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Obituário

Nicolau Breyner (1940-2016). “Um imaturo” que foi uma superestrela pop

14 mar, 2016 - 19:18 • João Carlos Malta

Mais do que um actor ou produtor, dizia-se “um artista”. Queria “emocionar as pessoas”. E fê-lo: no teatro, na televisão, na música, no ensino e até na política. O resumo de uma vida que marca a cultura portuguesa das últimas décadas.

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João Nicolau de Melo Breyner Lopes nasceu em Serpa, a 30 de Julho de 1940. Mas se se sabe a vila e a data do nascimento, o local exacto ficará para sempre incógnito. Em entrevista à Renascença, no ano passado, contou que a mãe e o avô nunca se puseram de acordo sobre o tema. “Nunca vou saber porque os dois já cá não estão”, disse Nicolau Breyner.

Falar em Nicolau Breyner é falar das últimas décadas de história da televisão e das artes de representação em Portugal. Ajudou a criar e foi protagonista na primeira telenovela portuguesa, "Vila Faia", e foi actor até ao fim. Estava a trabalhar na próxima novela da TVI, “A Impostora”. Morreu esta segunda-feira, aos 75 anos.

Mantinha-se bastante activo nos últimos tempos e tinha ainda em agenda a participação em “dois projectos” de cinema. Em carteira, tinha ainda uma ida ao Brasil para integrar uma série. “Será uma coisa curta, talvez uma semana”, anunciou há poucos meses.

Alentejano, Nicolau definiu os seus conterrâneos como “apaixonados, por isso perigosos”. “O alentejano é um sentimental, que ama e odeia com a mesma força. E quando se sente picado...".

O grande público habitou-se a viver com ele como actor, mas também assumiu funções de realizador, produtor (criou a produtora NBP) e apresentador. Teve também uma incursão no mundo da política.

Como nasceu o artista

A forma como se tornou artista foi descrita em entrevista ao Público com uma mistura de genes que vinham desde a mãe e o avô. “Pintavam muito bem”, o tio Domingos “cantava muito bem”. “Tudo isto”, disse, “veio calhar em mim, deu naquilo que sou”.

Nicolau considerava-se um resistente e dizia que “nasceu assim”. E para isso muito contribuiu a “couraça” que construiu com o seu “sentido de humor”. “O humor com que vejo a vida e o quanto me divirto a viver”, enfatizava.

Em entrevista ao “Expresso”, definiu-se como “um artista”, mais do que um actor, um realizador ou um produtor. “E um artista tem de ser sobretudo um humanista e, como tal, tem de estar preocupado com a humanidade e com o que mais o toca”, definia.

Uma frase inscrita no “site” da escola de actores que fundou, a NB Academia, sintetiza o trabalho de uma vida ligada à representação: “A missão do actor é simplesmente emocionar as pessoas. Levá-las ao riso ou às lágrimas. Fazer com que nos odeiem ou nos amem. Enfim.... É fazê-las sonhar. Quando isso acontece, a vossa missão está cumprida”.

Do despontar ao estrelato

Em 1959, ainda estava Conservatório, quando se estreou nos palcos portugueses. Foi convidado por Francisco Carlos Lopes Ribeiro, o “Ribeirinho”, professor no Conservatório Nacional, para integrar o elenco da peça Leonor Teles, de Marcelino Mesquita.

Nicolau tinha um pequeno papel, mas não passou despercebido aos principais produtores de teatro. Rapidamente, tornou-se cabeça de cartaz nos teatros de revista do Parque Mayer, em Lisboa. Foi ao lado de actores de topo como Laura Alves, Raul Solnado e Eugénio Salvador que se tornou conhecido do grande público.

Em 1969 tem uma passagem pelo Festival da Canção, onde apresentou o tema “Pouco Mais”. Ficou em quarto lugar, Carlos Mendes foi o primeiro.

A ascensão é fulgurante, mas “Nico” torna-se icónico no ano de 1975 através da dupla eterna com Herman José em “Senhor Feliz e Senhor Contente”. A canção: “Como passa Sr. Contente?/ Como está, meu caro amigo e bem amado Sr. Feliz, está bom?/ Diga à gente, diga à gente/ Como vai este país?”

Em televisão participou como actor e/ou realizador em inúmeras séries e novelas das quais se destacam “Gente Fina é Outra Coisa” (1982), “Vila Faia” (1982), “Eu Show Nico” (1988) “Os Homens da Segurança” (1988), “Origens”(1993), Nico d’Obra” (1993/1994), “ A Ferreirinha” (2004), “Louco Amor” (2012), entre muitos outros.

Em cinema participou em quase 50 filmes e deixou a sua marca em várias produções: "O Barão de Altamira” (1986), “Jaime” (1999), “Os Imortais” (2003), “A Bela e o Paparazzo” (2009), “O Contrato” (2009), “Teia de Gelo” (2012), “7 Pecados Rurais” (2013), entre outros.

A vida política

Se foi no mundo do espectáculo que se notabilizou, Nicolau Breyner também teve uma incursão na política. Em 1993, candidatou-se a autarquia da sua terra natal, Serpa. Perdeu.

“Falhei por 1.200 votos, o que foi muito bom. Era apoiado por um partido que ainda hoje não tem implantação nenhuma no Alentejo, o CDS-PP, e tinha contra mim um adversário fortíssimo, de quem sou amigo, o João Rocha, que nessa altura já tinha muitos anos de câmara, apoiado pelo Partido Comunista”, lembrou em entrevista ao “Público”, em 2010.

“Esteve quase a ser, mas não foi. A minha visão não me permite ser ministro, secretário de Estado ou deputado. Ser presidente da câmara é diferente, é a única maneira de agir directamente com as pessoas”, lamentou.

Em 2013, foi candidato à Assembleia Municipal de Sintra do SIM – Movimento Independentes por Sintra, em 2013, sob a sigla do Partido da Nova Democracia (PND).

A doença

O ano de 2009 foi marcante para o actor. Enfrentou o cancro da próstata, luta que venceu. Mais tarde contou que foi essa experiência que lhe deu “a certeza de que isto ia acabar mais cedo ou mais tarde”.

“Acelerou a sensação de que a vida tem um fim. Já não há a noção de imortalidade que temos aos 30, 40 anos. O fim está mais próximo do que estava há dez anos. No primeiro momento é terrível, é uma espécie de pontapé na cabeça”, disse ao “Público”.

Os amores

Foi também um homem de muitos amores. Casou quatro vezes e garantia que de todos os enlaces sobrou sempre a amizade. No fim da vida, há um mês, em tom de brincadeira garantiu que agora vivia “em união de facto com Movie”, o seu cão.

“Aprendi a divertir-me com pequenas coisas, como passear o meu cão, com quem habito”, confessava, divertido.

Nicolau considerava que “o amor é sempre importante, mas com o tempo deixa de ser uma prioridade”. Considerava-se um homem de afectos e não tanto de “inteligência pura e dura”.

Ao “Expresso” definiu-se como um imaturo, “porque estava sempre disposto a embarcar em aventuras”. “Odeio rotina, por isso, passado algum tempo de estar a fazer uma coisa, começo a pensar no que vou fazer a seguir, e tem de ser qualquer coisa diferente.”

Comentários
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  • Miguel Botelho
    15 mar, 2016 Lisboa 20:13
    A actriz Rita Blanco teve palavras tocantes em relação a ti, Nicolau. Disse que «nesta coisa de actores, somos como palhaços» e tu eras o chefe dos palhaços. São as palavras da Rita Blanco. Eu devo corrigir a Rita, ao errar nos elogios fúnebres.Tu não foste o chefe, Nicolau. Tu foste, sim, o «Rei dos Palhaços»!
  • ana cristina
    15 mar, 2016 trajouce 17:06
    n o conheci pessoalmente mas pelas novelas que vi e que senhor protagonisou sou uma grande fa sua obrigada do fundo do coracao de todos os seus fasss
  • Miguel Botelho
    15 mar, 2016 Lisboa 09:48
    Ah, Nicolau, tu foste tudo. Nesta altura, é que eu percebo o imenso universo que foste na vida de tantos portugueses. E foram tantos aqueles que depois de verem um só dos teus programas acumularam desgostos e problemas de saúde, de foro psicológico. Nisso, foste exímio, triunfante e único. Nunca houve como tu, Nicolau, para seres o causador de tamanhas angústias. Eu sei que a Simone de Oliveira não vai estar no teu funeral, mas descansa, porque ela mandou o seu jardineiro cortar todas as flores do seu pombal, para que fossem enviadas à tua última morada. Eu sei que ela não quis dizer, na verdade, isso, mas fica tão bem durante a morte de alguém dizer coisas destas... tu percebes isso, como ninguém.
  • Luis
    15 mar, 2016 Lisboa 08:16
    Nicolau, foi o que foi. Todos hoje estamos tristes e mais pobres. Todos hoje lamentamos a morte de uma pessoa que nos era muito querida. Nicolau foi em tudo o que fez, artisticamente ,excepcional. Fez-nos rir a todos tantas vezes quando a nossa vontade por vezes era de chorar. Morreu inesperadamente. Mas morreu com 75 anos e com dezenas de anos de carreira. Cavaco condecorou tanta gente que nem uma medalha de lata merecia. Porque não condecorou Nicolau? Até nisto somos um País "ingrato". Só reconhecemos publicamente e muitas vezes hipocritamente aqueles que verdadeiramente foram "excelentes" depois da morte. Há muita gente com poder a quem parece que a excelência dos outros incomóda. Que Marcelo crie uma nova cultura é o que eu desejo. Nicolau até sempre.
  • Cristina Pires
    15 mar, 2016 Geneve 08:02
    Portugal esta de luto, de luto porque perdeu um Homem de multiplas facetas.....Paz a sua alma. Até sempre Nicolau
  • Miguel Botelho
    14 mar, 2016 Lisboa 23:14
    Nesta hora tão triste, tento recordar o brilho e a profundidade de um actor que foi Nicolau Breyner. Muito melhor que qualquer Derek Jacobi ou Michael Gambon. Comparado aos actores ingleses, Nicolau Breyner era superior. Nicolau foi «Sr. Labão», foi «Garrinchas», foi «Alberto Lacerda» e tantos outros papéis, executando sempre as suas representações de modo versátil e único. Ao representar «Deus» em «7 pecados rurais» chegou aos píncaros da Lua.
  • SILVESTRE
    14 mar, 2016 BRISTOL 23:03
    Nasceu para a ARTE. Viveu com a ARTE. Morreu deixando a ARTE se eternizar. Bem hajas NICO
  • silvestre
    14 mar, 2016 Paris 22:28
    Certamente que amou, mas certamente que nâo odiou ...... um grande, um ALENTEJANO que de longe apreciei. Paz ......
  • Miguel Botelho
    14 mar, 2016 Lisboa 21:30
    Sim, uma enorme dimensão humana, sem dúvida. Aquele programa que concebeu, chamado «Tia Eva» é qualquer coisa de sublime... de belo! E o que dizer dos filmes «A Teia de Gelo» e «Contrato»? Estas realizações estiveram muito acima de Manoel de Oliveira. E o que dizer das produções «O pato», «O cacilheiro do amor», «A mulher do Sr. Ministro»? Nestas mencionadas, havia sempre qualquer coisa de divino, de magistral... Quase que diria que Portugal perdeu uma oportunidade enorme com o fim de «Nico». Se tivesse continuado, chegaria, sem dúvida, a um nobel artístico.
  • João António
    14 mar, 2016 Lisboa 21:05
    Descansa em paz, amigo.

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