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A arquitectura, essa coisa “infernal”, voltou a unir Siza e Nadir Afonso

04 jul, 2016 - 12:58 • Olímpia Mairos

O Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso abre esta segunda-feira. “É uma honra ter o meu nome ligado ao do Nadir Afonso”, diz Siza à Renascença. Souto Moura diz que este é “um dos melhores edifícios do Siza”

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É ao longo da margem norte do rio Tâmega que se ergue o novo ícone de Chaves, o Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso. O edifício branco contrasta com o verde das árvores e da relva e o azul do céu. Projectado pelo arquitecto Álvaro Siza Viera, o museu, que é inaugurado esta segunda-feira, foi concebido em homenagem a Nadir Afonso, arquitecto, pintor e filósofo, juntando assim dois nomes maiores das artes em Portugal.

O presidente da Câmara de Chaves não tem dúvidas: nasceu o “maior ícone da cidade”, só “comparável ao que a ponte romana de Trajano significa para a cidade”. “Muitas pessoas virão a Chaves só para visitar esta nova arquitectura”, diz António Cabeleira.

A nova arquitectura é do Pritzker português Siza Vieira, escolhido pelo próprio Nadir Afonso para assinar o projecto.

“Fazer um museu para a obra de Nadir Afonso foi algo que me interessou especialmente. É uma honra ter o meu nome ligado ao do Nadir Afonso”, confidencia Siza à Renascença.

Siza e Nadir frequentaram a mesma escola de arquitectura, embora em tempos diferentes devido à diferença de idade (Siza nasceu em 1933, Nadir em 1920). Os dois arquitectos conheciam-se e, de vez em quando, conversavam. E foi numa dessas conversas que Nadir disse a Siza: “Arquitectura, isso é uma coisa infernal. Nem me falem em arquitectura”.

O projecto, explicado por Siza

É pela voz do próprio Siza Vieira que ficamos a conhecer o museu.

“Tem a recepção e, depois, uma sequência de salas de exposição, auditório, biblioteca, arquivo, espaços para o espólio do artista Nadir Afonso, a parte administrativa e um ateliê, que estará disponível para acolher temporariamente artistas provenientes de todo o mundo”, diz.

Na concretização da obra, “as dificuldades foram as normais”, explica Siza. “Uma dificuldade evidente era a hipótese de haver cheias”, o que “obrigou a erguer o piso, todo o programa, sobre umas lâminas de betão e a criar o acesso a uma ligeira rampa a partir da estrada que já não é inundada”.

E continua a apresentação. “Depois, desenvolve-se ao longo do rio, na margem do rio, aberto para essa paisagem, o corredor central, que são as salas de maior dimensão, iluminado através de lanternins. Há um terceiro corredor que corresponde aos arquivos”.

“É uma espécie de praça, uma praceta, onde tem praticamente tudo. Tem um auditório, tem cafetaria e, depois, tem uma rua – que são as galerias”, conclui Siza.

Souto Moura: “Um dos melhores edifícios do Siza”

É um dos melhores edifícios do Siza. É do que eu mais gosto”, diz à Renascença Souto de Moura, o outro Pritzker português. O arquitecto espera que, “depois da inauguração, tenha um bom futuro e sirva a cultura portuguesa”.

Para Souto de Moura, “o edifício está muito bem implantado” e “trabalha muito bem com as paredes extensas, os muros, as ruínas”. Enaltece o espaço “privilegiado”: “Faz muito bem a transição entre a cidade histórica e as margens do rio”.

Em relação à estética do imóvel, Souto de Moura é objectivo e directo. “É muito simples, coisa que às vezes nem sempre acontece. Há situações em que o Siza é obrigado a ser complicado. E este é muito linear, muito claro. Tem um material, uma forma bem distribuída”, afirma.

Souto de Moura é “admirador” de Nadir. Não sabe se gosta mais dele “como arquitecto ou como pintor”. “É um símbolo, é uma figura, é um ícone de Chaves”, refere.

Chaves “no roteiro da arte mundial”

“Daqui a uns anos, teremos muita gente a vir a Chaves, pessoas ligadas às artes, não só pela arquitectura do arquitecto Álvaro Siza Vieira, mas também pela pintura e pela filosofia de arte do mestre Nadir Afonso”, refere o presidente da Câmara.

O museu “recebe todo o espólio do pintor” e servirá para “dinamizar culturalmente Chaves e a região do Alto Tâmega porque a partir daqui múltiplas manifestações de arte podem ser feitas para atrair gente”. “O potencial deste edifício é muito grande e não tenho qualquer dúvida que vai colocar Chaves no roteiro mundial da arte contemporânea mundial”, afirma.

Nadir Afonso “viu a obra nascer, mas, infelizmente, não teve a oportunidade de a ver concluída. Seria com grande orgulho que veria esta obra”, diz Laura Afonso, mulher do artista.

“Chaves, a partir deste momento, tem um equipamento cultural que em qualquer parte do mundo seria sempre uma obra grande”, refere a também presidente da Fundação Nadir Afonso.

O Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso representa um investimento de 7,7 milhões de euros, comparticipados em 85% por fundos comunitários.

Nadir. Um homem “raro” que aos 87 ainda pulava os bancos do jardim

Esteve para se chamar Orlando, mas, por sugestão de um amigo do pai, foi registado com um nome de origem persa e hebraica. Nadir significa raro, em hebreu.

Filho do poeta Artur Maria Afonso, de Montalegre, e de Palmira Rodrigues, de Boticas, Nadir Afonso Rodrigues nasceu em Chaves a 4 de Dezembro, de 1920.

Laura Afonso, mulher do arquitecto, pintor e filósofo, revela à Renascença a vertente mais pessoal e desconhecida do homem Nadir e mostra-nos um ser humano simples e cheio de qualidades humanas.

“O Nadir era uma pessoa de gostos muito simples, era um homem muito frugal, um homem muito desprendido dos bens materiais. Costumava dizer-lhe que era um homem com o espírito de Diógenes, porque o Nadir, para comer, gostava de coisas simples como sopinha, pão, leite, mel, fruta e pouco mais”, confidencia, entre sorrisos.

Com olhos a brilhar, Laura prossegue: “Nadir tinha um grande sentido de humor, cantava muito bem, dançava muito bem, improvisava ao piano e era um homem bom, era um homem generoso.”

Toda a meninice de Nadir Afonso foi vivida nas margens do rio Tâmega. “Viveu na Madalena, até aos 12 anos e era nesta zona onde ele e os amigos andavam sempre, no Verão. Tinha muita ligação ao rio Tâmega, ao jardim público e, quando era criança, pulava os bancos do jardim”, conta Laura. Hábito que Nadir Afonso haveria de prolongar no tempo, mesmo quando homem feito.

“Todas as vezes que vinha a Chaves, ele pulava os bancos do jardim público. A última vez que os pulou, tinha 87 anos e disse: ‘Hoje pulei-os, mas acho que não os vou conseguir pular mais’. E realmente nunca mais os voltou a pular.”

O pintor e autor de uma teoria estética

Nadir Afonso licenciou-se em arquitectura, trabalhou com Le Corbusier e Oscar Niemeyer. Estudou pintura em Paris e foi um dos pioneiros da arte cinética, trabalhando ao lado de Victor Vasarely, Fernand Léger, August Herbin e André Bloc. É autor de uma teoria estética, tendo publicado em vários livros onde defende que “a arte é puramente objectiva e regida por leis de natureza matemática, que tratam a arte não como um acto de imaginação, mas de observação, percepção e manipulação da forma”.

Alcançou reconhecimento internacional e está representado em vários museus. As suas obras mais famosas são a série “Cidades”, composta por obras que sugerem lugares em todo o mundo.

Faleceu aos 93 anos, a 11 de Dezembro de 2013.

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