01 dez, 2024 - 09:30 • (Renascença) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)
A presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome (FPBACF), Isabel Jonet, afirma em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia que "as pessoas não gostam de ser pobres", mas, por vezes são obrigadas a "a procurar esquemas que lhes permitam sobreviver".
A responsável defende, por isso, mais rigor na "forma como estão a ser atribuídos todos os subsídios" para que "as pessoas queiram e tenham capacidade de dar a volta à sua vida".
Isabel Jonet entende que os apoios sociais "perpetuam a situação de assistencialismo e de pobreza" e reforça a ideia de que "as pessoas se habituam a viver com os mínimos" e perdem "a ambição de exigir mais e melhor".
Neste fim de semana em que decorre mais uma campanha de recolha do Banco Alimentar Contra a Fome, Isabel Jonet insiste na necessidade de os pobres não viverem conformados e propõe uma abordagem diferente.
"É necessário segmentar as várias situações de pobreza, ou seja, tratar a situação dos reformados com pensões baixas de uma maneira, tratar a situação dos sem-abrigo de outra maneira”, aponta.
“Em Portugal, temos uma transmissão intergeracional da pobreza que é elevadíssima e as pessoas parecem, quase, que estão conformadas com isso”, assinala.
"Um quinto das pessoas portuguesas vive com muitas dificuldades"
Jonet aponta também críticas aos responsáveis políticos - de esquerda e de direita - que desconhecem a realidade da pobreza, declarando-se "espantada com o desconhecimento que revelam".
"O contacto com a realidade não faria mal a alguns políticos", sentencia.
A presidente da FPBACF dá o exemplo do que se disse sobre a realidade dos bairros sociais e, em particular, dos recentes incidentes registados na Amadora: "Ouvi comentários que revelam um total desconhecimento do que é a vida nesses bairros."
Isabel Jonet reforça também a sua preocupação em relação ao número de trabalhadores pobres que “vem aumentando de forma preocupante”, não percebendo "muito bem como é que isto se vai resolver”.
A responsável da FPBACF lamenta que nem todos sigam as recomendações do Papa Francisco para o combate à pobreza e diz que em muitas situações "as instituições em vez de colaborem" fazem disputas. Falta de articulação no terreno e são as "próprias entidades que não querem que se mude o 'status quo'."
"Estas campanhas não se podiam fazer sem um número enorme de voluntários"
Que apelo deixa aos que neste fim de semana se dirigem às compras e ainda hesitam em contribuir para a campanha do Banco Alimentar?
Os portugueses conhecem muito bem os Bancos Alimentares, porque, efetivamente, são 21 Bancos Alimentares disseminados por todo o território nacional, continente e regiões autónomas. Isto foi uma rede social real que se foi construindo ao longo dos últimos 34 anos e que tem quase como que um acordo tácito com os portugueses que vão às compras: nós convidamos os portugueses a participar, partilhando um pouco daquilo que vão comprar para a sua casa, mas também - e é muito importante - partilhando um pouco do seu tempo.
Estas campanhas não se podiam fazer sem um número enorme de voluntários. São 40 mil pessoas que, vestindo a mesma camisola, estão em mais de duas mil lojas. Estas pessoas sabem exatamente aquilo que estão a fazer e quem está a doar os alimentos também sabe exatamente aquilo para que está a contribuir: para que outras pessoas possam ter comida na sua mesa.
Esta é uma realidade muito dura, mas é aquela que existe, ainda hoje em dia. Nós temos famílias portuguesas que não têm, todos os dias, aquilo de que precisam para comer. E essas famílias vivem muito desta solidariedade que é ativa, mas que é uma coisa muito interessante: é que todos aqueles que estão a dar, seja o seu tempo sejam os alimentos, não sabem para quem é que estão a contribuir e dão-no de uma forma anónima, mas generosa, porque confiam nos bancos alimentares.
A “casa” Banco Alimentar Contra a Fome alberga cada vez mais pessoas. Ao contrário do que acontece, por exemplo, na questão da crise da habitação, em que pretendemos alojar todas as pessoas que precisam, a Casa Banco Alimentar terá certamente mais sucesso quanto mais vazia ficar. Pergunto: estamos a fazer o necessário para “desalojar” os inquilinos desta casa?
Bom, eu diria que o Banco Alimentar é uma casa com várias moradas. E estas várias moradas são todas as instituições de solidariedade social que, no terreno, ajudam cada uma das famílias. Efetivamente, a nossa taxa de sucesso total era quando pudéssemos encerrar o Banco Alimentar, porque não haveria pessoas a precisar de ajuda. Hoje, não é isso que se passa. Aquilo que vemos é que - infelizmente e apesar de muitas medidas sociais que têm sido tomadas - alterou-se um pouco o perfil das pessoas que pedem ajuda, que precisam de receber ajuda, porque nem todos a pedem. Temos ainda muitas pessoas que dependem da solidariedade de terceiros para poderem chegar até ao fim do mês e ter uma vida mais ou menos digna.
"O contacto com a realidade não faria mal a alguns políticos"
Os números mostram que há mais pessoas em situação de pobreza ou em risco de exclusão social, mas falou de uma mudança de perfil. O perfil já não é só o número, é aquilo que define as pessoas. O que é que se está a passar? Por que há um tipo de pessoas diferente a chegar aos bancos alimentares e a pedir ajuda?
Os números também são importantes. Eu, sendo economista, gosto de números porque ajudam a quantificar a situação. Hoje, aquilo que é certo é que um quinto da população portuguesa vive com menos de 525 euros por mês. Ora, isto é tremendo: um quinto das pessoas portuguesas vive com muitas dificuldades.
Hoje, temos um perfil diferente daquele que existia quando cheguei ao Banco Alimentar há 32 anos. Dantes, tínhamos, sobretudo, pessoas idosas, que tinham baixíssimas pensões de reforma, muitas vezes mulheres, viúvas, que não tinham tido uma carreira contributiva, e pessoas que não tinham as competências necessárias para o mercado de trabalho. Hoje, apesar de tudo, a situação dos idosos - não é que tenha melhorado -, está menos má porque, apesar de tudo, temos pensões de reforma muito, muito baixas, mas as medidas sociais têm permitido algum pequeno fôlego a estas pensões mais baixas. E também um conjunto de outras prestações sociais como, por exemplo, com participação na totalidade dos medicamentos, etc. Mas temos hoje trabalhadores pobres, pessoas que têm um trabalho, que têm um salário, que já trabalham num horário completo e, por vezes, andam a saltitar para completar essas horas de trabalho, têm filhos, muitas vezes são mais novas, mas para elas o peso da habitação representa, por vezes, mais de 60% do rendimento disponível. E esse rendimento disponível já de si é muito baixo.
Não conseguem escapar à situação de pobreza, mesmo trabalhando?
Não, não conseguem porque o peso da habitação é muito elevado, mas também porque, quando tentam procurar uma casa mais barata… Estamos a falar de famílias que dividem apartamentos e que têm cada uma um quarto,. No mesmo espaço tem de dormir um casal e os filhos, em colchões. Estas pessoas não vivem de molde a construir uma família que, harmoniosamente, se possa desenvolver enquanto tal.
"Temos uma transmissão intergeracional da pobreza que é elevadíssima e as pessoas parecem quase conformadas com isso"
Tem vindo a chamar a atenção nos últimos tempos para a realidade dos trabalhadores pobres. É uma realidade que está a aumentar? E isso é decorrente da crise da habitação?
Vem aumentando de forma preocupante, porque, como disse, muitas destas famílias têm crianças, mas vem aumentando sem se ver muito bem como é que isto se vai resolver, porque não basta dar dinheiro e dar apoios sociais, porque aquilo que as pessoas precisam é de uma habitação mais condigna, mas sobretudo, de um emprego que não seja precário e com o qual possam ganhar o suficiente para todas as necessidades do seu agregado familiar. Portanto, enquanto a máquina da economia não se puser em marcha, gerando riqueza e, com isto, eu quero dizer criando melhor e mais emprego, não vejo como vamos conseguir dar a volta a esta situação.
Há também um fator que é muito crítico: nós temos, hoje, muitos trabalhadores precários que vivem de biscates e, portanto, para além de um trabalho declarado, têm um emprego fora da economia, mas que exige um esforço muito, muito grande em termos de horário e acabam por andar a correr de um lado para o outro, muitas vezes são as mulheres, descurando aquilo que era necessário, porque não têm capacidade nem alternativa, isto de forma muito realista, para poder levar para casa o dinheiro todo que precisavam para os filhos terem uma vida confortável.
Voltando à realidade da Federação dos Bancos Alimentares, há um aumento no número de pedidos de ajuda?
Eu não diria que os números estão a aumentar, mas que os números não estão a diminuir e é isso que me preocupa: apesar dos apoios sociais e apesar de, ano após ano, se falar disto, de termos estatísticas e sucessivas entidades preocupadas com o tema da pobreza, o número dos pobres não diminui e a taxa de pobreza não diminui. Então, a pobreza alterou-se, o peso que ela tem hoje na sociedade portuguesa é muito, muito elevado.
"Ninguém gosta de ser pobre, só quem é pobre é que sabe a dificuldade que é"
Qual é a perceção que tem sobre a razão de as estratégias não estarem a funcionar?
Por um lado, acho que não conhecemos exaustivamente o problema, mas, sobretudo, há medidas que são transversais, porque tem de ser assim, mas que não são adequadas a algumas das situações que são especiais. O que é que nós estamos a fazer? Estamos a padronizar respostas, muitas vezes dando soluções que não são as mais adequadas e tirando, até, aos apoios sociais a capacidade de intervir onde eles são mais necessários. O Estado tem de ajudar mesmo aqueles que precisam e esses têm de ter um apoio. Para tudo o resto, têm de ser criadas condições para que não precisem. Ora, as medidas sociais que temos hoje perpetuam esta situação de assistencialismo e de pobreza porque as pessoas habituam-se a viver com os mínimos sabendo que, se pedirem apoios onde quer que existam, estes vão acabando por aparecer e as pessoas perdem até uma ambição de exigir mais e melhor.
Penso que há que não descurar esta solidariedade, é por isso que o Banco de Comércio Alimentar faz também estas campanhas, não só para angariar alimentos, mas também para falar da pobreza e desta realidade com a qual não nos podemos conformar. Há que, de forma objetiva, segmentar as várias situações de pobreza e tratar diferente daquilo que é diferente. Tratar a situação dos reformados com pensões baixas de uma maneira, tratar a situação dos sem-abrigo de outra maneira. Mesmo na questão das pessoas sem-abrigo, saber aqueles que estão na rua porque têm problemas de álcool e drogas e aqueles que estão na rua porque não têm casa e trabalho. Segmentar de forma a ir retirando a cada uma destas categorias todas aquelas pessoas ou famílias que se conseguem ir salvando de uma situação que é indigna, mas dando alguma esperança e não trazendo um conformismo para que os pobres achem que há uma transmissão geracional de pobreza que é natural. Em Portugal, temos uma transmissão intergeracional da pobreza que é elevadíssima e as pessoas parecem quase que estão conformadas com isso.
Isso significa que ser pobre é mesmo uma fatalidade no nosso país?
Em muitos casos, é e as pessoas estão conformadas com isso. Nós temos hoje pessoas mais qualificadas, a escolaridade é muito mais elevada e, portanto, as pessoas têm mais conhecimentos e isso deveria significar que têm melhores empregos. Mas o que é que temos? Temos, por vezes, pessoas licenciadas que estão a exercer um trabalho que deveria ser desempenhado por pessoas menos qualificadas. Temos hoje caixas de supermercado que são pessoas licenciadas, que não encontram um lugar para as suas qualificações porque elas são desadequadas e, portanto, estão a retirar pessoas que teriam capacidade e competência para fazer esse trabalho que é mais bem remunerado e estão fora do mercado. Ainda por cima, temos muitos jovens que, se puderem, vão embora de Portugal porque aqui não veem futuro e isso é terrível: pensar que estamos a deixar sair muitos daqueles que podiam ajudar a construir um Portugal mais esperançoso e com um melhor futuro até para as pessoas que têm menos qualificações.
"Ouço muitas pessoas falarem na televisão e na rádio e fico espantada com o desconhecimento que revelam e com a sobranceria com que falam daqueles que têm vidas dificílimas"
Há pouco falava do conformismo das pessoas, mas, provavelmente, não estava a referir ao facto de alguns culparem os pobres por estarem nessa situação…
Toda esta situação cria todo esse ambiente e as pessoas que não gostam de ser pobres. Ninguém gosta de ser pobre, só quem é pobre é que sabe a dificuldade que é. Mas, não vendo a alternativa, as pessoas procuram esquemas que lhes permitam, apesar de tudo, sobreviver nessa pobreza. O nosso olhar tem de ir ao encontro da situação de cada pessoa, pondo-se no lugar, pensando “o que é que eu faria se estivesse nesta situação?”. Se calhar, fazíamos o mesmo, procurando esquemas e procurando, de alguma forma, sobreviver com, por vezes, muito, muito pouco e é isso que se passa em Portugal: temos muitas pessoas que têm de viver de tudo aquilo que conseguem obter para conseguir ter os mínimos. Tínhamos de ser mais rigorosas, até na forma como estão a ser atribuídos todos os subsídios, todos os apoios, para que estas pessoas queiram e tenham capacidade de dar uma volta à sua vida e não se conformem nesta situação.
Existe o risco de uma clivagem entre as várias camadas da população portuguesa?
Estas campanhas dos Bancos Alimentares servem, também, para que não se registe essa clivagem, que é tremenda. Por vezes - e, hoje em dia, isso é ainda mais difícil de contornar -, as pessoas vivem apenas na sua vidinha e vivem numa pequena bolha que lhes é trazida pelos seus telemóveis, pelas suas redes sociais, pelas suas redes familiares e acham que todos os outros têm uma vida semelhante. Ora, não é assim: estas campanhas dos bancos alimentares e, também, o voluntariado que incentivamos, põem lado a lado pessoas de todas as idades, pessoas de todas as origens, pessoas de todos os clubes de futebol, até. Lado a lado, ombro a ombro, naquilo que é um desafio comum a todos. Eu dou o meu tempo, eu dou os meus produtos porque não me posso conformar que haja pessoas que têm uma vida assim.
E convidamos muitas pessoas para irem ao Banco Alimentar, mas, também, para visitar as instituições que, no terreno, ajudam estas pessoas. Um contacto com a realidade era algo que não faria mal a alguns dos políticos que, depois, apontam a dedo algumas medidas, sejam de direita sejam de esquerda. Por vezes, ouço muitas pessoas falarem na televisão e na rádio e fico espantada com o desconhecimento que revelam e com a sobranceria que falam em relação àqueles que têm umas vidas dificílimas.
Pode dar um exemplo?
Muitas vezes, vejo pessoas, de direita ou de esquerda, que propõem medidas sem saber daquilo de que falam. Ainda há pouco tempo, quando se registaram aquelas situações na Amadora, ouvi comentários que revelam um total desconhecimento do que é a vida nestes bairros e a dificuldade que há, para as pessoas que vivem nestes bairros, de terem uma vida calma e sem equilíbrios completamente precários. As pessoas falamc omo se conhecessem e são pessoas que nunca puseram os pés num bairro social, nem sabem o que é para estas pessoas viver num bairro social.
"Temos muitos jovens que, se puderem, vão embora de Portugal porque aqui não veem futuro e isso é terrível"
Esse contacto com a realidade revela que a imigração trouxe novos desafios para quem está no terreno, para ajudar?
Trouxe desafios grandes. O primeiro deles é a língua. Hoje, temos muitos imigrantes que nem sequer falam português ou inglês. Muitos destes imigrantes, por vezes, põem os filhos na escola, no ensino público, e não sabem uma palavra de português nem falam inglês. Portanto, há logo ali um problema de língua. Depois, há um problema de mentalidades, de culturas, até de forma como as pessoas se alimentam. Alguns bairros estavam mais ou menos arrumados por tipo de população, que se foi construindo com relações familiares e de vizinhança, mas, de repente, surge algum desequilíbrio. O equilíbrio é perturbado por pessoas que estão de fora e que têm de se adaptar a um ritmo do bairro, por vezes, destabilizando esse ritmo. Estes imigrantes novos, a forma como vivem e até a forma como fluem à procura de outros empregos, vem perturbar esta realidade.
Tem de haver uma preocupação maior com a integração?
Tem de haver mais estruturas no terreno que conheçam estas pessoas e possam facilitar essa integração, para que ela seja harmoniosa e não crie desequilíbrios nos bairros.
"O Papa Francisco tem uma comunicação como nunca nenhum Papa teve"
Faço-lhe uma pergunta sobre uma figura que tem sido muito relevante nesta denúncia da pobreza e do sistema que promove a exclusão, que é o Papa Francisco. Ele tem falado muito no descarte dos mais vulneráveis. É uma voz que precisa de ser mais ouvida?
Eu penso que o Papa Francisco tem uma comunicação como nunca nenhum Papa teve. Primeiro porque ele, por si próprio, é um comunicador, mas, depois, porque está numa época onde é muito mais fácil comunicar e onde tudo aquilo que se diz chega mais rapidamente a quem quer ler. O que eu pergunto é se todos querem ouvir e querem ler aquilo que o Papa Francisco diz.
Porque, por exemplo, o Papa Francisco recomenda que haja uma articulação entre as várias entidades que no terreno apoiam a pobreza e nós ainda vemos, em zonas muito bem definidas, que as instituições, ao invés de colaborarem, se disputam...
Quando não há mesmo uma sobreposição…
Há sobreposição naquilo em que devia haver uma complementaridade. E, portanto, aquilo que eu tenho recomendado é que, para cada família carenciada, se tenha uma espécie de gestor de caso que possa acompanhar essa família em todas as suas necessidades, seja de saúde, seja alimentar, seja de educação.
Está previsto numa estratégia em combate à pobreza…
Mas, às vezes, quando as previsões não saem do papel, é mais difícil. Portanto, muitas vezes, aquilo a que temos assistido é que as próprias instituições que se organizam no terreno e que fazem espoletar uma situação que poderia estar prevista, mas não é concretizável, se elas próprias não quiserem. E é isso que nós vemos, é que hoje, muitas vezes, são as entidades no terreno que não querem que se mude o "status quo".
Ora, enquanto não se mudar, e é isso que o Papa Francisco diz de uma forma muito clara, enquanto não olharmos para as pessoas mais carenciadas como alguém que precisa de um olhar que não é apenas caritativo, é um olhar total e integral sobre cada uma dessas pessoas, não vamos conseguir ter fórmulas que promovam as autonomias e as responsabilidades.
"Estamos a padronizar respostas, muitas vezes dando soluções que não são as mais adequadas (…) Há que, de forma objetiva, segmentar as várias situações de pobreza e tratar diferente daquilo que é diferente"
Muitas instituições de solidariedade vêm alertando para uma certa exaustão de quem ajuda. Tem, de alguma forma, notado dificuldades a esse nível?
Eu diria que, sobretudo para as pessoas que têm de estar no terreno todos os dias, é difícil porque a situação não muda. Ano após ano, dia após dia, sempre os mesmos problemas... Mas hoje nós temos muitos voluntários, muito mais voluntários do que tínhamos, e temos sobretudo jovens voluntários que, de forma comprometida, querem dar tempo e que têm uma vontade real de participar. E isso para mim é muito esperançoso, porque, quando conseguimos aproximar esses jovens, estas novas camadas desta situação real, podemos, de alguma forma, mudar o olhar e a forma como são desenhados os planos de intervenção, mas também podemos gerar mudança pelo comportamento e pelo exemplo.
Eu tenho sempre esperança, sou uma otimista e acredito que esta exaustão que se vê nas pessoas, sobretudo nas pessoas que há anos e anos e anos estão neste setor social, possa, se assim elas o quiserem, ser um testemunho bem passado a outras pessoas. Obviamente, diferentes. Hoje, temos menos freiras, temos menos padres que vão aos bairros, mas temos outro tipo de pessoas e temos de aceitar que em cada momento temos aquilo que é mais necessário, mas sobretudo aquilo que é o possível.