26 abr, 2017 - 17:44 • Olímpia Mairos
É de Vinhais que parte a narrativa e foi em Vinhais que se iniciou o percurso do novo filme de João Canijo no cinema. Era uma promessa do realizador e no último domingo, à hora prevista, já a sala do Centro Cultural Solar Condes de Vinhais estava repleta de gente.
Antes da exibição, o realizador e algumas actrizes pisaram o palco para agradecer o contributo das gentes de Vinhais. João Canijo emocionou-se e com a voz embargada disse: “Evidentemente não podia deixar de ser a antestreia mundial deste filme em Vinhais, porque este filme deve tudo a Vinhais”. O público aplaudiu e Canijo prosseguiu. “Se Vinhais foi a nossa família, Rio de Fornos foi a nossa família mais chegada”.
As actrizes também agradeceram a colaboração que receberam do povo vinhaense e o filme, em versão longa, de quase três horas, começou.
Ainda comovido e já fora da sala, o realizador voltou a falar da importância de Vinhais para a realização do “Fátima”, afirmando que o filme só existe porque “existem estas pessoas em Vinhais. As pessoas vieram ao nosso encontro por coincidência e o filme existe graças a elas, pura e simplesmente. E elas são a Maria José Vilaça e o senhor Francisco Pires”.
Canijo sublinha as amizades que ficaram e justifica o regresso a Vinhais para a antestreia do filme. “É para nós o público mais importante. Se eles gostarem, ficamos descansadinhos da vida; se não gostarem, não sabemos o que é que havemos de fazer. Mas acho que vão gostar”, conclui.
“Um bocadinho mais exagerado nas asneirinhas”
No filme, 11 mulheres percorrem 430 quilómetros em direcção à Cova da Iria, durante nove dias. Pelo caminho há dificuldades, cansaço, sofrimento, conflito e até ruptura. Vicissitudes inerentes à extensão do caminho e ao limite do ser humano.
Francisco Pires, da aldeia de Rio de Fornos, foi uma das inspirações para o realizador e acompanhou grande parte das filmagens. Já foi 17 vezes a Fátima. De olhos fixos no ecrã, não quer perder nenhum pormenor.
No final não escondeu o contentamento e aprovou o filme. “Sim, gostei de ver. Eu vi a filmagem toda, mas agora gostei de ver assim e ouvir as conversas delas porque, às vezes, não ouvia, estava mais distante, mas gostei. É mais ou menos aquilo que se passa com os meus grupos”, diz Francisco, que costuma acompanhar grupos que vão a pé a Fátima. “Ele copiou tudo por mim, até o deitarem fora as garrafas de água vazias”, conclui.
Outra das inspirações de Canijo foi Maria José Vilaça, também de Rio de Fornos. Já foi várias vezes a Fátima a pé. Uma delas com as actrizes Anabela Moreira e Vera Barreto. Gostou do filme, mas sublinha que quem vai por fé a Fátima tem outro espírito, outra linguagem e outra forma de reagir às dificuldades.
“É um bocadinho mais exagerado nas asneirinhas, porque nós não dizemos tantas asneirinhas, rezamos mais. Mas o realizador, no início do filme, também disse que não é para retratar uma peregrinação a sério”, diz Maria José.
“A linguagem choca-me um bocadinho e nas nossas peregrinações há mais inter-ajuda entre as pessoas, não deixamos ninguém de lado e não há esses conflitos”, conclui.
No filme, o cansaço e o sofrimento extremos levam as personagens a momentos de ruptura, revelando as motivações mais profundas de cada uma delas. Chegadas a Fátima, cada uma terá que reencontrar o seu próprio caminho para a redenção.
A estreia nacional é esta quinta-feira e o filme “não acaba aqui”, disse o realizador. Terá um “desenvolvimento” numa série de cinco episódios, que será exibida em Outubro pela RTP.
Este trabalho mostra a mais longa e dura peregrinação a Fátima, que parte anualmente desta zona do distrito de Bragança, a mais distante do santuário, e que percorre 430 quilómetros, a pé, em nove dias.
Actrizes agradecem
Sara Norte, uma das protagonistas do filme, fala de uma experiência única. Desde logo por “poder participar num filme de João Canijo e estar a quatrocentos quilómetros de casa” e isso ser colmatado pelo carinho que recebe das pessoas.
No filme, Sara é a condutora da carrinha de apoio. O estágio foi feito em Rio de Fornos, com o “senhor Francisco e o Daniel” e fez “um bocadinho de tudo”. “Reboquei paredes, cortei lenha, aprendi a conduzir uma carrinha de apoio, que com o atrelado fazem 15 metros, e recebi muito amor e carinho desta gente”.
Uma experiência marcante, porque “as pessoas aqui são diferentes, são afectuosas…, não têm aquelas barreiras que as pessoas das grandes cidades têm”, sublinha a actriz. “Fez-me muito bem vir, afastar-me e estar em paz”.
A actriz Cleia Almeida não escondeu o seu contentamento no regresso a Vinhais. Confessa até uma certa ansiedade em regressar ao local de que são oriundas as personagens. “E é estranho, porque, agora, estamos aqui para dar o filme às pessoas e saber o que elas vêem ali no filme”.
“Aqui ainda há muitas dificuldades de trabalho, muitas dificuldades económicas e sociais, até culturais. Aqui não há cinema e as mulheres têm que fazer o dobro ou o triplo para fazerem tudo na agricultura, depois têm os porcos e ainda fazem o fumeiro e [esta experiência] faz de nós mulheres mais fortes e com um leque maior de coisas para oferecer”, conta Cleia Almeida.
Uma ideia partilhada por outra actriz do elenco, Anabela Almeida. “Acabou por ser uma experiência de vida e foi maravilhosa. Eu engordei uns quilos para o filme e não foi difícil, aqui come-se muito bem. Foi maravilhoso porque criei aqui algumas famílias e inclusive estou a pensar comprar casa aqui, para passar férias”.