24 jan, 2018 - 20:34
Em 1994, para pôr fim ao concurso “Roda da Sorte”, Herman José, de óculos de sol e casaco de cabedal, destruiu a tiros de caçadeira parte do estúdio da RTP. O momento, inédito na televisão portuguesa (mundial?), tornou-se clássico. O episódio foi citado pelo agente Miguel Raposo na Renascença para comentar a polémica sobre os conteúdos publicados pelos “youtubers” portugueses, alguns dos quais representa. E o que diz Herman? Quisemos saber.
“Quando resolvi destruir o cenário, sofri, na altura, críticas absolutamente pesadas e fortíssimas, às quais posso ter dado na altura parcialmente razão, mas senti que estava a exercer uma coisa que me apetecia muito fazer: criar rupturas com as gerações acima, que diziam que não se pode isto e aquilo e não deves fazer isto e aquilo”, disse Herman José esta quarta-feira na Tarde da Renascença.
“A única coisa que achei, de repente, divertido imaginar é que a mesma miudagem que se divertiu que nem uns doidos naqueles inícios de anos 90 está hoje confrontada com a duríssima tarefa que é educar crianças e filhos. Este pânico de chegar a casa e ver as crianças agarradas a coisas que, muitas vezes, não se suportam, não se entendem ou não se gostam de ver”, sublinha o humorista.
O mítico episódio do concurso da "Roda da Sorte" foi recordado terça-feira por Miguel Raposo, da agência Be Influence, que gere a carreira de mais de 50 "youtubers", entre os quais os populares Sirkazzio, Fer0m0nas ou Wuant. Miguel Raposo afirma que Herman fez apenas entretenimento e não um apelo ao uso de armas pelos telespectadores.
Questionado sobre como tem acompanhado o fenómeno dos “youtubers” e os limites dos conteúdos vistos por crianças, Herman José responde que vê tudo de uma “posição muito confortável e egoísta” porque não tem filhos para educar.
“Posso dar-me ao luxo de achar tudo divertidíssimo e de ter aquela posição passiva/voyeurística de ‘olha que engraçado, estão ali a partir um copo ou a sujar uma parede’ porque não tem nada a ver comigo”, diz.
“É uma posição muito egoísta”, admite, diferente da de quem tem “responsabilidade de tratar de um ser humano de sete, oito, nove anos ou menos”. E alerta: as crianças têm hoje “acesso a coisas bastante mais graves do que os 'youtubers'”.
Este mês, Ana Galvão, voz da Tarde da Renascença e mãe, publicou um longo texto no Facebook no qual denunciava a existência de “um grupo de 'youtubers', que gravam vídeos sem parar, que têm fãs aos molhos e que, todos os dias, apresentam ao mundo conteúdo falado em mau português, cheio de palavrões, obscenidades, apelo a insultar os pais, e ainda, desafios para as crianças serem rebeldes na escola”. As declarações tornaram-se virais, motivando elogios, críticas e até insultos.
Herman José considera que vivemos em tempos “muito diferentes e desregulados”, em que tudo evolui “muito rápido”, e que “esta polémica que a Ana Galvão suscitou é essencial para discutir os assuntos e perceber como reagir às coisas”.
“Acima de tudo, são uma chamada de atenção para as situações, para mim mais graves: os pais que estão completamente distanciados da realidade. É essencial que os pais estejam atentos e acompanhem dia a dia para fazerem o ‘damage control’ [controlo de danos], o que não é tarefa nada fácil”, remata o humorista.