13 fev, 2016 - 00:00 • Maria João Costa
Ser escritor é um “fado bom”, diz João de Melo. Para Katia Guerreiro, ser fadista “é ter na voz e na alma a vontade de dar, partilhar e estar com muita intensidade”. Eis os dois convidados de mais uma edição do “Ensaio Geral” gravado ao vivo na Livraria Ferin, numa parceria entre a Renascença, a Booktailors e a Ferin.
A unir os dois convidados está, além de uma amizade, a paixão pelos Açores. João de Melo, que venceu recentemente o Prémio Vergílio Ferreira, é natural de São Miguel, nos Açores. Já Katia Guerreiro, que diz ter nascido na África do Sul por acaso, foi levada para os Açores quando tinha apenas 11 meses.
O arquipélago que os une é, para Katia Guerreiro, um factor de criação. A fadista explicou no “Ensaio Geral” da Renascença que “a insularidade açoriana dá a quem lá vive uma fortíssima inspiração, uma poesia na forma de estar e viver que acaba por se transformar numa expressão artística”.
A fadista justifica esse terreno fértil: “Viver junto daquele mar, com aquele verde que tem tantas tonalidade, viver junto daquela paz que inquieta, um mar que se revolta e estar junto de gente que vive em paz com a natureza mas em revolta pela solidão provoca uma série de tormentas interiores” que impelem a criar.
João de Melo, que não poderia estar mais de acordo, acrescenta que, como escritor, “os Açores foram uma hipótese de criar todo um imaginário. Quando se lida com as palavras e se cria uma linguagem que é a função do escritor, os Açores são como uma metáfora do mundo”.
O autor de “Gente Feliz com Lágrimas" tem um novo livro intitulado "Os Navios Da Noite". No programa “Ensaio Geral” descreveu como nasceu esta compilação de contos agora editados pela D. Quixote. João de Melo quis escrever sobre os vencidos da vida, contrariando a ideia de que a História é sempre dos vencedores.
"Renascimento do fado começou no estrangeiro"
Questionada sobre o fado Património Imaterial da Humanidade, a fadista que também é médica de profissão considerou que “o título não veio trazer nada ao fado, senão em Portugal”.
Katia Guerreiro acrescentou que “este movimento de gosto pelo fado e o renascimento do fado, há 15 anos, começou no estrangeiro e não havia nenhum título ou galardão de património imaterial da humanidade”.
Para a voz de “Até ao fim”, “em Portugal havia uma desatenção à novidade do fado e só o facto de termos singrado e termos sido bem-sucedidos no estrangeiro é que fez com que cá se recuperasse alguma atenção sobre o fado.”
Questionado por Guilherme d’Oliveira Martins, o presidente do Centro Nacional de Cultura e colaborador do Ensaio Geral, João de Melo defendeu uma maior inter-relação entre as várias culturas de expressão portuguesa.
O autor do romance “Mar de Madrid” enfatizou que ”traduziram-se mais livros portugueses nestes anos de democracia do que ao longo de toda a nossa história”.
João de Melo deixou o alerta: “É uma tragédia histórica termos perdido a noção e a necessidade de que um livro português seja também um livro brasileiro ou um livro africano. Deveríamos ter um espaço de circulação para os produtos culturais, para a indústria da cultural que fosse também de inter-relação cultural”.
Também questionada por Guilherme d’Oliveira Martins sobre o fado como factor de atracção de riqueza e desenvolvimento, Katia Guerreiro confessou que é uma preocupação que já partilhou com o presidente do Centro Nacional de Cultura e lembrou os estrangeiros que ouvem e gostam de fado, interessam-se pela cultura portuguesa e “isso é um factor económico importantíssimo” concluiu a fadista.