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Religião

Mais de um ano depois da JMJ, que eco têm as palavras do Papa Francisco?

20 out, 2024 - 08:00 • Ana Catarina André

No fim-de-semana em que os jovens de todo o país se reúnem em Lisboa, no Rejoice, o encontro nacional que assinala o primeiro ano da JMJ de Lisboa, o Patriarca de Lisboa lembra que o discurso do Papa aos bispos, sacerdotes e consagrados deixou linhas orientadoras para a Igreja em Portugal. Ouvimos também a maestrina Joana Carneiro, a embaixadora Ana Martinho, o pastor anglicano Iain Bendrey e dois voluntários.

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Na primeira semana de agosto de 2023, quando a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) se instalou em Lisboa, durante quase uma semana, D. Rui Valério, então bispo das Forças Armadas, já sabia que seria o próximo Patriarca de Lisboa – a nomeação tornou-se pública uns dias depois da JMJ. Hospedado na zona da Praça de Espanha, juntava-se todos os dias aos jovens que se juntavam na zona, num parque, para rezar.

“Havia aquela preocupação: Como é que agora vamos manter esta chama acesa daqui para a frente? [A jornada] foi um irradiar de luz, de fogo, de entusiasmo, de esperança. Estou recordado que logo nas primeiras semanas e nos primeiros dias, após a minha tomada de posse, era essa a tónica do que eu ia dizendo”, lembra D. Rui Valério.

Dos discursos do Papa, ao longo dos cinco dias em que esteve em Portugal, para se reunir com jovens de todo o mundo, D. Rui Valério revela que as palavras que Francisco dirigiu aos bispos, sacerdotes e religiosos, na oração de vésperas, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.

“Interpelou-nos fortemente a lançarmos novamente a rede, a fazermo-nos ao largo. Fez um maravilhoso diagnóstico da Igreja, quando falou de cansaço, sobrecarga de trabalho, mas apontou ao essencial da Igreja hoje: ser momento, ocasião e fator de anúncio do Evangelho. É lançar aquele desafio da missão. É aquela coragem de levarmos uns aos outros aquilo que é o nosso sustento, de consentirmos que os outros possuam e obtenham a mesma luz que nos ilumina que é Cristo”, refere. “Este encontro nos Jerónimos e este alerta para o zelo da missão para mim foi programático. Deu-nos as linhas programáticas que devem orientar e conduzir a Igreja em Portugal no presente e no futuro.”

Olhando para o último ano, o Patriarca de Lisboa, lembra as “inúmeras iniciativas que os jovens têm abraçado, proposto e realizado” desde então. “Temos a realidade dos campos de jovens missionários. Tivemos como nunca uma adesão à missão país. Surgiu, entretanto, outro projeto, o Copos com Fé, que galvaniza e reúne tanta juventude. Nas paróquias, as jornadas foram um momento para reativar muitos grupos de jovens. Em Lisboa, estamos a promover uma experiência missionária de um ano, mas quisemos que resulte de uma experiência a montante de profunda comunhão com Jesus e, portanto, de oração.”

E garante: “A Jornada Mundial da Juventude veio dar-nos uma criatividade para levarmos em frente aquilo que o Papa Francisco nos deixou, por exemplo, na Universidade Católica, quando nos pediu para não sermos administradores de medos, mas promotores e realizadores de sonhos”.

Uma Igreja aberta a toda a gente

Mais de um ano depois da JMJ, numa altura em que os jovens se reúnem para o encontro nacional Rejoice, que assinala a efeméride, são muitos os que lembram as palavras de Francisco com emoção. É o caso de Isabel Mónica que fez parte da direção artística responsável pelas celebrações do acolhimento, da via-sacra e da vigília. A jovem de 31 anos, licenciada em Estudos Gerais, recorda como se comoveu ao ver que “aquilo que, há uns tempos, eram rabiscos num papel”. “Passei os eventos centrais no backstage. O Papa estava do outro lado da parede. Às vezes, via o Ensemble 23, ou seja, os dançarinos e os atores passarem por mim para estarem com o Papa.” E confessa: “Tive de ir à base da minha generosidade e do meu desprendimento para me lembrar qual era o meu papel. Às vezes, foi um bocadinho duro, mas no encontro dos voluntários, no último momento do último evento, o Papa saiu pelo backstage e pude cumprimentá-lo. Apertei-lhe a mão, lavada em lágrimas, e agradeci-lhe a coragem por tudo o que fez. É um enorme exemplo de fidelidade ao Evangelho”. Da JMJ de Lisboa fica-lhe também a “simplicidade” de que a Igreja é feita. “O Papa Francisco é mestre em lembrar-nos que a Igreja parte do que é simples”, diz.

Naquela semana que trouxe a Lisboa um milhão e meio de jovens, quem também esteve no altar-palco foi a maestrina Joana Carneiro que dirigiu o coro e a orquestra da JMJ. “Para mim, há um antes e um depois da jornada. Tem a ver com a música, claro que sim, mas com a possibilidade de, através da música, ter esta proximidade ao espírito, com esse lado tão importante da minha vida e creio da humanidade em geral”. A artista, que é também conselheira de estado, recorda particularmente as palavras de Francisco sobre “olhar o outro”, e “apoiar os que estão em baixo para os levantarmos do chão”. Joana Carneiro destaca também a mensagem de que a Igreja é uma “comunidade aberta a toda a gente”. E diz: “A prática musical em conjunto poderá ser um reflexo dessas palavras tão simples, mas que vão ao encontro de uma vida tão prática do dia-a-dia, e dessa palavra que também ressoou: a palavra de encontro que tem a ver com a Jornada Mundial da Juventude, de nos encontramos uns com os outros, mas encontrarmo-nos por uma razão muito especial”.

Recordando com “gratidão” a experiência na JMJ, que diz ainda ser difícil exprimir por palavras, Joana Carneiro conta que no início da Via-Sacra, o Papa aproximou-se do coro. “Não me apercebi desse momento, porque estava a dirigir o coro e a orquestra. A solista comoveu-se, mas achei que era natural. Depois, vi várias pessoas a chorar, e aí apercebi-me que tínhamos o Papa Francisco mais perto do que era habitual.”

“Lisboa transformou-se no mundo inteiro”

Para que fosse possível que peregrinos de todo o mundo viessem a Lisboa, a estrutura organizativa da JMJ criou uma equipa dedicada às relações internacionais, da qual fez parte a embaixadora Ana Martinho. Como se reformou na fase de preparação do evento, aceitou o convite para integrar este grupo como voluntária, um trabalho de contacto com a rede diplomática portuguesa que realizou durante quase dois anos. “Lisboa transformou-se no mundo inteiro – estavam cá peregrinos de todo o mundo. Foi uma semana de paz, solidariedade, alegria, espiritualidade. Não houve problemas. É possível um mundo assim”, diz, destacando o privilégio que sentiu por trabalhar com jovens de 24, 25 anos. “A JMJ deixou-me uma enorme confiança na geração mais nova”, sublinha, recordando o convite deixado pelo Papa a não ter medo e a confiar.

Ana Martinho, que foi também assessora para as Relações Internacionais, no primeiro mandato do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lembra que a JMJ não foi apenas um encontro da Igreja Católica. “Era aberto a todos – era isso que o Papa queria”, diz, dando conta que outras religiões e credos estiveram presentes. “É uma ideia absolutamente necessária hoje. Cada um pode ser uma fé, uma crença, mas há qualquer coisa de comum que deve mover-nos a todos e que esteve naquela semana em Lisboa”, afirma a diplomata, que atualmente colabora com a Universidade Católica.

A harmonia de que Ana Martinho fala foi visível, por exemplo, nos encontros entre anglicanos e católicos que se realizaram na zona da Estrela, no centro de Lisboa. Iain Bendrey, capelão assistente da Igreja anglicana de São Jorge, em Lisboa, acompanhou alguns desses momentos que reuniram cerca de 250 jovens. “Relacionaram-se muito bem. Os jovens gostam de aprender juntos e partilhar as suas histórias”, diz Iain Bendrey, sublinhando que “não se viu muitas diferenças” entre católicos e anglicanos.

De acordo com este responsável anglicano, o Papa Francisco deixou em Lisboa uma mensagem de inclusão. “O Papa Francisco quer que as diferentes Igrejas e as diferentes denominações trabalhem juntas, para garantir que, independentemente daquilo em que se acredita, cada pessoa se sinta incluída na Igreja. Sei que há na Igreja Anglicana algumas questões relativamente a isso, mas tentamos trabalhar sempre para sermos uma Igreja que inclua todos”, diz à Renascença.

Entre os jovens ficaram também recordações emotivas, como é o caso de Josué Teixeira Asseiceiro, de 23 anos, que foi voluntário na paróquia da Apelação, em Loures. “Deus tem um amor que me define. Não são os outros. É o olhar que Deus tem para comigo que importa”, constata ao recordar o encontro mundial de jovens. Mas há mais: na sequência da JMJ, este professor resolveu dar um passo importante. “Durante a JMJ, eu e a minha namorada falámos muito sobre casamento. Em julho deste ano, fiz o pedido.”

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