02 dez, 2024 - 18:19 • Ângela Roque , Aura Miguel
A relação de Portugal com a Imaculada Conceição existe desde os alvores da nacionalidade. Algumas crónicas dizem que D. Afonso Henriques andava sempre acompanhado de uma imagem da Imaculada e que posteriormente, em 1149, a ofereceu ao Mosteiro de São Vicente, em Lisboa. Na Torre do Tombo há um documento com a representação da Imaculada, datado de 1189.
A devoção espalhou-se capilarmente pelo território português, incluindo o Alentejo, no século XIII, já no reinado de D. Dinis. A Universidade de Coimbra, fundada em 1290, reconheceu desde logo a concepção Imaculada da Virgem Maria, ao ponto de exigir que os professores só pudessem ensinar se jurassem perante uma imagem da Virgem da Mãe de Jesus. D. Nuno Álvares Pereira - Condestável do Reino de D. João I, Mestre de Avis, e que hoje a Igreja venera como S. Nuno de Santa Maria - foi o primeiro a erigir uma igreja dedicada à Senhora da Conceição.
Esta devoção foi-se espalhando por toda a Península Ibérica, sobretudo através da ação dos franciscanos, e foi neste contexto que viveu Santa Beatriz da Silva, uma portuguesa nascida em Campo Maior, em 1424, e que após muitas vicissitudes fundou, nos finais do século XV, a Ordem da Imaculada Conceição – a ordem de clausura das irmãs concepcionistas.
Após a restauração da nacionalidade, em 1640, D. João VI decide confiar à Imaculada Conceição a soberania de Portugal e em 1646 coroou-a Rainha de Portugal. Desde então, nunca mais os reis portugueses usaram coroa e mesmo depois da instauração da República a devoção à nobre padroeira continuou.
Sôr Joana Filipa da Silva, de 31 anos de idade, é uma das 20 monjas que vivem nesta altura no Mosteiro de Campo Maior, e falou com a Renascença sobre a congregação e sobre a Solenidade de 8 de dezembro, que assinalam sempre de forma especial.
ENTREVISTA
Começo por lhe perguntar o que é a Imaculada Conceição?
A Imaculada Conceição é Nossa Senhora no mistério da sua total pureza e da sua total ausência de pecado. Imaculada significa 'sem mácula', ou seja, sem mancha, e dizem-nos as nossas Constituições que "estreitamente unida a Cristo, Maria foi predestinada desde toda a eternidade para ser a Mãe de Deus e para isso foi enriquecida desde o primeiro instante da sua concepção com uma santidade inteiramente singular.
Maria foi concebida sem pecado e em momento algum da sua vida, por desígnio de Deus e em previsão dos méritos futuros da morte de Cristo, conheceu o pecado. E este é um dogma que foi aprovado pela Igreja pelo Papa Pio IX em 1854.
E que está muito ligado ao início da vossa Ordem. Qual é o carisma da vossa congregação?
O nosso carisma é, como também dizem as nossas Constituições, o serviço, a contemplação e a celebração do mistério de Maria na sua Imaculada Conceição. Para tal, procuramos viver as atitudes de Maria no seguimento de Cristo.
Desde a nossa clausura, e como concepcionistas, somos chamadas a viver como hóstias vivas, entregando-nos em oração incessante por toda a humanidade.
E em que é que a vida de Santa Beatriz da Silva vos inspirou?
A vida de Santa Beatriz inspira-nos, em primeiro lugar, pela sua espera perseverante. Esperou 30 anos para saber a vontade do Senhor a respeito da fundação da Ordem. Depois também pelo seu silêncio e ocultamento, que mais de 500 anos depois continua a falar, porque Santa Beatriz não nos deixou uma única palavra. E ainda também pelo seu cuidado maternal e fraterno com as irmãs, que foi uma característica muito forte que nos deixou para nós.
Além de ser Rainha dos Portugueses, que importância tem a Imaculada Conceição na vossa vida? Também é Rainha para as irmãs?
Sim, é isso mesmo, também é a nossa Rainha. E, como dizia anteriormente, é o nosso modelo de vida a imitar, a contemplar, a celebrar. Sabemos que Jesus é o centro da nossa vida, mas nós chegamos até ele na medida em que procurarmos imitar as atitudes de Maria, também desde a sua total pureza e santidade.
Todos os anos construímos um presépio muito grande na igreja do nosso Mosteiro, que está aberta ao público, e que é inaugurado precisamente no dia da Imaculada
Quais são os sinais distintivos da ordem da Imaculada Conceição? Fale-nos um pouco do vosso tipo de vida, hábito, regras, da tradição dos presépios…
Temos, em primeiro lugar, a regra própria, que foi aprovada pelo Papa Júlio II em 1511 - somos uma ordem estritamente feminina, não temos ramo masculino. Depois, a cor do nosso hábito - é branco e temos o manto azul, que foram pedidos por Nossa Senhora Santa Beatriz. O branco simboliza a pureza de alma, o azul evoca o céu e recorda-nos que somos chamadas a viver para a eternidade.
Outro sinal também muito distintivo é a nossa forma de vida em clausura - estamos retiradas do mundo para nos entregarmos pelo mundo. Outro é a fraternidade e a vida comunitária, que é uma característica mesmo muito forte na nossa Ordem. Apesar de vivermos todo dia em silêncio, fazemos tudo em comum.
Falou dos presépios.... essa é uma característica muito própria da nossa comunidade aqui de Campo Maior. Todos os anos construímos um presépio muito grande na igreja do nosso Mosteiro, que está aberta ao público, e que é inaugurado precisamente no dia da Imaculada. E aproveito também para convidar todas as pessoas que quiserem visitá-lo, que podem fazê-lo (de 8 de dezembro) até dia 2 de fevereiro.
O dia 8 de dezembro é impressionante, porque é o dia em que mais pessoas vêm à igreja aqui em Campo Maior, e ao Mosteiro também.
E como é que preparam a celebração do Dia de Nossa Senhora da Conceição? Que outras iniciativas têm e como é que vivem esta semana?
Neste semana preparamos sempre a Solenidade com uma novena, aberta ao público também, à noite. Temos a novena ao longo de toda a semana, no dia 8 temos a Missa na igreja do Mosteiro, e à tarde a procissão. É uma grande procissão, sai a Nossa Senhora no andor.
Esta imagem de Nossa Senhora da Conceição, que está na nossa igreja, já era venerada aqui pelo povo de Campo Maior quando as irmãs vieram fundar o Mosteiro, que estava em ruínas, apenas o altar de Nossa Senhora estava mantido e tinha culto todos os sábados. É essa a imagem que ainda hoje sai em procissão, e que as pessoas veneram já desde 1942.
Há muita participação na celebração deste dia, que em tempos em Portugal já foi o Dia da Mãe?
Sim, sim! O dia 8 de dezembro é impressionante, porque é o dia em que mais pessoas vêm à igreja aqui em Campo Maior, e ao Mosteiro também.
Somos muito procuradas. As pessoas vêm até nós, ou enviam-nos e-mails, telefonam a pedir orações todos os dias. Todos os dias!
Voltando ao vosso carisma, neste mundo que é tão apressado e tão barulhento, muitos interrogam-se se a vossa vida de clausura não será uma fuga… Como é que responde?
Seria impossível viver em fuga esta forma de vida, aqui, fechadas 24 sobre 24 horas com as mesmas pessoas. Somos 20 mulheres aqui, era impossível. E em silêncio!
O que eu tenho visto é que, pelo contrário, este silêncio leva-nos ao encontro com Deus, connosco próprias, na verdade daquilo que nós somos e com as irmãs. E também nos faz perceber que, muitas vezes, essas fugas se escondem e se disfarçam muito melhor no meio dos barulhos do mundo.
Falou em 20 irmãs a viverem nesta altura aí. Houve um aumento de vocações no vosso mosteiro?
Sim, nos últimos anos, graças a Deus, têm vindo mais jovens. Este aumento de vocações é pura graça de Deus, não é mérito nosso. Nós procuramos apenas ser o mais fiel e viver de forma mais autêntica possível a nossa forma de vida. O resto é o Senhor que faz. E nós também – e isto sim, acho que é bom transmitir - vivemos muito enamoradas da nossa forma de vida. É uma coisa que acho que naturalmente passa a quem nos visita, e que é bom também frisar.
Posso perguntar-lhe como é que foi consigo? O que é que a atraiu a ser monja de clausura?
O que me atraiu foi a alegria autêntica que eu senti nas irmãs quando as visitei pela primeira vez, e senti que queria viver também essa alegria que elas transmitiam. Além disso atraiu-me também o silêncio e o mistério do ocultamento que as grades do locutório escondem, e foi isso que me fez vir.
Estamos retiradas do mundo para nos entregarmos inteiramente pelo mundo, pelas pessoas que não podem rezar, que não sabem rezar, que não conhecem o Senhor, ou que não têm tempo,
Em muitos momentos também são procuradas pelos crentes para pedir a vossa ajuda? Estou a recordar-me, por exemplo, quando foi a pandemia, em que dinamizaram vários momentos de oração, até pelos profissionais de saúde…
Sim, somos muito procuradas. As pessoas vêm até nós, ou enviam-nos e-mails, telefonam a pedir orações todos os dias. Todos os dias! E mesmo as irmãs que estão a atender na portaria dizem que às vezes o locutório é mais um confessionário do que os confessionários das igrejas, porque as pessoas vêm aqui desabafar e pedir conselhos e orações. Muito, mesmo.
E as irmãs estão sempre disponíveis?
Sim, na medida do possível.
Portanto, estão em clausura, mas não estão fechadas ao mundo?
De todo! Estamos retiradas do mundo para nos entregarmos inteiramente pelo mundo, pelas pessoas que não podem rezar, que não sabem rezar, que não conhecem o Senhor, ou que não têm tempo, porque a forma de vida no mundo às vezes nem sempre permite ter tanto tempo para rezar. Estamos cá para nos entregarmos por todas essas intenções.
O que aconselha a quem queira conhecer-vos melhor e ter a vossa ajuda?
Primeiro, que não tenham medo de nos contactar e de vir até nós. Depois, que não tenham medo de escutar a palavra do Senhor, que é palavra de amor e de salvação. E, por fim, que não tenham medo de arriscar seguir o convite de Jesus, que diz 'vinde e vereis'. E nós estamos cá também, na medida do possível, naquela que é a nossa forma de vida, para acolher e receber todos os que vierem até nós.
Temos um site e lá estão os contactos e o e-mail. Podem contactar-nos sempre que quiserem.