papel da criação na nossa sociedade”, de “tudo o que puder ser apoio aos artistas e ao mundo da cultura”. “Penso que isso é muito importante para que a cultura não seja um parente pobre, mas seja de facto aquilo que é: um fator extraordinário de desenvolvimento e aproximação entre as pessoas.”
O cardeal e poeta destacou, ainda, que “um prémio é sempre uma expressão da atenção que os outros oferecem à nossa vida”. “Tenho uma gratidão muito grande, porque cada um de nós é uma obra dos outros, e sentindo o carinho e o acompanhamento que as pessoas fazem do meu percurso, quer na cultura, quer na vida religiosa, sinto naturalmente uma força muito grande que me é dada e quero naturalmente retribuir essa responsabilidade com que me investem”.
O Prémio Pessoa, pela segunda vez atribuído a uma figura da Igreja em Portugal (o primeiro a recebê-lo foi D. Manuel Clemente), tem o valor de 60 mil euros e será entregue a uma instituição de solidariedade social que trabalha com adolescentes e jovens. O júri distinguiu a forma “notável e diversificada” da atividade intelectual de D. José Tolentino Mendonça, que “projeta uma visão do mundo norteada por uma espiritualidade que pretende acolher, compreender e transcender as dilacerações, conflitos e sofrimentos da Humanidade”.