20 out, 2024 - 09:30 • Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)
O bispo de Tete, D. Diamantino Antunes, lamenta “os excessos” que são cometidos em cada ato eleitoral em Moçambique diz que as eleições “são momentos de tensão que abalam a convivência nacional”.
Em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia, o bispo garante que esses “excessos” são provocados por “falta de transparência e do cumprimento das regras”.
D. Diamantino Antunes afirma que “mesmo com observadores, as eleições em Moçambique” não ficam livres de “suspeitas”, o que provoca sempre “muita tensão e muito conflito”. Ainda assim, o bispo de Tete acredita que o processo eleitoral não irá ser causa de conflitos generalizados, lembrando que as Igrejas e outras organizações alertaram para a necessidade de se respeitar “o bem comum acima dos interesses partidários”.
Neste Dia Mundial das Missões, em que no Vaticano é canonizado do padre José Alamano, o fundador dos Missionários da Consolata, D. Diamantino Antunes, oriundo da congregação, diz que os vencedores das eleições de 9 de outubro precisam de “ter uma visão de futuro e não governar apenas pensando nos interesses partidários ou de grupo”.
O bispo de Tete, que é natural de Albergaria dos Doze, concelho de Pombal, sublinha que há regiões e províncias de Moçambique “muito ricas em recursos naturais, mas onde o desenvolvimento humano está muito atrasado”.
O prelado lembra, por exemplo o efeito das alterações climáticas que, praticamente, tornaram anuais os fenómenos naturais que, no passado, “ocorriam de dez em dez ou de vinte em vinte anos” e, por isso, sublinha o dever de todos em “ter atenção e cuidado na salvaguarda da natureza”.
D. Diamantino confirma a existência de dificuldades no apoio aos deslocados de Cabo Delgado e diz que “a situação que lá se vive é ainda de grande incerteza”.
"O grande problema é que não sabemos quem está por trás desta insurgência. Com quem falar, com quem dialogar e até quando vai continuar esta situação”, lamenta.
No dia da canonização do padre José Alamano, o bispo de Tete lembra o percurso do fundador da sua congregação, que continua a ter “muito a dizer à missão e fez muito pela missão”.
D. Diamantino Antunes sublinha também o exemplo de ser missionário do Papa Francisco lembrando o seu esforço por chegar aos quatro cantos do mundo, apontando o exemplo recente da deslocação “à Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura”.
“De facto, para as condições de saúde que tem, para a idade, foi uma viagem muito esgotante, mas com muita alegria, com muita festa, com muito futuro, com muita esperança”, assinala.
"Devemos ter muita atenção e cuidado na salvaguarda da natureza"
Partiu como missionário para Moçambique e, há cinco anos, que é bispo da Diocese de Tete. Como é que tem sido esta experiência?
Boa, boa. São já mais de 25 anos como missionário em Moçambique, primeiro como sacerdote, agora como bispo, sempre missionário, e tem sido uma experiência muito fecunda, uma aprendizagem. Ao mesmo tempo, deu-me a possibilidade de testemunhar a alegria do Evangelho com os nossos irmãos, com os quais temos muito em comum. Estamos longe geograficamente, também culturalmente, mas temos laços históricos e, depois, na Igreja não há fronteiras.
O ministério episcopal na Diocese de Tete passa mais pelo terreno do que pelo Paço, não é?...
Sim, estou pouco tempo sentado no Paço, porque a Diocese de Tete tem uma extensão muito grande. São 101 mil quilómetros quadrados, estamos a falar de uma Diocese que tem um território muito superior ao de Portugal continental e insular, com grandes distâncias e com lugares onde as vias de comunicação praticamente não existem. São 41 missões, um território muito vasto e eu assumi o compromisso de visitar metade das missões em cada ano, em visita pastoral.
A visita pastoral dura uma semana. Contando que, de janeiro até abril, não podemos sair por causa das chuvas, praticamente a maior parte do tempo estou em visita às missões, estou em contacto direto com os missionários, com as comunidades, não só para celebrar o Crisma, que é, de facto, também um elemento importante da visita pastoral, mas sobretudo para animar e juntos fazermos a missão.
"Se chove, há abundância e, normalmente, há produção. Se chove pouco ou se chove fora do tempo, há, de facto, fome"
É uma Igreja muito diferente daquela que encontramos na Europa. Há um caminho a fazer no sentido de, como tem pedido o Papa, se deixar de pensar o catolicismo apenas desde um ponto de vista ocidental e acolher a experiência de outras partes do mundo? O atual sínodo pode ajudar nesse esforço?
Eu penso que sim, se o Sínodo não se limitar apenas a documentos, mas já o Sínodo em si é uma experiência de sinodalidade, de comunhão, de participação, um modo muito diferente, uma metodologia diferente dos sínodos anteriores. Estou a vir também de Roma, da visita "Ad Limina". Os bispos de Moçambique tiveram esta visita, que se faz de cinco em cinco anos, ao Papa e a todos os organismos da Santa Sé.
No encontro que tivemos, que foi um encontro, não foi apenas uma coisa protocolar, mas foi um encontro entre pastores, em que cada um de nós pôde apresentar a sua experiência, o Papa também partilhou a sua. Se a Igreja de Moçambique tem algo de ensinar ou partilhar - e tem - é uma experiência de uma Igreja jovem, uma Igreja ministerial, laical, onde a dimensão sinodal está muito forte, como opção, mas também, sobretudo, em resposta a situações históricas que levaram a Igreja a ser entregue nas mãos dos leigos. Eles assumiram protagonismo, sobretudo no tempo pós-independência, do comunismo e, depois, durante a Guerra Civil, mas isso não foi uma medida oportunista. Esta Igreja ministerial de pequenas comunidades continua hoje, apesar de termos mais sacerdotes.
É uma questão debatida no Sínodo, sobretudo relativamente ministério ordenado, e obviamente há diferenças culturais muito significativas. Este discurso tem de ser adaptado quando se fala de África? Em particular, como exemplo concreto, o papel dos catequistas é uma experiência de compromisso laical que é preciso valorizar também noutros locais?
Claro, nós temos de partir da teoria, daquilo que é o magistério da Igreja e daquilo que são as intuições do Conselho Vaticano II, de uma Igreja povo de Deus, comunhão, participação. E, depois, responder. Os textos têm de se encarnar num contexto, devem nascer num contexto e encarnar-se num contexto.
"Estou pouco tempo sentado no Paço, porque a Diocese de Tete tem uma extensão muito grande"
A situação pastoral que se vive na Europa exige isso hoje, não só porque há menos sacerdotes. Vamos dar lugar, importância e maior responsabilidade aos leigos, mas a vocação própria do batizado é ser missionário, ser testemunha, ser empenhado. A questão é estar em missão e essa missão, de facto, deve ser partilhada e vivida por todos, por todos. Aliás, a mensagem do Papa para o Dia Mundial das Missões, para este domingo, acentua verdadeiramente essa dimensão de que a missão é de todos, é para todos. “Ide e convidai todos ao banquete."
Então, temos todos uma responsabilidade e o bispo, na sua diocese, deve ser o animador dos animadores, deve ser o catequista dos catequistas, deve, sobretudo, também animar os leigos para um compromisso em todas as áreas da pastoral.
Quando foi nomeado bispo de Tete, a região tinha sido atingida por uma catástrofe natural. Moçambique é um país, particularmente, exposto a fenómenos meteorológicos extremos...
Sim, no ano de 2019 fomos afetados pelo ciclone Idai, mas, entretanto, já tivemos outros. É algo cíclico. Aquilo que acontecia no litoral de Moçambique de dez em dez ou de vinte em vinte anos, agora, já se está a tornar quase anual. E não apenas na zona litoral, que é mais afetada pelos ciclones e pelas correntes, mas também o interior.
São os efeitos das alterações climáticas?
São os efeitos das alterações climáticas, levando a anos de muita chuva, que causa inundações, que causa problemas, e anos de pouca chuva. Por exemplo, há dois anos choveu imenso, houve inundações. Este ano não choveu. Estamos a falar de um país que é maioritariamente agrícola, as pessoas vivem da agricultura, agricultura de subsistência, e dependem da chuva. Se chove, há abundância e, normalmente, há produção. Se chove pouco ou se chove fora do tempo há, de facto, fome.
As alterações climáticas atingem populações que são de si pobres...
Sim, sim. Devemos ter muita atenção e cuidado na salvaguarda da natureza. E em Moçambique também temos muito que fazer, embora não seja um país muito poluidor, não é? Porque não temos indústria, mas há queimadas descontroladas, há uso abusivo dos terrenos, há desflorestação. Tudo isso também contribui essas mudanças climáticas.
"O bispo, na sua diocese, deve ser o animador dos animadores, deve ser o catequista dos catequistas"
Moçambique tem estado no centro de atenção mediática, nos últimos anos, por causa do que se passa com os ataques terroristas em Cabo Delgado, no norte do país. Isso foi agora, aliás, referido também nos trabalhos do Sínodo. Teme que uma diminuição da atenção da comunidade internacional possa fragilizar ainda mais estas populações? Quem vive no terreno está protegido?
Bom, já passaram sete anos do início dessa insurgência, é muito tempo, é muito tempo. Esta insurgência tem causado muito sofrimento. Fala-se de cinco mil mortos, milhares e milhares de deslocados, muitos dos quais não puderam ainda voltar para as suas terras e, possivelmente, não voltarão tão depressa. É evidente que as atenções do mundo não estão viradas para aquele contexto social, bélico, estão viradas para outros lugares, sobretudo para a Ucrânia e para o Médio Oriente.
Mas a pergunta é: esteve em algum momento virada para esse conflito a comunidade internacional?
Esteve quando houve ataques contra interesses das multinacionais e onde havia presença de não-moçambicanos. Aí, sim, falou-se deste conflito e ele teve maior repercussão.É o Santo Padre quem, de vez em quando, recorda estes conflitos esquecidos e o Santo Padre tem-no feito em relação a Cabo Delgado, diversas vezes. Está preocupado, não apenas com as palavras, também com ajudas efetivas.
A situação que se vive lá é ainda de grande incerteza e o grande problema é que não sabemos quem está por trás desta insurgência. Com quem falar, com quem dialogar e até quando vai continuar esta situação…
"Nota-se uma diminuição dos apoios (…) as pessoas vão procurando ajudar-se entre si"
Olhando para a situação dos deslocados internos, os parentes pobres da migração - porque não saíram do país, mas saíram das suas casas - há compromisso no terreno? A ajuda humanitária está a chegar a estas pessoas?
Diminuiu bastante. Claro, a primeira ajuda a louvar, e isso é muito grande, é a ajuda intrafamiliar. Estes deslocados, muitos deles foram acolhidos por famílias já numerosas que abriram as suas portas e deram o apoio inicial. A Igreja, através de diversas instituições e organismos, tem tido também um papel muito importante no acolhimento, no apoio material e também espiritual, psicológico.
Mas, de facto, nota-se uma diminuição dos apoios. As pessoas estão a viver situações muito difíceis, muito precárias. Claro, já são pessoas que vivem situações pobres, é diferente de alguém que vive num contexto mais rico e tem de passar por esta experiência de deslocado, um sofrimento muito forte. As pessoas vão procurando ajudar-se entre si. Com o apoio que vem de fora, tentamos ajudar e, nesse aspeto, as dioceses - porque não é só Cabo Delgado, mas as dioceses vizinhas, que acolheram muitos deslocados -, têm trabalhado nisso. Cada diocese também tem feito algo - pelo menos, ao menos sensibilizar os cristãos para ajudar todos.
A Conferência Episcopal Moçambicana deixou uma mensagem a respeito das eleições gerais de outubro, pedindo a participação e o respeito pelas decisões da população. Como é que acompanhou o processo? Já surgiram algumas denúncias de irregularidades em mesas de voto...
Sim, já. E também, um pouco, de violência, concretamente na minha diocese, na cidade de Matisse. Vivi todo este ciclo democrático em Moçambique, várias eleições. Hoje ,não digo que estou um pouco desanimado ou desiludido, mas vejo que, infelizmente, a democracia está mais no papel do que na prática.
"[As eleições] livres são. Talvez não sejam justas"
As eleições, em vez de serem um momento de reflexão, de decisão, de construir futuro, são momentos de tensão e abalam, digamos assim, a convivência nacional. Isso é provocado por excessos de ambas as partes, sobretudo por uma falta de transparência e de cumprimento das regras. De facto, mesmo com observadores, as eleições em Moçambique, geralmente, são afetas de...
Não são livres e justas?
Livres são. Talvez não sejam justas, no sentido em que, no momento da contagem, há sempre suspeitas - reais, ou talvez aumentadas - de que há enchimento de urnas. Os resultados não são aqueles verdadeiros, são alterados, adulterados. Então, é um momento de muita tensão, de muito conflito, desde as primeiras eleições...
Teme que esse clima possa levar a violência?
Eu espero que não, espero que não. Tanto que, um dos trabalhos que a Igreja Católica, juntamente com outras igrejas e outras organizações, tem feito é o apelo, de facto, à vivência deste tempo muito delicado, com atitudes positivas e colocar, em primeiro lugar, o bem comum, a unidade, o respeito mútuo, acima daquilo que são os interesses partidários ou as reivindicações justas que possam existir. É sempre um momento delicado, mas penso que são aqueles momentos de tempestade que depois passarão.
Então, qual ou quais serão os grandes desafios dos vencedores?
Os grandes desafios passam por saber ter uma visão de futuro e não governar apenas pensando naquilo que são os interesses partidários ou de grupo. É ter, no fundo, uma visão do país no seu conjunto, inclusiva, a pensar em todos e em servir o povo. Servir o povo, isto é, procurar resolver os problemas das pessoas e não pensar apenas nos interesses de grupo ou de algumas regiões, mas no país como um todo.
Sabemos que as guerras são provocadas pelo descontentamento das pessoas, sobretudo quando se veem injustiçadas, quando a riqueza que o país tem não é dividida de modo equitativo e justo. Nós temos regiões e províncias de Moçambique muito ricas em recursos naturais, mas onde o desenvolvimento humano, de facto, está muito atrasado.
"A Igreja, como o Papa nos repetiu aqui, em Portugal, é de todos e é para todos"
Vamos voltar agora ao tema do Dia Mundial das Missões, por um motivo muito simples. Chegou a Moçambique como missionário do Instituto da Consolata, cujo fundador é canonizado este domingo. Falo, claro, do Beato José Alamano. Imagino que é um momento especial para o senhor. O que representa esta figura para a Igreja hoje?
É muito especial porque, sem dúvida, o padre José Alamano tem muito a dizer à missão e fez muito pela missão. Ele era um padre diocesano, nunca saiu de Itália, nunca saiu da sua diocese e teve essa intuição de fundar dois institutos Ad Gentes, para a evangelização da África. Quando teve essa ideia, fundou os missionários da Consolata, em 1901, e as missionárias para completar esse serviço em 1910. Começamos no Quênia, em 1902. Em 1915, Etiópia; em 1919, Tanzânia; em 1925, Moçambique. O dia de hoje, o Dia Mundial das Missões, era uma intuição que ele teve.
Em 1912, animando outros superiores gerais de institutos missionários, propôs ao Papa Pio X que houvesse um domingo no ano onde toda a Igreja pudesse rezar, refletir e ajudar as missões. O projeto de um Dia Mundial das Missões não passou com o Papa Pio X, porque tinha outras preocupações e estava já no final do seu pontificado.Essa ideia foi recuperada em 1927 pelo Papa Pio XI. A celebração, este ano, é 98º domingo das missões, porque foi em 1927.
No que me diz respeito e à minha diocese, o Beato Alamano, tem uma particularidade: o último grupo de missionários que enviou para a África, já muito doente, próximo da morte, abençoou-o já no leito, na cama, doente, ia para Moçambique. Os missionários da Consolata, o primeiro grupo de missionários da Consolata foi enviado para Moçambique e para a diocese Tete, que ainda não existia como diocese. Não havia nenhuma diocese em Moçambique, então. Foi em outubro de 1925. Portanto, no próximo ano faz 100 anos. Ele faleceu em fevereiro de 1926. Para mim, foi um grande missionário, não saindo do seu país, mas tendo o coração aberto à missão da Igreja.
"O martírio é uma dimensão original e sempre presente na vida da Igreja"
E o Papa Francisco, que apesar das suas dificuldades, não se escusa a ir ao encontro, a estar próximo, é também, desse ponto de vista, exemplo do ser missionário?
Certamente que sim, porque as últimas duas visitas que ele fez foram muito difíceis. Uma, pela distância. Estamos a falar da Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste, Singapura. De facto, para as condições de saúde que tem, a idade, de facto, foi uma viagem muito esgotante, mas com muita alegria, com muita festa, com muito futuro, com muita esperança. O Luxemburgo e a Bélgica, mais próximo, mas com outros problemas.
E, particularmente, a Bélgica que foi muito tenso...
Tenso, sim. Mas teve a coragem de ir, e ir a outros lugares também, sem dúvida, complicados, mas onde precisa da sua presença.
Falámos da canonização do Padre José Alamano. Eu queria falar, muito brevemente, de vários projetos em que está muito empenhado, pessoalmente, de processos de canonização de mártires, em Moçambique: Mártires da Guiuá e até tenho um livro à minha frente sobre os Mártires da Chapultera. Qual a importância de recordar estas pessoas concretas, estes católicos que deram a sua vida ao serviço da fé?
Porque o martírio é uma dimensão original e sempre presente na vida da Igreja. A Igreja é una, santa, católica, apostólica e, também, material. E a Igreja de Moçambique, de facto, também tem essa dimensão de testemunho. O mártir é aquele que testemunha, que dá a vida pela sua fé, pelo seu Evangelho.
Estamos a falar de duas causas que são de pessoas que deram a vida por aquilo em que acreditavam. Os catequistas de Guiúa, os mártires de Guiúa são um grupo de famílias de catequistas, portanto, leigos, que estavam a formar-se num centro catequético para servir a Igreja, servir melhor a Igreja. Foram torturados, foram mortos, por causa da sua fé. Os mártires de Chapultera são dois missionários jesuítas, um moçambicano, o padre João Deus Canteza, e um português, o padre Sílvio Alves Moreira, que foram uma presença importante no contexto de guerra, de violência e também do comunismo. Souberam defender o povo, promover a paz, foram homens de fé, caridade e muita coragem. Por isso, é necessário que o exemplo deles seja conhecido, porque, evidentemente, precisamos de exemplos. Sobretudo a Igreja em África precisa de modelos de santidade e de martírio próprios do continente. E Moçambique em particular.
"Penso que a missão é uma janela aberta que nos faz ver mais longe e também receber ar fresco que precisamos, que é o ar do Espírito Santo"
O Dia Mundial das Missões é um desafio para que todas as comunidades católicas despertem para esta dimensão de anúncio e evangelização. Sente que se perdeu algum dinamismo em Portugal nesta capacidade de ir ao encontro de outros povos ou a missão ganhou novas formas?
A missão ganhou novas formas, porque a missão também é aqui e, sem dúvida, há exemplos de presenças muito significativas, expostas a novos desafios pastorais atuais. E temos também a presença de não cristãos no nosso território. Nesse aspeto, sim, é um caminho sempre aberto e a melhorar. No que diz respeito ao Espírito Missionário, essa dimensão Ad Gentes, sem dúvida, diminuiu. Eu penso que diminuiu.
Quando éramos menos e tínhamos menos possibilidades, acho que fomos mais longe e fizemos muito mais. E hoje podemos, temos outros meios. Aquilo que não podemos é fechar-nos em nós mesmos e nos nossos problemas.
Eu penso que a missão é uma janela aberta que nos faz ver mais longe e também receber ar fresco que precisamos, que é o ar do Espírito Santo.
Nesse sentido, começa a sentir-se que esta lógica histórica, cultural de a Europa ser ponto de partida de missionários se está a inverter. A Europa poder ser um destino específico de missão também para estas igrejas em crescimento noutros continentes?
Boa pergunta. Eu estou a vir de Évora, da arquidiocese de Évora, que é uma diocese missionária no sentido de que é um território missionário, mas aberta à missão. Este ano enviei para Évora quatro seminaristas que estão a estudar Filosofia e Teologia no seminário e a arquidiocese recebeu também um missionário. Temos lá jovens seminaristas de Angola, de Timor-Leste, de Cabo Verde, de Cuba e agora também de Moçambique. E enviei um sacerdote, também este ano, para trabalhar na Arquidiocese de Évora, em Samora Correia, já próximo Lisboa, que está a fazer mestrado em Direito Canónico na Universidade Católica e, ao mesmo tempo, está a servir pastoralmente na paróquia. É um exemplo e há outros em Portugal de abertura à missão, de colaboração. E também a igreja de missão, que foi objeto de missão, hoje já começa a ser sujeito de evangelização e devemos dar do muito que recebemos.
Para fecharmos, olhando para a forma como as comunidades da sua diocese vivem a fé, o que gostaria que as comunidades portuguesas pudessem aprender com elas?
Sobretudo a alegria de ser cristão e o compromisso. E deixar para trás aquela visão de que a igreja é dos outros, é do padre, é do bispo. Há que assumir mais o seu compromisso batismal, ser igreja, porque a igreja, como o Papa nos repetiu aqui, em Portugal, é de todos e é para todos.