04 fev, 2019 - 12:24 • Maria João Costa
O espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen está em depósito na Biblioteca Nacional em Lisboa e dele não consta um dos poemas que corre que nem um vírus na internet atribuído à poeta, cujo centenário do nascimento se assinala este ano.
De acordo com a notícia divulgada pelo jornal "Público", “O mar dos meus olhos” surge transcrito em milhares de páginas, mas nunca foi escritor por Sophia. Segundo a notícia, há mesmo artigos académicos que comentam o poema que já foi traduzido para alemão e holandês.
Maria Andresen Sousa Tavares, filha de Sophia, tenta há anos desfazer o equívoco que ia tendo honras de publicação, diz o "Público", numa antologia pessoal de um advogado do Porto, que quis incluir o poema na obra. Também “um jornalista cultural” pediu a Maria Andresen Sousa Tavares “para incluir numa antologia” o poema.
Uma rápida busca na internet faz descobrir o poema de autor desconhecido, atribuído à autora de "A Menina do Mar": “Há mulheres que trazem o mar nos olhos/ Não pela cor/ Mas pela vastidão da alma// E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos/ Ficam para além do tempo/ Como se a maré nunca as levasse/ Da praia onde foram felizes// Há mulheres que trazem o mar nos olhos/ pela grandeza da imensidão da alma/ pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens.../ Há mulheres que são maré em noites de tardes.../ e calma”. No Portal da Literatura, o poema surge atribuído a Sophia e com a referência de que foi publicado na “Obra Poética” pela Caminho em 2010.
Não é novidade a questão das falsas citações. Fernando Pessoa é um dos poetas mais citados na internet e os seus poemas partilhados em redes sociais, mas há muitos textos que não saíram da mão do poeta de “Mensagem”. Também a escritora brasileira Clarice Lispector, cuja obra é muitas vezes partilhada nas redes, é alvo deste mesmo mal.
Nem um Prémio Nobel se livra desta contaminação viral que prolifera na internet. Uns anos depois da morte de José Saramago, surgiu na internet, através das redes sociais, um texto que lhe foi atribuído e que o autor de “Memorial do Convento” nunca escreveu.
“Os fascistas do futuro não vão ter aquele estereótipo de Hitler ou Mussolini. (…) Vão ser homens falando tudo aquilo que a maioria quer ouvir. Sobre bondade, família, bons costumes, religião e ética. Nessa hora vai surgir o novo demónio, e tão poucos vão perceber a história se repetindo”. A frase que Saramago nunca escreveu, levou a Fundação dirigida por Pilar del Rio a desmentir a autoria de tal afirmação.