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Aristides Sousa Mendes. O homem cuja “consciência foi mais importante do que o seu dever"

23 dez, 2016 - 18:58 • Elsa Araújo Rodrigues

Há um novo documentário sobre o embaixador português em Bordéus por alturas da II Guerra Mundial, realizado por um argentino de ascendência portuguesa, que deixa críticas ao actual embaixador de Portugal em Buenos Aires.

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“Um homem bom”. É assim que o mais recente filme que narra a história de Aristides de Sousa Mendes descreve o diplomata português. O documentário “Aristides Sousa Mendes: Um Homem Bom” tem uma parte ficcionada, é realizado por Victor Lopes, um argentino com nacionalidade portuguesa, e foi filmado em Buenos Aires.

Na tela conta-se a história de sete dias na vida do cônsul português na cidade francesa de Bordéus que, entre 16 e 23 de Junho de 1940, assinou cerca de 30 mil vistos que permitiram a muitas famílias de origem judia abandonar França tomada pelos nazis. Os salvo-condutos abriram a porta à entrada em Portugal e, para muitos, a viagem até ao outro lado do Atlântico, para longe do Holocausto.

Um momento em que “que lhe pesou mais a consciência que o sentido do dever”, frisa o realizador, em entrevista à Renascença. Mais uma homenagem do realizador, depois de em Junho 2015 ter proposto a colocação de uma placa com o nome de Aristides Sousa Mendes na Praça de Portugal, no bairro Belgrano da capital argentina.

Victor Lopes diz que Sousa Mendes “não era um super-herói”, apenas reagiu ao contrário do que faria um burocrata. E deixa o alerta: precisamos de mais pessoas como Aristides de Sousa Mendes nos gabinetes, que tentem salvar pessoas – como os muitos migrantes que chegam à Europa - para lá da burocracia.

De onde surgiu a ideia de filmar um documentário sobre Aristides de Sousa Mendes?

Considero que Aristides de Sousa Mendes é um dos portugueses mais importantes, de entre aqueles que ajudaram a salvar vidas no Holocausto. E aqui na Argentina é uma personagem praticamente desconhecida. Em 2015, apresentei um projecto à legislatura da cidade de Buenos Aires que foi aprovado pelos deputados municipais e foi colocada uma placa numa praça com o seu nome. Foi uma homenagem a este grande português que integra, com outros três, a lista de "Justos entre as Nações", que salvaram vidas durante a invasão nazi, um pouco por toda a Europa. Embora creia que alguns sectores conservadores da sociedade portuguesa não tenham compreendido a missão de Sousa Mendes de salvar vidas, este meu trabalho vai permitir às gerações futuras conhecerem este grande português.

O Victor também tem nacionalidade portuguesa.

Os meus pais saíram do Algarve e chegaram à Argentina nos anos 50. São naturais de São Brás de Alportel, no sul de Portugal. E eu, sempre que posso, vou a Portugal. E tenho grandes amigos em Portugal. É um país que amo e que sinto como meu. Cada vez que vou a Portugal, sou muito bem tratado.

Teve apoio português para financiar o filme?

Não tive apoio de nenhuma instituição portuguesa, também porque não o pedi. Tive um problema de apoio, mas foi quando pedi ao embaixador de Portugal na Argentina, Henrique Silveira Borges, que se negou a apoiar o projecto. Não conheço os motivos pelos quais não quis apoiar esta homenagem a Sousa Mendes. Nunca me responderam aos e-mails. Por outro lado, recebi o apoio das embaixadas de Israel, Alemanha e França. E também da AMIA (Asociación Mutual Israelita Argentina) e outras instituições. O neto de Sousa Mendes e a Fundação Sousa Mendes, sediada nos Estados Unidos. Mas a Embaixada de Portugal na Argentina, e em especial, o embaixador Henrique Silveira Borges, não quiserem apoiar o projecto.

Sabe a que deveu essa falta de apoio?

Não sei ao certo. O que sei, porque tive pessoas que me escreveram a partir de Portugal, é que há uma corrente de direita que desvaloriza a actividade de Aristides de Sousa Mendes à frente do Consulado de Bordéus a salvar pessoas do Holocausto.

Deve-se a uma questão ideológica?

Suponho que sim, mas nunca ninguém me explicou nada mais do que isto. Há sobretudo muito silêncio [sobre o legado de Aristides de Sousa Mendes], algo que continua a ser incompreensível para mim. Espero que as instituições portuguesas um dia me expliquem o que pensam sobre Aristides de Sousa Mendes.

Voltando ao filme propriamente dito. Podemos dizer que retrata um momento em particular da vida do cônsul português?

Fazemos um pequeno relato desde o seu nascimento e também dos dados mais precisos e básicos da sua carreira diplomática. Mas colocamos muita ênfase no momento em que lhe pesa mais a consciência que o sentido do dever. Como sabemos, havia uma circular, a número 14, difundida por Salazar, primeiro-ministro de Portugal, que proibia explicitamente dar vistos aos perseguidos. A ênfase está nesse momento, em que a consciência foi mais importante que o dever. Muitas vezes, nas nossas profissões vivemos esse conflito. Eu penso que Aristides de Sousa Mendes era um homem como qualquer outro, não era um super-herói. Simplesmente reagiu ao contrário do que fazem os burocratas nestes casos. A sua consciência foi mais importante do que o seu dever. O filme baseia-se principalmente nos sete dias em que passou os vistos, nessa corrida contra a morte de um homem que fez tudo sabendo que quando voltasse a Portugal ia ser considerado um traidor.

Como foi o processo de escolha dos actores?

Começou através de uma convocatória aberta, democrática. Ou seja, não me foram recomendados actores nem actrizes. Foi através de um casting público e para o qual se apresentaram mais de 120 actrizes de toda a Argentina. Melissa Zwanck acabou para ser a actriz escolhida, a personagem que faz o relato toda a história de Aristides de Sousa Mendes.

O filme é essencialmente um documentário, mas tem uma parte de ficção, sobre a qual não vou adiantar muito e que espero que seja do agrado do público. Sobre o processo de escolha dos actores, foi feito através de casting. Escolhemos o actor

Nahuel Padrevecchi para encarnar a figura de Sousa Mendes e Melissa Zwanck - uma actriz muito jovem, de 20 anos, que vai ser uma grande actriz argentina - para relatar a história. Uma história de um grande português, do qual muitos sentem orgulho e eu também.

É um filme documental com uma parte ficcionada?

Exactamente. O filme tem aproximadamente trinta minutos e no fim, há uma parte de ficção. É quando Aristides Sousa Mendes percorre a cidade de Buenos Aires.

No processo de pesquisa para realizar o filme, entrou em contracto com a família do cônsul português?

Tenho uma grande amizade e um grande carinho pelo neto de Sousa Mendes que vive em Cabanas de Viriato [no concelho de Viseu], António Moncada Sousa Mendes, que é um grande difusor da obra do avô. E conto com o apoio dele, com o suporte, com a amizade deste homem que não se cansa de difundir, em Portugal e no resto do mundo, o que foi a tarefa humanitária de Aristides de Sousa Mendes.

Ainda em relação à preparação do filme. Teve acesso à informação junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros acerca de como funcionava a diplomacia portuguesa na época?

Tive muita dificuldade em aceder a essa informação. Tanto os contactos que fiz com o Instituto Camões, como com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, não tiveram resposta. Recorri sobretudo à literatura de diferentes autores portugueses, portugueses e não só, que estudaram este tema e foi destas leituras que extraí os dados. Na Argentina, Aristides de Sousa Mendes é um personagem praticamente desconhecido.

Esse desconhecimento também lhe serviu de motivação?

O meu trabalho é apenas um grão de areia, que eu espero que apele à consciência colectiva. Fui também muito apoiado e ajudado por João Correa, um dos realizadores do filme [de ficção] "O Cônsul de Bordéus (2011)" a par com Francisco Manso. Para além de ter visto o filme dele, que tenho em casa, mais de cem vezes, João Correa também me deu a conhecer alguns dados sobre a vida de Aristides de Sousa Mendes. Tive muito material disponível que me permitiu levar o trabalho por diante.

A estreia do documentário já tem data prevista?

Neste momento estamos a trabalhar para apresentar o filme no fim deste ano, em diferentes festivais de documentários históricos. Penso que no ano que vem iremos a Portugal, por Espanha e em diferentes locais e regiões na Europa, para difundir esta grande personalidade. Para mim, é alguém que não deve cair no esquecimento. Sobretudo, desde que começaram a restaurar a casa natal de Aristides de Sousa Mendes para construir um museu. O que quero dizer, é que a figura de Aristides de Sousa Mendes, ao contrário do que algumas pessoas pretendem, cada vez tem maior dimensão. Em especial, quando na Europa e no resto do mundo, temos problemas migratórios gravíssimos. Parece-me que hoje em dia nos fazem falta mais personalidades como Aristides de Sousa Mendes, a tentar salvar pessoas.

Actualmente é mais difícil encontrar pessoas com um perfil semelhante ao de Sousa Mendes?

Sim e fazem falta nos gabinetes das instituições oficiais. Precisamos de menos burocratas, menos fascistas e mais democratas ao serviço dos seres humanos. A minha grande pergunta é esta: que fariam os actuais embaixadores de Portugal e de outros países que se encontram em funções um pouco por todo o mundo se colocados face a circunstâncias parecidas? Que fariam? Salvariam pessoas ou seriam indiferentes? Será que hoje atribuiriam os vistos? É esta pergunta que quero colocar ao mundo.

Comentários
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  • Ana Catarina
    28 ago, 2017 Tavira 10:07
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Aristides_de_Sousa_Mendes Convém alargar o leque de informação para melhor ficarmos a conhecer este cônsul Em cima um link que nos permite isso mesmo A história é pródiga a fazer heróis onde eles não existem Tipo do Zé do Telhado ou do João Brandão
  • António Sousa
    06 abr, 2017 Gondomar 17:58
    Ditosa a Pátria que tal filho gerou
  • Maria Vaz T
    17 mar, 2017 Lisboa 04:41
    Li recentemente que o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou Aristides e considero isso um grande gesto do Estado português. Assim como a reconstrução da sua casa natal em Cabanas de Viriato (Viseu), são sinais de que os portugueses veem, pouco a pouco, a figura de Aristides de Sousa Mendes como um herói. Contudo, não percebo como é que o Governo protege o cargo de pessoas como Henrique Silveira Borges na Argentina.
  • José Pereira
    06 jan, 2017 Palmela 23:23
    A ser verdade, quero apenas apresentar a minha surpresa e até indignação, pelo estranho e infeliz comportamento do nosso atual embaixador na Argentina, Henrique Silveira Borges, pela indiferença, pelo desprezo dum Homem excecional, que contra as ordens mesquinhas e fascistas do ditador Salazar, não hesitou em enfrentar e contrariar essas ordens, com todos os riscos e consequências, e que foram catastróficas, vendo a sua vida e família destruídas, pela vingança de Salazar, porque Aristides cometeu o "terrível crime"de salvar milhares de vidas daqueles que fugiam à morte pelos assassinos nazis...
  • Paula Rodrigues
    06 jan, 2017 Coimbra 16:45
    Parabens Argentina! Parabens Vitor Lopes! Homenagem justa a um Grande Senhor da Diplomacia Portuguesa, que nunca foi devidamente reconhecido pelo Regime de Salazar, bem pelo contrário, foi desprezado, levando toda a sua família à imerecida miséria. Daqui deste cantinho Português, cumprimento toda a sua família, desejando toda a sorte do mundo, para que tudo se concretize a seu favor. À tanta gente que foi medalhado neste país, não entendo, o porquê de não terem dado a título póstumo a medalha de grande mérito reconhecido por todo o mundo, a este Diplomata que tanta gente salvou de morte certa. O meu orgulho pelo que fez este Cônsul Português a bem da cidadania mundial. Um abraço de amizade a esta família.
  • Paula Rodrigues
    06 jan, 2017 Coimbra 11:12
    Parabens Argentina! Parabens Vitor Lopes! Homenagem justa a um Grande Senhor da Diplomacia Portuguesa, que nunca foi devidamente reconhecido pelo Regime de Salazar, bem pelo contrário, foi desprezado, levando toda a sua família à imerecida miséria. Daqui deste cantinho Português, cumprimento toda a sua família, desejando toda a sorte do mundo, para que tudo se concretize a seu favor. À tanta gente que foi medalhado neste país, não entendo, o porquê de não terem dado a título póstumo a medalha de grande mérito reconhecido por todo o mundo, a este Diplomata que tanta gente salvou de morte certa. O meu orgulho pelo que fez este Cônsul Português a bem da cidadania mundial. Um abraço de amizade a esta família.
  • Joao Abreu
    05 jan, 2017 Porto 23:35
    Como admirador e em legítima justiça e honra, ao nosso herói Aristides Sousa Mendes, bem como, cidadão e contribuinte português de plenos direitos e cidadania, gostava de saber, ou melhor, exijo saber, porque razão, um tal embaixador menor e conforme referenciado, de nome Henrique Silveira Borges, não só se negou a colaborar neste filme, como também e em nome de Portugal, nem sequer se dignou a responder ao solicitado e de inegável interesse histórico e nacional. Para mim, é simplesmente mais uma vergonha, obscura e que em nada, dignifica Portugal. Pelo menos, tenham agora a hombridade de se justificarem e retratarem publicamente.
  • Otilia Sampaio
    05 jan, 2017 Viseu 22:21
    É de homens como este que Portugal precisa. Vergonhosa a falta de apoio e reconhecimento das entidades portuguesas, algo que em nada me espanta tendo em conta a maneira como este país tem sido governado ou melhor dizendo desgovernado ao longo da sua história... Enfim dá mesmo que pensar...
  • António Reis Silva
    05 jan, 2017 Setúbal 17:55
    Sem duvida que foi um grande politico e fez aquilo que devia fazer independentemente do governo de Salazar gostar ou não. Pena é que os governos ditos Democráticos que governaram este país nunca se lembraram de homenagear Aristides Sousa Mendes.
  • Manuela de Lima
    05 jan, 2017 Concord California USA 10:16
    Grande personalidade! A vida humana e preciosa e Aristides Sousa Mendes seguiu a sua consciência. Um herói...🌴PT/USA

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