27 out, 2015 - 15:35 • Maria João Costa
“Em Teu Ventre” é o novo livro de José Luís Peixoto. Numa obra que tem como protagonista a irmã Lúcia, o autor relata os acontecimentos entre Maio e Outubro de 1917 em Fátima. O autor quis “lançar luz sobre o assunto e contribuir modestamente para um esclarecimento e reflexão colectiva” sobre Fátima.
Em conversa com a Renascença, em Fátima, José Luís Peixoto diz que este foi um dos livros mais exigentes que escreveu.
Porquê escrever sobre as aparições de Fátima?
É um tema tão impressionante e sedutor para quem escreva e para quem se interessa por História que sinto a vontade de fazer a pergunta ao contrário. “Como não escrever sobre este assunto?”. Trata-se de uma história que em Portugal, de um modo geral, toda a gente conhece, mas que me surpreendeu bastante enquanto a aprofundava. Apercebi-me o quanto esse conhecimento que tinha era superficial. Quanto mais detalhe e mais circunstâncias eu conhecia mais impressionante a considerava e mais a sentia como simbólica de muitas coisas que nos dizem muito como povo e que me dizem bastante enquanto português.
Houve todo um trabalho de investigação?
Sim, tentei fazer um trabalho de investigação, mas a partir de certa altura quis limitar as bases porque trata-se de um momento sobre o qual há muitas fontes. Acabei por me cingir a duas fontes. São as memórias da irmã Lúcia e o livro do padre João Marchi, “Era uma Senhora mais Brilhante do que o Sol” – um livro com idoneidade – e que achei que eram suficientes para contar aquela história que queria contar. Não é tudo aquilo que há para dizer sobre este assunto, até porque o período a que a narrativa se cinge é de Maio a Outubro de 1917, justamente o período das aparições. Cingi-me a aspectos históricos, relativos à irmã Lúcia que é a protagonista do livro e também à questão das aparições da Virgem Maria.
“Em Teu Ventre” é um livro muito centrado em outras figuras femininas. Além da irmã Lúcia, há também a sua mãe biológica e Nossa Senhora. É um livro a várias vozes?
Sinto que este livro acaba por ter duas dimensões. Uma é mais colectiva, enquanto português, e alguém que está muito marcado por esta história que, sendo do mundo, é muito particularmente nossa. A outra é mais individual. Acaba por ser centrada na questão das mães. Existem diversas no livro. Nomeadamente a mãe biológica de Lúcia, a Mãe Nossa Senhora, Mãe de Jesus e depois uma outra figura que é muito curiosa e à qual eu não resisti e que introduz um elemento literário, que é a mãe do autor. Esta é, ironicamente, a mãe mais ficcional do livro porque não tem grande ligação com a minha própria mãe. Ela é a mãe crítica, consciência, é quase a voz que nós temos na nossa cabeça quando nos preparamos para fazer alguma coisa e temos dúvidas.
No livro, a mãe de Lúcia é uma figura que sofre ciúmes, tem a tal “ferida aberta” com a filha quando esta parece tê-la substituído por Nossa Senhora.
Essa é uma interpretação. Na minha tentativa, aquilo que me parece é que se trata de uma mãe algo complexa. Essa personagem em certos momentos, como as pessoas, contradiz-se. Muitas vezes tem algumas posturas que podemos considerar um pouco duras para com a filha, mas também percebemos em muitos momentos o quanto ela gosta dela e quanto a tentar poupar daquilo que ela acha que pode ser difícil para Lúcia.
“Em Teu Ventre”, a irmã Lúcia é um bastião de fé, uma mulher de grande firmeza.
Entre os três videntes de Fátima achei que a irmã Lúcia, a criança Lúcia que é a protagonista do tempo que está retratado no livro, era a personagem natural, por diversos motivos. De entre os três, era a única que via, ouvia e falava com Nossa Senhora. Ao mesmo tempo era a mais velha. Foi ela que realmente deu esta narrativa ao mundo. É através dela que sabemos grande parte dos detalhes que constituem esta história. Trata-se de um livro que, em certa medida, economiza para dizer aquilo que achei importante dizer.
Este livro é enriquecido com momentos poéticos, escritos em versículos, momentos que lembram orações e texto bíblico.
Tem essa sonoridade bíblica, mas aqui é sobretudo uma questão estética. Claro que essa estética transporta um imaginário, mas que aqui se apresenta na sua perspectiva mais literária. Não são textos religiosos, nem tentam ser, mas tentam captar essa forma e essa beleza que existe nos textos religiosos. É uma forma de pedir emprestada alguma solenidade e profundidade presentes nesses textos.
Com que relação com Fátima ficou o escritor José Luís Peixoto depois deste livro?
Escrever um livro transforma sempre muito a relação que se tem com qualquer assunto. Depois de ter vivido estas páginas, depois de me colocar neste lugar, transformou-se bastante a minha visão. Não o consigo descrever em palavras. É uma vivência íntima. Talvez fosse necessário outro livro para o explicar.
Sentiu o peso da responsabilidade de estar a tocar num assunto como Fátima? Foi maior a exigência para o escritor?
Sem dúvida alguma que sim. Aliás, a nível pessoal talvez tenha sido esse o maior desafio presente na escrita deste livro. Trata-se de algo muito precioso para milhões de pessoas e que em momento nenhum tive a intenção de melindrar, pelo contrário! O meu interesse com este livro foi sempre lançar luz sobre o assunto, contribuir modestamente para o esclarecimento e para uma reflexão colectiva. Ao mesmo tempo, contribuir para uma vivência deste tema de um modo mais sólido que tenha também esta ajuda de todo este mundo contido nestas páginas.