30 jan, 2017 - 18:50
O romance “O Nosso Reino”, de Valter Hugo Mãe, que gerou polémica pelas passagens de cariz sexual, sairá das leituras recomendadas no 3.º ciclo pelo Plano Nacional de Leitura para constar apenas do secundário.
“Não está em causa a sua qualidade literária, o que houve foi um problema de inserção na lista. O livro entrou no 3.º ciclo por lapso, porque foi escolhido para o secundário”, disse à Lusa Fernando Pinto do Amaral, comissário do Plano Nacional de Leitura (PNL).
São centenas de livros e dezenas de listas que integram o PNL, pelo que é normal que ocorram erros deste tipo, explicou o responsável, exemplificando com um caso semelhante que aconteceu há uns anos com um livro da escritora Alice Vieira.
De qualquer forma, o poeta desvaloriza a polémica, explicando que não se trata de uma obra de cariz erótico, mas de um livro com memórias de infância e que tem umas passagens com conteúdo sexual, que apareceram descontextualizadas da narrativa.
Assim, o livro continuará a integrar o PNL, mas na lista das leituras recomendadas para alunos do secundário.
“O Nosso Reino” estava nas listas dos livros de leitura recomendada para o 3.º ciclo do ensino básico, que abrange 7.º, 8.º e 9.º anos, portanto, alunos com idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos.
A polémica surgiu quando pais de alunos do 8.º ano do Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, que leram o livro nas férias do Natal e protestaram contra o seu conteúdo.
A decisão de passar o livro para as listas do secundário foi tomada após uma reunião esta segunda-feira à tarde com a comissão de especialistas que seleccionam os livros.
Contudo, Fernando Pinto do Amaral sublinhou que esta decisão não foi uma “reacção” à polémica, mas sim a correcção de um lapso, que entretanto foi detectado.
Livro é exposição de "ternura", diz Valter Hugo Mãe
Entretanto, o escritor Valter Hugo Mãe, numa mensagem publicada na rede social Facebook, considerou que ver o livro em causa “reduzido a duas frases, e por duas frases julgado, é sintomático do tempo de sentenças sumárias em que se vive”.
“Opinar passou a ser uma espécie de chelique imediato em que a maioria dos opinantes não sabe o que está em causa; não sabe, por isso, o que está a dizer”, afirma.
O escritor lamenta que “quem discuta acerca do desconforto de alguns pais (…) pareça ter-se esquivado a ler o livro e a perguntar se o choque provocado vem da sua efectiva leitura ou das duas frases que se autonomizaram sem contexto, parecendo sugerir que a obra é um exercício de perversão”.
Valter Hugo Mãe recorda que as duas passagens do livro em questão, “terríveis palavras que lhe dizem [à personagem central, um menino de oito anos] sobre a tia e, mais tarde, sobre um tio que chega de França”, “estão como punhais no peito puro da criança, e quem lê o livro não se choca com as palavras, choca-se com a tristeza e o desamparo de que se fala”.
Referindo não ser professor, mas já ter sido aluno e já ter tido 13 e 14 anos, assume que não lhe “compete ajuizar da adequação de um livro a uma determinada idade escolar”.
“Seja como for, o que me compete dizer é que o meu livro não é um torpe discurso. É, muito ao contrário, uma exposição enorme de ternura. Para não o perceber basta não ler”, refere.
O escritor termina a mensagem com uma passagem de “O Nosso Reino”: "a santidade era uma coisa para todos os dias, mas era difícil. Porque a vontade de me manter santo não me assistia da mesma forma, alguns conseguiam destruir-me por dentro a esperança de os salvar."
[Notícia actualizada às 19h13 com a opinião de Valter Hugo Mãe]