14 abr, 2018 - 12:13 • Maria João Costa
Com um sotaque marcadamente açoriano, João Pedro Porto diz que “é difícil admitir essa palavra” quando lhe perguntamos se é escritor. Esteve este ano entre os finalistas ao Prémio Casino da Póvoa com o livro “A Brecha”. João Pedro Porto prefere dizer: “sim, eu escrevo”, até porque nos explica faz outra “data de coisas”. Mas a verdade é que a sua relação com os livros é antiga e familiar.
João Pedro Porto evoca o avô que “era contista, que fez parte da geração de quarenta e fundou o círculo literário Antero de Quental, nos Açores”. Mas há mais nessa relação entre a vida do escritor e os livros. Porto descreve que cresceu “literalmente entre livros.” E conta que “não era daqueles rapazes que saia de casa.” Para ele as saídas “eram através dos livros, viajava através dos livros”. Ainda hoje classifica-se como “um pouco bicho do buraco”, prefere estar na sua biblioteca, o local onde se sente “mais confortável no mundo” rodeado de milhares de livros.
É na sua biblioteca que está “o mundo inteiro” diz João Pedro Porto que explica que a sua “mesa de cabeceira é feita de livros em cima de livros.” Ele que recorda os tempos de infância em que lia “debaixo dos lençóis com uma lanterna ou em que passava verões inteiros a ler” tem hoje um novo livro.
“A Brecha” é o quarto romance que edita e o primeiro a sair com a chancela Quetzal. Sobre o território desta obra, João Pedro Porto relata que “Tudo alterna entre uma região geográfica verdadeira, um Algarve surreal e umas quantas falésias surreais. Depois passa para África que representa uma interioridade humana. Passa para dentro do herói se assim quisermos ver. Mas é uma geografia algo surreal.”
Sobre o processo de escrita classifica-o como “muito estranho” e conta que “não há método, é muito rápido” porque se quer “livrar da ideia o mais rapidamente possível”. “Quando fixa na página é um misto de alívio e pressão” confessa ao programa Ensaio Geral da Renascença. Na rapidez de escrita, João Pedro Porto explica que tenta “não voltar atrás e deixar as coisas como quando saíram.” Na escrita, tal como na música, não tem método prefere falar em improviso.
Ao futuro leitor do seu livro “A Brecha” recomenda “espírito de aventura” para partir para a leitura. “Será talvez como um improviso, não deve tentar encontrar um tema único, uma melodia que se repita, devem simplesmente deixarem-se ir na história e não ficarem presos à linguagem. Fico desiludido quando me dizem que a linguagem é isto ou aquilo e não me falam da história. Porque eu vivi a história e as personagens com tanta intensidade que não se referirem a eles é como se os matassem.” Por tudo o que dá como indicações a um futuro leitor seu, Porto remata dizendo: “Adiram à história, façam a viagem e até ao fim”.
A escrita e a música
O mundo da música faz parte da sua vida. João Pedro Porto explica-nos: “nasci e cresci no meio de músicos e professores de música.” Desde os 3 anos que toca piano e segundo as suas palavras “a música tem sido uma constante” na sua vida. Frequentou o conservatório e diz que a relação da música com a escrita “é muito directa”. Dá como exemplo o que faz ao piano. “Não sei bem explicar. Já li pela pauta, já fui mainstream, mas eventualmente o que faço no piano, é improviso. Ás vezes toco quatro horas e não sei bem o que fiz.” Joao Pedro Porto compara este processo ao da literatura que “tem um processo constante também deste género”. O escritor açoriano fala da “melodia” da escrita que “tem de ter uma certa sonoridade”.
Ha dois anos que escreve letras para o grupo Medeiros/Lucas e diz que começou então “a aperceber que a criação musical, o improviso e a criação literária não estão muito longe”.
“Nunca me livro do sentimento insular”
João Pedro Porto é uma das jovens vozes literárias dos Açores. Questionado sobre de que forma a tradição da literatura insular o marcou, o escritor diz que tenta “não olhar para isso como quem caminha e não olha para trás, sabendo e admitindo que existe uma coisa para trás muitíssimo grande.” O autor não esconde contudo que “a insulareadade influencia imenso. A questão é que quem nasce, cresce e particularmente que volta para uma ilha sabe que isso influencia imenso”. Nas palavras de João Pedro Porto, ele é “também um pouco de ilha”. Talvez por isso o primeiro livro que escreveu é sobre uma personagem que se vai transformando em ilha. “Creio que nunca me livro do sentimento de insular, de solidão, de procura, de melancolia que se quer curar através da aventura.”
Sobre outras referências da escrita, João Pedro Porto evoca Jorge Luis Borges, Kafka, Albert Camus mas também Eça de Queirós. Mas estes são nomes de uma lista que “está sempre a mudar”.