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Entrevista Renascença/Ecclesia

Jubileu 2025. "A Igreja não é só missais ou livros de capa vermelha"

29 dez, 2024 - 09:30 • Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)

Ana Isabel Teixeira Martins integra a equipa de apoio à Coordenação Diocesana da Pastoral do Porto​. O organismo lançou um guia para a celebração do Jubileu 2025, tema da última entrevista semanal conjunta da Renascença e da Agência Ecclésia do ano de 2024.

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"A Igreja não é só missais ou livros de capa vermelha." Ana Isabel Martins Teixeira, da equipa de apoio à Coordenação Diocesana da Pastoral do Porto, sublinha, em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia, a preocupação da Igreja com a Criação.

Na semana de arranque do Jubileu 2025, marcado pela mensagem de esperança que o Papa quis dar a este Ano Santo, Ana Isabel Teixeira destaca a importância que o Jubileu dá à necessidade da preservação do meio ambiente.

A responsável diz que as jovens gerações se identificam com o propósito que o Jubileu tem em relação à preservação da natureza e manifesta esperança de que o grande evento de 2025 possa ajudar a reabrir vias de comunicação entre a Igreja e as novas gerações.

Ana Isabel tem a convicção de que o Jubileu poderá ser uma "segunda parte" da via de comunicação que, pelo menos em Portugal, começou com a Jornada Mundial da Juventude.

“Às vezes, a Igreja ainda fala de uma maneira que não é acessível a todos”, aponta, defendendo que é também necessário conhecer melhor as razões da insistência do Papa no perdão de penas. “Eu acho que o Papa, com estas insistências, quer também tentar moldar um bocadinho a maneira das pessoas se verem e interagirem entre si."

Ana Isabel Teixeira defende a necessidade de um esforço adicional para melhor se entender tudo o que se vai passar no próximo ano e promete: “Vamos fazer tudo para que se entenda melhor o que é um Jubileu", para que o evento não se circunscrever “a uma festa”.

Numa reflexão sobre se faz sentido haver Jubileus na atualidade, Ana Isabel lembra que "na sociedade em que vivemos, que por vezes se mostra monótona, adormecida" é importante a manifestação da alegria alicerçada "na palavra de Deus".


A Igreja Católica está a viver o terceiro Jubileu nos últimos 25 anos. No seu caso, a experiência do Ano Santo da Misericórdia, um Jubileu extraordinário que se iniciou em 2015, tenha sido de alguma forma marcante?

Sim, o Jubileu de 2015 foi, na prática, o meu primeiro Jubileu. Aliás, ele foi proclamado em 2015, mas foi o Jubileu da Misericórdia em 2016. Foi o ano em que eu me licenciei. Licenciei-me em Direito e, na altura, falava-se do Jubileu e nas fitas dos finalistas em que as pessoas assinam a desejar votos de sucesso na vida profissional, tive duas ou três pessoas, ainda hoje me lembro, que falavam que a justiça sem misericórdia não é verdadeira justiça.

Então, enquanto jurista e também enquanto cristã, colocavam-me numa posição em que eu tinha que aliar, tanto quanto possível, estas duas dimensões: não ter os estritos critérios legais, mas abrir um bocadinho o meu leque e a minha maneira de pensar e de ser à Misericórdia.

Ou seja, a formação em Direito ajudou à celebração do Jubileu...

Ajudou e deu-me um cunho diferente, porque não era só o ser jurista, estava a formar-me e a terminar uma etapa do ciclo de estudos, mas a ter um olhar cristão sobre aquela profissão ou as profissões que eu poderia desempenhar a partir daquela formação. Isso marcou-me bastante, porque me deu ali um cunho, o ter sempre a Misericórdia de Deus como guia e tê-la na minha base de valores também.

"A Igreja ainda fala de uma maneira que não é acessível a todos"

Relativamente a este Jubileu que estamos agora a viver, o que se espera, pessoalmente? Considera importante que as pessoas vejam para lá das formalidades romanas, vou dizer assim, valorizando o que é o envolvimento pessoal, paroquial e até diocesano?

Sim. E acho que isto também leva a outra pergunta, que é a questão de saber se faz sentido termos jubileus, hoje em dia. Eu pego muito na palavra Jubileu, que me leva ao jubilar, ao alegrar-se. Acho que é um tema que nos faz falta, nos dias de hoje. Vivemos numa sociedade um pouco monótona, adormecida, anémica em algumas facetas, e, portanto, este alegrar-se é um alegrar-se que...

E zangada, por vezes, também....

Sim, também, também. E este alegrar-se que tenha a sua esperança em Deus faz-nos falta para não ser uma alegria passageira, uma alegria que nos vem das coisas materiais, mas que se funda num alicerce sólido, que é a palavra de Deus, que vem desde há muito tempo a esta parte, mas que mantém a sua atualidade. E deve ser o nosso mote, a nossa alegria para o futuro.

A origem dos jubileus, ainda na Idade Média, está relacioanda com um certo desespero da população, que ia em busca de uma resposta a partir da ajuda divina. Esse déficde esperança ainda se faz sentir hoje?

Acho que se faz sentir ainda mais do que na altura, no século XIV, quando a população teve este grito. Porque, na altura, acredito que eles tinham a dimensão espiritual muito na sua mente. Atualmente, acho que a vida espiritual, o crescimento, o aprofundamento não será a primeira preocupação das pessoas. Mas que com esta alegria fundada em Cristo, inevitavelmente, chegaremos a uma nova abertura espiritual e a um crescimento.

"Vamos fazer tudo para que se entenda melhor o que é um Jubileu"

Como surgiu esta ideia de um glossário? Há uma linguagem eclesiástica que é cada vez menos percetível para a sociedade em geral e até para as próprias comunidades católicas?

Sim, isso é verdade. Às vezes, a Igreja ainda fala de uma maneira que não é acessível a todos e a equipa de apoio à coordenação, quando estava a trabalhar o tema do Jubileu, acabou por perceber que era necessário clarificar algumas dimensões, nomeadamente a questão da indulgência, o perdão dos pecados, até para desconstruir algumas ideias que o povo de Deus, mais ou menos bem informado, acabava por ter e que vão perdurando no tempo.

O glossário tenta, de uma maneira clara e simples, fazer esta destrinça, clarificar alguns pontos, para que não seja apenas, ou não seja sequer, uma atitude mercantil que se tenha nesta questão das indulgências e do perdão dos pecados.

No guião, ao falar de indulgências, podemos ler a expressão "a culpa não morre solteira". Achei muito curioso. Esta aposta numa comunicação criativa é essencial, é uma coisa que experimenta no seu trabalho na paróquia, até a nível diocesano?

Sim, além do desmistificar, queremos, se calhar, traduzir por termos um bocadinho mais acessíveis às pessoas. O que é isto da indulgência, o que é o pecado, o que é o perdão? Para isso, socorremo-nos de algumas expressões um pouco mais populares, mas sem lhe tirar a carga que está associada mais no sentido da verdade dos termos. Temos é que lhe dar, às vezes, uma roupagem um bocadinho diferente, mais atrativa, para as pessoas perceberem que aquele tema não é de há séculos, é um tema que ainda hoje se coloca e que, provavelmente, é essencial para as suas vidas.

E fizemos isso na equipa de apoio, na vida paroquial e até, agora, inter-paroquial, dadas as vicissitudes que temos. Tentamos ter esta linguagem para aceder não só ao público mais jovem, mas até a pessoas de meia-idade, até um bocadinho mais velhos, uma linguagem que lhes é querida, que lhes é próxima e assim sentem-se mais entrosados com a vida da igreja.

Acredita que os vários sinais do Jubileu, como a Porta Santa, as peregrinações ou até mesmo a indulgência, de que já falamos, podem comunicar com o mundo de hoje?

Podem comunicar e já há alguns elementos que o fazem. Por exemplo, hoje em dia, acho que é por demais evidente que muita gente gosta de fazer peregrinações, mais ao estilo de caminhadas, com algumas componentes desportivas, de saúde associadas, mas o Papa até nos faz um alerta sobre isso e lembra-nos que a peregrinação não deve ser uma peregrinação como turista, simplesmente aquele que vai visitar uma certa igreja, vai a Roma, mas uma peregrinação interior.

Acho que podemos aproveitar esta onda ou esta moda da peregrinação para lhe introduzir a dimensão da espiritualidade: partir do silêncio, do caminhar, da introspeção para nos fazer bem fisicamente, mas também à nossa alma e ao nosso crescimento.

"Vivemos numa sociedade um pouco monótona, adormecida, anémica em algumas facetas"

Nesse sentido, também é importante aquilo que foi feito aqui, de traduzir estes sinais?

Sim, a tradução dos sinais visa esta ponte que queremos criar e construir com a sociedade, tirar esta componente demasiado eclesiástica e, se calhar, vedada a alguns, para que todo o povo de Deus, nas suas diversas manifestações, idades, até níveis de vinculação possa viver o Jubileu e aprender a viver o Jubileu num sentido um pouco mais real e efetivo.

E para isso é preciso pensar em gestos que cheguem ao campo social, da economia e da ecologia, por exemplo?

Sim. A proposta que a equipa fez para a Diocese viver um bocadinho o Jubileu tenta abranger essas dimensões. Nós fazemos um conjunto, até bastante alargado, de propostas que tocam esses quadrantes que falou e temos também uma proposta a nível paroquia que estamos a assumir como ponto de honra para este Jubileu, de modo a fazer com que o Jubileu não passe apenas como mais um evento. Temos de criar ou arranjar uma forma de o assinalar verdadeiramente para memória futura.

Posso-lhe dar o exemplo da paróquia da Senhora da Hora, de onde sou originária, e também sei que a paróquia de Guifões o fará. Queremos marcar o Jubileu na paróquia de uma maneira clara e um dos propósitos que o Papa Francisco enumera na bula de proclamação é o cuidado da vida, da vida emergente, nomeadamente dos mais pequeninos. Na nossa paróquia, temos uma instituição que apoia a vida desde a tenra idade de bebés que não estão com a família biológica e entendemos que temos de criar um apoio mais institucional, mais formal, assumir um vínculo e um compromisso entre a paróquia e essa associação, seja a nível monetário ou não, com uma periodicidade definida entre as partes, para apoio em tudo o que eles precisam. É uma forma da Igreja estar em contato com a sociedade, de pôr em prática esta questão jubilar, o cuidado com os mais frágeis, e criar bases para o futuro.

O Jubileu também tem que fazer isso, não é só o viver, alegrarmo-nos neste período para, quando o Jubileu oficialmente terminar, voltarmos à vida que tínhamos. Acho que não: é preciso lançar bases para o futuro, esta esperança que queremos passar.

"Estes propósitos ecológicos que preocupam não só a Igreja, mas toda a sociedade, poderão constituir mais um ponto para que o Jubileu extravase as paredes da Igreja"

Entre as propostas que o Papa lança na bula de convocação deste ano jubilar, uma tem a ver com a amnistia aos reclusos. Quando se fala em amnistiar presos, a opinião pública, muitas vezes, reage mal. Como se pode entender esse gesto, esse pedido específico do Papa para que o ano do Jubileu também seja marcado por estes gestos de clemência em relação a quem está na cadeia?

Eu pego nessa palavra que usou, a palavra "clemência", que eu vou traduzir na misericórdia de que tanto me falaram quando eu me licenciei. A justiça em si, o direito visa também a reinserção daquele que cometeu um crime. Não é uma justiça "olho por olho, dente por dente", mas uma justiça que visa a reintegração da pessoa que falhou.

Este apelo do Papa tem já ecos no ordenamento jurídico, mas nunca é bem visto porque é sempre uma ideia de um perdão, simplesmente um apagar. Na minha perspetiva cristã, aquela pessoa que é amnistiada, que é perdoada não é alvo de um simples apagar da sua falta ou da sua falha. Ela sabe que falhou, mas estão-lhe a esticar a mão para ela se poder reerguer e volte a ter uma vida. Eu acho que o Papa, com estas insistências, quer também tentar moldar um bocadinho a maneira das pessoas se verem e interagirem entre si.

Uma questão, agora, que tem a ver com a origem bíblica do Jubileu. Para quem estiver a ouvir e quiser mesmo ir conferir, no capítulo 25 do Levítico, que é o terceiro livro da Bíblia, fica uma ideia de um ano sabático, do ponto de vista económico, do ponto de vista social, do ponto de vista jurídico. Olhando para a questão ecológica, uma questão emergente, a ideia de um ano em que a natureza também descansa pode ser um desafio para sociedades como a nossa que vivem em ritmos frenéticos de exploração e de consumo?

Sem dúvida que sim, porque, quando fala na questão da origem do Jubileu, fala-se no descanso das terras, no pousio. Isso vai entroncar nestas preocupações que temos do cuidado da natureza, da vida, da sobrexploração que fazemos dos nossos recursos, muitas vezes sem necessidade, e também de uma economia voraz que consegue estragar a nossa natureza. Nessa medida, estes propósitos ecológicos que preocupam não só a Igreja, mas toda a sociedade, poderão constituir mais um ponto para que o Jubileu extravase as paredes da Igreja.

"Podemos aproveitar esta onda ou esta moda da peregrinação para lhe introduzir a dimensão da espiritualidade: partir do silêncio, do caminhar, da introspeção para nos fazer bem fisicamente, mas também à nossa alma e ao nosso crescimento"

As gerações mais jovens costumam compreenderem e acolher com entusiasmo os desafios relacionados com o meio ambiente. Desse ponto de vista, também pode ser uma boa forma de elas entenderem melhor o que está por trás da proclamação deste Ano Santo?

Por vezes, é preciso pegar em pontos que são comuns, como é a questão da proteção do meio ambiente, que muito ocupa os jovens e as novas gerações, para os fazer perceber que a Igreja não é só missais ou livros de capa vermelha. A Igreja tem esta preocupação com a criação e isso será também uma maneira de os evangelizar. Há pontos em comum: perceber quem é que nos criou e porquê.

Depois daquela grande experiência da Jornada Mundial da Juventude, o encontro previsto para o verão de 2025, em Roma, do Jubileu dos Jovens, pode ajudar a reabrir vias de comunicação entre a Igreja e as novas gerações?

Penso que essa via, pelo menos em Portugal, já foi aberta com a Jornada Mundial da Juventude. O que vou sentindo no pulsar dos jovens com quem contacto é que este Jubileu em Roma será uma segunda fase, uma segunda parte desta via de comunicação e deste carinho que, através do Papa Francisco, conseguimos estabelecer entre a Igreja e os jovens, pela maneira de ser dele, pelas ideias que ele defende, que são as que os jovens também defendem. Mas ele coloca de uma maneira muito subtil e muito carinhosa a centralidade da mensagem de Jesus. Acho que isto será um dos grandes momentos de 2025, com certeza.

Mas é preciso alterar alguma coisa para que se note a diferença? Pergunto-lhe diretamente: os efeitos que eram esperados da JMJ sentem-se, de facto?

Acho que não sentimos tanto como pensávamos que poderíamos sentir. E falo com experiência própria, a nível paroquial, vicarial e até da diocese. Não tenho dúvidas de que a mensagem não os deixa indiferentes, que fica uma semente para o futuro, mas que há uma certa relutância em assumir um compromisso. Mas essa relutância não se verifica só em relação à Igreja. Também se vê os jovens a ter relutância em assumir compromissos em muitas outras dimensões. Pouco a pouco, passo a passo, todos juntos, temos que ouvir o que todos têm para dizer, para conseguirmos arranjar uma solução e um caminho que todos consigamos percorrer.

No final deste ano de celebrações e de encontros, espera que todos entendam melhor o que é um Jubileu?

Esperar, espero. Espero que entendam. E vamos fazer tudo para que se perceba isso. Agora, acho que temos de ser muito hábeis para arranjar um compromisso entre a parte celebrativa, a parte festiva de que toda a gente gosta, e a dimensão da nossa peregrinação interior, da nossa oração, que também é um dos pilares de um ano jubilar, tal como a nossa renovação e o sacramento da reconciliação. Se assim não for, o Jubileu será apenas mais um evento festivo, bonito, bem organizado, mas que não trará frutos interiores. Isso vai depender muito da nossa habilidade, nas nossas paróquias, com os nossos jovens, com os nossos adultos, também.

Mas tem que haver um empenho particular, nomeadamente parte da Igreja, para tentar explicar melhor, certo?

Explicar melhor, promover ações que expliquem o porquê de um Jubileu, o que é que podemos fazer num Jubileu... Temos a questão, como já referi, das peregrinações, que podem ser sectoriais, por grupos de pastoral, grupos paroquiais. A Diocese também organiza uma peregrinação no seu todo, enquanto Diocese. O importante será fazer o caminho sempre em conjunto, nunca deixar ninguém por si só a tomar conta deste Jubileu, que se quer de esperança, mas é de peregrinos. É por isso que o logo do Jubileu tem quatro peregrinos, abraçados entre si, e um deles é que vai agarrado à Cruz. Eu acho que é importante olharmos para este logo e fazer dele um mote. E que a igreja, através dos seus sacerdotes, pessoas consagradas, leigos, que são a maior parte e têm também um papel importante, possam ter esta união e este caminhar juntos.

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  • Maria Herminia Nadai
    29 dez, 2024 Vale de Cambra 22:29
    Gostei muito do que li. Maravilhoso. Obrigada! É muito bom ver gente jovem falar assim. Quem dera que mmauitos amis jovens assim pudessem falar... e vivenciar. Bom Ano Jubilar para toda a gente, toda... toda... toda...

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