01 mar, 2016 - 02:30 • Rosário Silva
João Cutileiro não quis melindrar o ministro da Cultura, mas aos jornalistas foi honesto quando lhe foi perguntado porque estava a ter este gesto de doar o seu espólio à cidade de Évora.
“Para poupar os meus filhos de ficarem com isto, palavra de honra”, assegura o escultor, ao mesmo tempo que recorda um episódio da sua vida que o marcou.
“Fui amigo de José Almada Negreiros (filho) e o desgraçado nunca se levantou da morte do pai e isso é um horror. Ele recebeu um espólio e eu não quero que os meus filhos recebam o meu espólio senão não fazem mais nada com ele, mas não queria dizer isto em frente ao Dr. João Soares”, confessa, a rir, João Cutileiro.
A casa que, nas suas palavras “está caótica e não tem espaço para o que lá tem dentro” foi agora alvo de uma carta de compromisso que prevê a entrega ao Estado de parte disponível do seu património pessoal. Ou seja, refere o documento, “a casa onde vive e trabalha, em Évora, e o respectivo recheio que compreende um conjunto de obras de escultura, desenho e fotografia, a sua biblioteca, documentação variada e os seus instrumentos de trabalho”.
Provisoriamente denominada Casa/Atelier João Cutileiro, vai nascer com a união de esforços entre a Direcção Regional de Cultura do Alentejo, a Universidade de Évora e a Câmara de Évora, entidades a quem o escultor manifestou esta vontade.
João Cutileiro pretende que o “espaço seja utilizado para fins culturais/académicos relacionados com a sua produção artística, nomeadamente para o estudo e formação na área da escultura em pedra, onde se incluem actividades relacionadas com a realização de exposições, residências artísticas, visita e fruição pública”.
A doação envolve um imóvel, onde se prevê instalar um conjunto de valências que vão permitir “dar viabilidade a um projecto cultural, estratégico e sustentável”, refere a carta de compromisso.
À cerimónia associou-se o ministro da Cultura, que considerou ser este o momento “mais importante que já levo neste três meses” é ministro. João Soares, amigo do escultor, considerou esta atitude do artista como “um gesto de grande generosidade, de desapego material e um exemplo a ser seguido”.
O escultor que escolheu o Alentejo para viver
Nasceu há 78 anos, em Lisboa, mas vive e trabalha em Évora, onde está exposta uma parte da sua obra, desde 1985.
João Cutileiro, autor do Memorial às Vítimas da Praia do Meco, em Sesimbra e da estátua de D. Sebastião, em Lagos, no Algarve, entre outras peças escultóricas públicas, é doutor Honoris Causa, pela Universidade de Évora.
Iniciou-se nas artes em ateliês de diversos mestres e, depois de uma breve passagem pela Escola de Belas Artes de Lisboa, rumou, por indicação de Paula Rego, à Slade School of Art, em Londres, onde se diplomou.
No início da década de 1960, Cutileiro regressou a Portugal, renovou a estética da estatuária em Portugal, com projectos marcados pelo experimentalismo. O "intimismo", o "erotismo" e o "amor" são temas recorrentes da sua obra escultórica.
Além de Portugal, as peças do escultor estão incluídas em várias colecções no estrangeiro.