29 set, 2016 - 11:23 • Catarina Santos
A imagem mostra um homem idoso deitado numa cama a olhar para o exterior. Lá fora há barulho de máquinas. Estamos em 2014 e o bairro da Quinta da Vitória, na Portela, em Lisboa, está na última fase de demolição. Um pedaço daquele lugar que deixou de existir ficou congelado no filme "Maxamba", seleccionado para a secção "Travessias" do festival "Olhares do Mediterrâneo", que começa esta quinta-feira em Lisboa, no cinema São Jorge.
Ser seleccionado para o festival não surpreendeu a realizadora Sofia Borges, que assina o filme em co-autoria com a norte-americana Suzanne Barnard. Mas foi “uma grande satisfação” vê-lo encaixado na prateleira dedicada aos refugiados e migrantes forçados.
“O filme, não tratando aspectos actuais do problema dos refugiados, trata isso de outra forma, em termos de passado”. “Maxamba” é um retrato de Omar e Nani, indianos que emigraram para Moçambique e que nos anos 70 foram forçados a vir para Lisboa e construir uma casa na Quinta da Vitória. Quarenta anos depois tiveram de se mudar novamente, perdendo a forma de sustento que tinham criado como alfaiates do bairro.
A secção "travessias" é a novidade da terceira edição do festival e inclui ainda debates, uma exposição de fotografias tiradas por mulheres provenientes de zonas de conflito e a presença da organização SOS Méditerranée France, que faz ela própria salvamentos no Mediterrâneo.
Mas há mais. Há dezenas de ficções, documentários, curtas e longas de outras temáticas, “que de outra forma não chegariam ao circuito comercial”, explica Sara David Lopes, tradutora de filmes e uma das fundadoras do festival. O objectivo é disponibilizar mais diversidade, no sentido de “esbater alguns estereótipos – que são naturais e que todos temos – e desmistificar algumas circunstâncias que levam as pessoas a pôr uma certa distância entre elas”.
Mas o festival quer ser uma experiência completa e não apenas sentar espectadores numa sala de cinema. Pelo cinema São Jorge passam várias outras actividades em torno dos filmes, como momentos musicais, workshops, aulas de cozinha e haverá até um espaço para tomar chã marroquino.
O objectivo é explorar a cultura mediterrânica em todas as suas vertentes, “num estímulo a outros sentidos que não apenas a visão e audição”, criando “situações mais interactivas para as pessoas não serem apenas espectadores passivos e poderem participar”.
Olhar feminino mas não feminista
O subtítulo descreve o evento como "cinema no feminino". “Até ao ano passado tínhamos só filmes realizados por mulheres e este ano decidimos abrir o critério à equipa de produção – temos filmes realizados por homens mas que têm uma argumentista ou uma directora de produção que é mulher”.
A fundadora do festival sublinha, contudo, que o objectivo não é fechar. “Não são filmes feministas, de todo”, não são “militantes” e o público-alvo “não são as mulheres, é o público todo”. Incluindo as crianças, para as quais há programação especial no domingo.
Criado em parceria com o Centro em Rede de Investigação em Antropologia, o festival Olhares do Mediterrâneo foi este ano recomendado pelo Plano Nacional de Cinema e vai receber 700 pessoas nas sessões especiais para escolas.