17 mar, 2017 - 23:39 • Maria João Costa
Nunca tinham estado à conversa e o Ensaio Geral desafiou-os no Festival Literário da Madeira. Convite aceite, os escritores Pepetela e Valter Hugo Mãe têm em comum não só a arte da escrita mas o facto de terem nascido em Angola.
Pepetela é de Benguela, Valter Hugo Mãe nasceu em Henrique de Carvalho numa Angola colonialista. No programa de cultura da Renascença os dois autores falam sobre a actual situação de Angola.
Pepetela, que lançou “A Geração da Utopia”, lamenta que os mais novos queiram esquecer o passado da guerra e da escravatura. “É preciso saber-se do passado para se poder avançar para o futuro” afirma.
O escritor que venceu o Prémio Camões em 1997 considera que, sem preservar a memória do passado, “perde-se identidade” e defende a permanência dos “valores que vêm da tradição”.
Questionado sobre o actual sistema educativo em Angola, o antigo vice-ministro com a pasta da Educação lamenta o “mau estado” em que o sector está no seu país. Pepetela recorda mesmo que algumas das medidas temporárias que pôs em marcha quando estava em funções perduram até aos dias de hoje.
Sobre a Angola que deixou para trás, Valter Hugo Mãe vai resgatar ao baú as suas memória de infância. Para o escritor de “Homens Imprudentemente Poéticos”, a existência do passado “é vital”.
“A lembrança é a única coisa a que se consegue agarrar” e essa memória veio através dos pais, sublinha.
Trata-se de uma recordação de um mundo de fascínio e paradisíaco. Valter hugo Mãe, que venceu o Prémio José Saramago em 2007, expressa o desejo que “Angola se apazigue” e que possa continuar “o caminho da cordialidade”.
A SIC Noticias e José Eduardo dos Santos
Questionado sobre o facto de as emissões da SIC Noticias e SIC Internacional terem sido interrompidas em Angola pela operadora detida por Isabel dos Santos, Pepetela afirma que “é claro que não há, ainda, uma imprensa totalmente livre”.
Para o autor que vive entre Angola e o Brasil, “há um controlo muito forte” sobretudo na televisão. Sem querer comentar o caso concreto por dizer não conhecer os pormenores, Pepetela conclui que “há uma maior preocupação com a televisão por parte das autoridades”.
Questionado sobre o futuro de Angola sem José Eduardo dos Santos, manifesta o desejo que “as coisas corram bem”. Pepetela diz mesmo que “aparentemente não estão a correr muito mal”.
O escritor diz que temia “os órfãos antecipados”, “a chorar pai não vás”. Para o autor de “O Quase Fim do Mundo”, o sucessor de José Eduardo dos Santos tem-se preocupado em mostrar que não é contra o legado do ainda Presidente, por isso, conclui “a transição a nível do MPLA vai ser pacífica”, mas “vai ter de haver mudanças”.
A poética da escrita de Valter Hugo Mãe
Com 20 anos de carreira literária, Valter Hugo Mãe diz no Ensaio Geral que está actualmente a trabalhar num monólogo para uma peça de teatro.
Depois de no ano passado ter lançado “Homens Imprudentemente Poéticos”, o autor fala daquela que foi a génese da sua escrita, a poesia. A rir, afirma, “a poesia é um modo de ser, já nem é género”.
Depois de tanto se ter “obstinado com os versos”, cada coisa que faz lhe “sugere ainda versos”. Quer com isto dizer que mesmo quando escreve prosa, a poesia o assalta explica ao Ensaio Geral Valter Hugo Mãe. “Talvez seja verdade que o que fará valer a pena os meus romances, se eles valerem a pena, é a sua dimensão poética”, diz o escritor ao Ensaio Geral especial no Festiva Literário da Madeira.