15 fev, 2018 - 00:20 • Eunice Lourenço (Renascença) e David Dinis (Público)
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Não gosta do estilo, mas José Roquete, ex-presidente do Sporting e neto de José de Alvalade, não gosta, sobretudo, da tendência “presidencialista” de Bruno de Carvalho. E diz que o timing da crise interna só ajuda o Benfica.
Estamos numa semana de Assembleia-Geral do Sporting. Considera que Bruno de Carvalho está a ser um bom presidente do Sporting?
Até agora, ninguém me ouviu dizer nada de pesado em relação à personalidade do presidente do Sporting... Eu vou correr aqui um risco, que é falar do populismo, mas não posso deixar de o falar. Porque se há um sector da vida do país em que o populismo é que comanda as coisas é no sector desportivo, em relação aos três grandes clubes. Há uma coisa que se vai repetindo, que é o facto de o clube ser confundido com o presidente.
Isso está a acontecer no Sporting?
O pior é que quando aparece o tal vírus do populismo, dentro da personalidade dos vários presidentes isso também afecta, também se torna uma coisa mais ou menos contagiosa. E no que respeita ao Sporting não consigo perceber por que é que, estando o foco em cima do outro lado da Segunda Circular...
No Benfica...
Exatamente. E aparecer a transferência do foco para o lado do Sporting, não consigo perceber. Como não consigo perceber qual é a urgência de, nesta altura, fazer uma alteração de estatutos que tem a ver com algumas alíneas na componente disciplinar dos estatutos.
Que preveem o agravamento de medidas disciplinares contra os sócios que sejam críticos da direção.
Mas o problema complicado aí é saber quem é que faz esse julgamento. É unicamente a direção do Sporting? É unicamente o presidente do Sporting? O que o bom-senso recomendaria, sobretudo porque há aqui uma correlação... estas coisas chegam até aos balneários. Não é irrelevante pensar que, a partir da altura em que o foco mudou, o Benfica passou a ganhar e o Sporting passou a ter problemas.
Esta crise está a desestabilizar a equipa de futebol?
Poderá haver alguma correlação. Também posso dizer que o gesto e a fala do presidente não vão muito com a minha maneira de ser.
Revê-se nele enquanto líder do clube?
Pois, gostaria que ele usasse mais de contenção, que tivesse mais controlo sobre as coisas que diz. Mas o que me preocupa é que esteja tudo dependente de saber se o Sporting vai ou não acabar com 16 de jejum no campeonato de futebol. Deixo aqui uma confidência: quando o Sporting em 1999/2000 foi outra vez campeão nacional, eu diria que o Sporting o seria sempre. Porque estava a funcionar de forma coesa, ordenada e concentrada.
E não vê isso no Sporting hoje?
Eu vejo, mas às vezes por razões que acabam por ser produto de alguma turbulência. Mas as questões que gostaria de ver discutidas em termos de estatutos do clube não estão para aí...
Acha que o presidente está a transformar o Sporting num clube presidencialista?
Parece-me que é quase uma evidência. Agora, o que é que é um clube presidencialista e as questões que aí se põem, aí é que entramos numa fase mais complicada. Por exemplo, à volta do Sporting há quatro grandes estruturas com influência clara na família leonina: os núcleos (de funcionamento regional), os Leões de Portugal (uma IPSS), os Stromps (um grupo que foi crescendo com pessoas com disponibilidade para falarem de forma civilizada do Sporting). Os Stromps não fazem mais nada do que falar comovidamente das questões que nos preocupam, não dão indicação de ser uma espécie de maçonaria sportinguista, ou "sportingalha", para fazer qualquer coisa agressiva ou disciplinarmente punível. Esses grupos, se os estatutos forem aprovados, passam a estar debaixo da direcção do Sporting. Considero isto um erro estratégico grave, que em vez de tentar encontrar uma via de coexistência e solidariedade, vai resultar no sentido oposto. E não vejo razões no passado, mas de alguma forma é uma resposta à questão de saber se havia uma deriva presidencialista.
Bruno de Carvalho convive mal com a crítica?
Os líderes do populismo têm essa característica comum. Convivem muito, muito mal. Aliás, se vir o que acontece com o sr Trump todos os dias, são os sujeitos que dizem amen é que estão lá ao pé. Os que levantam questões...
O tipo de liderança e personalidade de Bruno de Carvalho é comparável ao de Donald Trump?
Acho que sim, em alguma medida é. Também precisa de ter o apoio, também precisa de... só que Donald Trump tem outros controlos - que é o que me parece que na próxima AG possa estar em causa.
E como é que este episódio vai acabar?
Gostaria que fosse adiada uma decisão. Mas tenho receio que não vá a tempo, pela forma como foi extremado. Atenção: no sábado não vai haver uma eleição, é mais um referendo. Pode ser mais uma relegitimação do poder.
Acha que está em causa o escrutínio ao presidente do Sporting? É preferível que os sócios deem um voto de confiança ao presidente com esse risco? Ou é melhor que, face ao risco, Bruno de Carvalho saísse mesmo?
A melhor solução era adiar o que está em causa e estudar melhor. Não sei o que vai acontecer no sábado. Só o que vejo é uma coisa de que não gosto: é turbulência que não ajuda.
Se for, se fosse, à AG, votaria contra?
Se fosse tentaria o adiamento. Se não fosse o caso, votaria contra.
Há solução para a presidência do Sporting, se ele sair?
Não vejo. Há sempre à volta deste tipo de líderes alguma desertificação. Mas há uma coisa que não posso, de forma nenhuma, aceitar: é que as soluções para o Sporting sejam só uma pessoa.