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Valter Hugo Mãe e Sérgio Godinho. A criatividade pode ser uma ilha

22 fev, 2016 - 19:28 • Maria João Costa

Um escreve porque tem "ansiedade de abater a solidão" o outro necessita "da solidão criativa”. ​A Viagem Literária, organizada pela Porto Editora, passou pelos Açores. A conversa entre o escritor Valter Hugo Mãe e o músico Sérgio Godinho decorreu no palco do Coliseu Micaelense. Houve música, declarações apaixonadas aos Açores e foi satisfeita a curiosidade do público.

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Um bebeu água, o outro vinho tinto. A sala redonda do Coliseu Micaelense, em Ponta Delgada, encheu-se para uma noite de conversa entre o escritor Valter Hugo Mãe e o músico Sérgio Godinho. 550 pessoas assistiram, garante a organização da Viagem Literária que aportou num noite fria de sábado na cidade açoriana.

Quase duas horas de conversa em que as perguntas ficaram a cargo do moderador, o jornalista João Paulo Sacadura e também do público desta iniciativa promovida pela Porto Editora que, desde Abril de 2015, tem percorrido o país, deixando de fora Porto e Lisboa.

Foi justamente do público que veio a pergunta que suscitou uma das respostas mais surpreendentes. Nuno, assim se identificou, perguntou se um escritor pode escrever sobre o que não sabe. Valter Hugo Mãe não hesitou em responder que sim.

O autor de "O Filho de Mil Homens" explicou que escreve "para ser surpreendido" e comparou a arte da escrita a um "processo de conhecimento" e de "pura revelação".

Perante a plateia Valter Hugo Mãe concluiu que escreve porque tem "a ansiedade de abater a solidão" e, ao mesmo tempo, de "verdadeiramente comungar" com os leitores a sua arte.

Sérgio Godinho fez suas as palavras de Valter, mas acrescentou que o "gesto de criação é um gesto de interrogação". O músico explicou que enquanto cria vai gerando "interlocutores imaginários".

Nesta conversa, João Paulo Sacadura começou por interrogar Valter Hugo Mãe sobre o seu verdadeiro apelido de família, Lemos, e não Mãe, levou o autor a explicar que o seu "nome já é um programa literário".

Sérgio Godinho começou por recordar os seus momentos de infância e uma avó paterna que tinha um alfarrabista e lia poesia numa rádio local do Porto. Depois falou do seu percurso artístico. O cantautor confessa que "não tinha um plano definido ou uma noção de carreira." Concluiu de resto que, quando fez 40 anos de carreira, preferiu chamar-lhe "40 anos de canções".

Mas Sérgio Godinho, que agora tem estado em tournée com o músico Jorge Palma, não é apenas músico. Autor de livros para a infância e de um livro de contos, Godinho está agora a escrever um romance. A escrita para o músico "é outra coisa", diferente da escrita de canções.

Na conversa descontraída, Sérgio Godinho afirmou que tem "necessidade da solidão criativa e depois do lado de comunicação e de entregar aos outros."

O público do Coliseu Micaelense atirou outra questão. Sónia perguntou e Sérgio Godinho explicou o que sente quando canta tantas vezes a mesma canção. Além de dizer que vai "rodando o reportório", o músico que já antes tinha participado noutra etapa da Viagem Literária, em Beja, destacou o facto de "estar em salas diferentes ou em dias diferentes" faz com que se esteja sempre a recomeçar, mesmo quando a música é a mesma.

Valter Hugo Mãe, que começou a sua carreira pela poesia, confessou que escreveu "mais do que deveria ter escrito".

Falando da poesia como "o género do insucesso", Valter olha para a escrita em verso como uma escrita que está sempre presente. Para o autor que lançou recentemente "Contos de cães e maus Lobos", a poesia é a sua "natureza" que lhe "faz com que as palavras adquiram outras extensões".

O escritor, que em tom de graça disse a Sérgio Godinho que nasceu no ano em que o músico editou o seu primeiro disco, fez com que o cantor bebesse mais um copo de vinho. Sim, porque, como explicou João Paulo Sacadura no início da sessão, Valter Hugo Mãe não bebe álcool nem café, logo o copo de água na mesa era seu e o de vinho de Sérgio Godinho.

Perante uma plateia de açorianos ávidos de oferta cultural e que, no final, fizeram fila no Coliseu Micaelense para os autógrafos, os dois criativos deixaram também declarações de paixão aos Açores.

Valter Hugo Mãe, que primeiro conheceu a ilha da Graciosa, admitiu que para um continental as "ilhas foram sempre da ordem do mito". Está "convencido que os Açores são um dos lugares mais bonitos do mundo" e lamentou que nos últimos anos tenham sido "penalizados pelos preços elevados" dos voos que impediram mais visitantes de descobrirem o arquipélago.

Para Sérgio Godinho, a cidade de Ponta Delgada surpreendeu-o pela janela de um barco quando jovem trabalhava embarcado e atracou em São Miguel. Impedido que estava de pisar solo português, Ponta Delgada revelou-se então um outro Portugal.

Depois de Ponta Delgada a Viagem Literária segue para Setúbal, no próximo dia 17 de Março. Até Setembro há sessões marcadas em várias cidades do país, mas a Porto Editora, que estreou este modelo de promoção e incentivo à leitura, admite já uma segunda ronda da Viagem Literária. Rui Couceiro, coordenador da iniciativa, diz que há pedidos de outras cidades para acolherem a Viagem Literária e cidades que querem repetir a iniciativa.

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